sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O Sacrifício de Sofia

  Sempre tive animais de estimação, cães e gatos. A primeira gata que eu tive, Rafaela, foi trazida por meu cão Billy (Idol), que estava sentindo-se muito sozinho após a morte de seu pai e amigo, Bob (Dylan). Na época, 1986, o único gatinho que tive, Cauê (Strauss), era siamês e foi levado (roubado), então eu queria uma gatinha bem de rua. E Billy trouxe na boca, pendurada, semimorta, Rafaela, uma linda e preta gatinha de olhos verdes. Que sobreviveu, mas morreu jovem, aos 3 anos.
  Daí em diante sempre tive felinos. Sempre participei de histórias de animais, animais participaram das minhas histórias e acabei ficando amiga de vários protetores animais, participei - e ainda participo de forma torta - de ongs de proteção. Justamente por isso, no final de 2000, minha amiga Fabiana Inarra pediu que eu "conseguisse" uma gatinha preta. Imediatamente liguei para Claudia Pentiocinas, diretora de uma ong. Claro que tinha, as pessoas adoram livrar-se de gatos pretos! Fabi não imaginava que seria tão rápido e pediu para que eu ficasse com a gatinha por 15 dias, pois ela estava no meio de uma mudança, com filho e cachorro. "Só peço para você já ir chamando de Sofia, é o nome dela, tá?". Claro, que lindo nome!
  E então chegou Sofia. Meio assustadinha, pois havia sido jogada no lixo, com seus dois irmãos, de lá retirada e levada para um lar provisório, cheio de cães querendo pegá-la. Ficou escondida atrás da estante, às vezes colocava sua cabecinha para que eu pudesse ver seus lindos olhos amarelos. Aos poucos vinha e ronronava. Eu tinha acabado de mudar para um apartamento e estava, temporariamente, morando sozinha. Sofia era minha companheira. Em 15 dias me conquistou totalmente, era meiga, sossegada, nem miava e de tão carinhosa, fazia carinho em si mesma. Não podia entregá-la para Fabi! Essa amiga tão gentil e também protetora dos animais disse então que, se tivesse sobrado um irmãozinho, ficaria. E restou mesmo um, enorme, peludo e lindo. Que sorte teve Tobias - esse foi o nome escolhido.
   Era dezembro de 2000. Assim recebi o bichano mais especial que já cruzou o meu caminho. Fiquei grávida em maio do ano seguinte. A placenta descolou com 37 dias de gestação. Precisei fazer repouso absoluto. Sofia ficava no meu colo, me fazendo companhia e me olhando com olhar de Capitu. Nunca estava sozinha, tinha sempre Sofia comigo. Quando Dora nasceu, já tinha mudado para um apartamento maior. O pai de Dora, que foi morar comigo quando estava grávida de 6 meses, queria que eu me livrasse dos gatos (a essa altura já tinha Baleia, para que Sofia não ficasse muito enciumada, quando Dora nascesse). Infelizmente, a maioria das pessoas acha que gestação e felinos não é condizente. Mas é. Sou prova disso. E em todo meu repouso, enquanto ficava sentada, de pernas esticadas, aprendendo a bordar ponto cruz, Sofia ficava comigo. Nem bagunçava as linhas.
   Dora nasceu! Eu não deixava Sofia entrar no quarto do meu bebê, mas como era térreo, ela dava um jeito de sair, entrar pela janela e quando eu ia ver, estava no berço de Dora, deitada nos pés, tomando conta da minha cria. Que amor de gatinha!
   Ao contrário do que  muita gente pensa, gatos não são mais apegados à casa do que ao dono. Não Sofia. De São Paulo mudei para Boiçucanga. Era um terreno de mil m² e, mesmo assim, ela não saía do meu lado. Tive uma depressão profunda, no mesmo período Sofia teve problemas pulmonares, por falta sol. A gata estava deprimida como eu. Após a pior fase da minha vida, afinal eu não sabia que tudo ainda iria piorar muito mais, resolvi mudar para o Guarujá, nem metrópole, nem vila. Esperava que tudo se resolvesse da melhor forma. Fiquei com Dora apenas 3 dias no apartamento, depois o pai a levou, numa manobra jurídica para tirá-la de mim. Fiquei sem chão, sem teto, sem parede, um abismo sem fim iniciava-se. Após depressão profunda e tentativa de suicídio, me tiram a única razão de continuar! Chorava dia e noite, não tinha forças nem para levantar, apenas para dar comida para Sofia.
  Depois de processo kafkaniano, tortura sistemática, humilhações grosseiras, coração partido e ego destruído, levei Dora para um fim-de-semana e não devolvi. Deixei Sofia com amigos. Depois busquei Sofia e ela viveu comigo e Dora, sempre feliz. E quando estava grávida de Miranda, lá estava Sofia, ronronando na minha barriga...
  Mas há 7 meses abandonei Sofia. Ela estava morando na casa da minha mãe, eu ia buscá-la, mas levaram Dora e tudo voltou tão forte e pior e maior, que não tive tempo de olhar outra dor que não fosse a minha. Mas Sofia também sofreu e foi definhando. A gata gorda e peluda, emagreceu e perdeu o brilho. Passei uma semana com Sofia no soro, fez hemograma completo, vários testes, ultrassonografia... um de seus olhos perdeu o brilho e a cor, tem um tumor. Um rim tem mais que o dobro do tamanho. Tem linfomas.
  Os 5 dias de soro deram um sopro de vida. Mas há uma semana não come, mal levanta, mas me reconhece, vem para o meu colo com dificuldade, ronrona... ainda é minha Sofia. Sacrificá-la é uma decisão tão difícil. Sofia faria 11 anos no mês que vem. Acompanha toda a minha saga com Dora. Faz parte de toda essa história. É a gatinha da Dora. Ao menos ela não está aqui para ver isso. Não vai nem saber do sacríficio de Sofia, pode ser que Dora nem lembre mais da Sofia. Pode ser que nem lembre mais de mim. Dizem também que os animais sentem a dor do dono. Pobre Sofia,  pobre Sofia...

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