terça-feira, 29 de março de 2011

A Falta de Memória de Uma Mente Brilhante

  Ontem tive sono cedo, 21h já ia dormir quando liguei o computador só para ver se o guardião tinha confirmado horário para encontro na quarta-feira de manhã, no Fórum João Mendes, no centro de São Paulo. Nada. Mas eis que no Facebook aparece uma carinha que eu gosto muito, me deu oi, não podia passar batido. Ficamos teclando até 1h38. Resultado físico: minha tendinite no braço direito está latejando, meus olhos parecem ter areia e, mesmo podendo, infelizmente não consigo dormir de dia. Resuldado emocional: fiquei muito feliz de conversar com alguém que eu não vejo há 24 anos e que mesmo passado tanto tempo, lembramos de tudo como se fosse ontem.
  Lembrou que ao me conhecer, quando eu tinha 16 anos, o que mais impressionou é que eu falava o que pensava, com muita personalidade. Sim, é verdade, e pago caro por isso. O mundo não é muito justo para os que falam a verdade sempre. Lembrou também uma conversa que teve com meu pai, eu não sabia dessa conversa. Meu pai rodou de carro atrás de mim, pois era noite, dia de semana e eu tinha passado do horário. Estava namorando no calçadão da praia. Quando nos encontrou primeiro me deixou em casa e depois foi levá-lo. Conversaram bastante e meu pai pediu para ele me fazer feliz. Era tão simples.
  Agora vejo que meu pai foi o culpado por eu ser assim, foi quem me ensinou que devemos falar sempre a verdade, por pior que ela seja, que nada é melhor e mais aliviador do que a verdade. E me acostumei com isso, podia ser o fato mais bizarro, meu pai acreditava em mim, porque sabia que era verdade e também, com o tempo, constatou que minha vida era cheia de fatos bizarros. Esse homem, Abel Correia Mendes, nunca quis ter uma bonequinha em casa. Não, me preparou para disputas, me incentivou como poucos a praticar natação, para ter disciplina, respeito ao próximo, saber compartilhar, dividir, não ter medo do novo, de me entregar. Sem saber, me preparou para a batalha. Mas sem perder a ternura jamais. Também veio dele essa maneira desmedida de dizer as coisas, até ferir de tão sincera. Mas também não perco minha ternura. Foi ele quem me iniciou no gosto pela leitura, quem atenuou discussões com minha mãe, sempre querendo a paz. Esse homem inteligente, falante e brilhante, aos poucos foi ficando ausente, não me perguntava mais nada, não participava, nem se importou muito com minha gravidez, não se emocionou ao ser avô, algo que ele tanto queria, brigamos muito... essas atitudes e falta dela me deprimiram muito. Meu pai não lembrava de nada, só de coisas do passado muito distante. Demorei para perceber que ele estava muito doente. O diagnóstico veio tarde, em 2006: Mal de Alzheimer.
  Aquele homem forte e bonito agora fica com o olhar parado no nada, prostrado numa cama. É uma morte em vida, uma doença dolorosa, não sei se dói mais em quem tem ou em que vê e convive. A pessoa vai se perdendo aos poucos...ah, se meu pai estivesse aqui! Talvez nada disso estivesse acontecendo. Teria meu bom conselheiro. Teria o porto seguro que me falta há tanto tempo.

  Essa conversa de ontem me fez pensar tudo isso. Talvez meu fim seja igual ao do meu pai, já que tenho, geneticamente, de 20 a 40% de chances para desenvolver a doença. E personalidades tão parecidas. O lado bom é que, se isso acontecer, irei esquecer toda essa história da Dora e a mágoa que tenho pelo genitor dela,  não só por tudo o que já fez comigo, mas pelo que faz com Dora. Só o Alzheimer seria capaz de me fazer esquecer.

2 comentários:

  1. Força Adri! Você precisa estar bem por você, pela Mirandinha e pela Dorinha. Quem de fato te conhece e conhece o pai da Dora e, teve oportunidade de vivenciar um pouco a época do nascimento dela, vai se lembrar de um homem egoísta, que não tinha nenhum interesse pela filha. Todos sabemos que essa luta dele pela filha não passa de uma manobra de um ator/cineasta frustrado para aparecer na telinha.
    Nós estamos com o pensamento forte para que você tenha logo a Dora pertinho de você.
    Muita luz prá você!
    Renata

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  2. Amiga, conheci o teu pai e tinha orgulho do seu Abel...eu lembro dele, na arquibancada, torcendo, vibrando pelas suas braçadas...ou mesmo no final dos nossos treinos...eu nunca esqueço do seu pai dando boa sorte e dando força nas competições.
    Sempre gostei muito do seu Abel, da figura de pai
    Sempre fui uma garotinha para ele, na verdade, eu era mesmo...rs...
    Sei bem o que é isso que ele tem vivido, pois a minha avó tem a mesma doença...eles lembram do passado e nada do presente..fico me perguntando pq acontecer isso com essas pessoas tão lindas...?
    Mas eu acredito, mesmo ele estando assim, ele sente e torce por vc amiga. Ele pode parecer distante da realidade, mas ele quer o melhor para a sua filha e para as suas netas.
    Dri, força e não desista nunca....por mais que vc não tenha mais força, arrume...a Dora e a Miranda merecem ter uma mãe linda como vc...batalhadora...
    Eu acredito que vc irá reverter tudo isso amiga.
    Vc não está sozinha....se não tiver fome, empurre para dentro...se não tiver sono, tente descansar pelo menos, mas força...
    Adoro vc Dri
    Ju

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