segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Irmã Imaginária

  Final do ano é sempre igual: todo mundo na correria dizendo como passou tão rápido tudo. Sim, esse ano passou dolorosamente rápido. Não posso crer que há quase 10 meses Dora não falou com qualquer pessoa do seu convívio social, que há quase 10 meses sofreu a maior ruptura com marcas, após o corte do cordão umbilical. O que isso vai provocar na cabeça da minha filha? Será que sua alma sobrevive intacta a esse trauma? Não posso ver, sequer falar com Dora, para tentar desvendar na profundidade do seu olhar de Capitu, se seu coração continua aberto e puro. E se o medo é o que guia seus passos. Eu posso sentir, mas não posso ver...que lembranças Dora terá de sua infância? Essa que deveria ser a melhor e mais divertida fase da sua vida.
   Não sei por Dora, mas sei por mim e por Miranda. As minhas cicatrizes eu cubro com tatuagens. É uma forma de esconder o quanto a vida foi dura com você. Ou como ela - a vida - poderia ser maravilhosa, mas muitas vezes torna-se apenas suportável. Essa dor não dá pra disfarçar nem com sarcasmo...
  Não imagino como serão essas lembranças da Dora, não faço parte de nada disso. Eu não sei nada dela. Não posso opinar, concordar, discordar, exemplificar, dividir, multiplicar. Não posso sequer abraçar minha filha. Que lembrança eu terei disso?
  E Miranda lembra que tem uma irmã, mas não pode vê-la. Agora deu para brincar com a irmã imaginária. Pega a mochila de rodinha da Dora e faz como se Dora estivesse chegando da escola. Corre para abraçar o vento e me diz: "Fica feliz mamãe, a Doinha voltou". E eu tenho que sorrir e abraçar o vento e abraçar a Miranda junto com o vento. E ficar feliz. Então "as duas" brincam de Barbie. Miranda conta pra Dora que eu comprei uma princesa  linda pra ela. Entrega. "Mamãe, olha como a Doinha gostou?". Isso chega a ser mórbido! É mais que triste. É sombrio uma criança de 2 anos e 9 meses ter que imaginar a irmã, que não pode ver...
  E o que mais me surpreende em Miranda é que ela lembra hábitos de Dora, como colocar a espuma do cabelo no box do banheiro, fazer coque, usar gel. Ela não vê a irmã há quase um ano. Isso é quase metade da vida dela. Mesmo assim, não esquece Dora, porque por 2 anos era sua referência, era o que a Miranda queria fazer. Isso me alenta, mas ao mesmo tempo me dá uma dor profunda...
  Queria muito poder não escrever o quanto estou triste e quanto a saudade dói. Queria parar de escrever como a Justiça é lenta, com as pessoas da outra parte são ruins, que essas crianças não mereciam nada disso. Mas nada, nada pode me confortar. A tortura destrói a sanidade e a alma.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Filhas Únicas

   Quando pequena causava estranhamento o fato de ser filha única. Realmente não era comum e as pessoas diziam que eu não parecia ser filha única, seja lá o que isso quisesse dizer. Mas sempre me senti cobrada, com todas as expectativas e atenções em cima de mim. Na entrevista do dia 11/11/11, com a filha única de Djalma, Laura Santos, perguntei sobre isso. É diferente e ela sentia uma diferença ainda maior por ser filha dele, demorou a entender que era filha de um mito do futebol. Talvez por estar no hospital, emocionou-se ao lembrar da infância. Eu já estava com os olhos inchados, meio pela alergia e o antialérgico, meio por ter chorado enquanto subia a Serra, de saudade. Então, servi água, para que Laura continuasse contando sua história, enquanto tantas lágrimas escorriam por seu rosto. Como todo filho único, sei que gostaria muito de ser mimada.
    Certa vez fiz uma matéria sobre filhos únicos. Era para o Diário do Grande ABC, caderno Dia-a-Dia, queria um personagem conhecido e telefonei para uma agência, para pegar uma fala. Logo me retornaram com o telefone da Giulia Gam, para que eu ligasse. Conversamos longamente sobre o tema, um sentimento de solidão compartilhado. Acabei lembrando disso, e que agora é mais comum encontrar filho único. Quando Dora tinha uns 2 anos eu comecei a pensar no segundo filho. Já estava sozinha com ela e não queria que fosse filha única como eu. Um peso muito grande, por mais distante, ausente ou indisponível que o filho único seja.
   E voltei para casa. Era sexta-feira, véspera de um feriado e eu esqueci completamente. Ainda fui encontrar um querido para almoçar. Só percebi meu equívoco ao sair da rodoviária. A Imigrantes estava parada. Folgada como o quê, sentei ao lado da janela ( meu lugar era o corredor). Mas logo apareceu uma moça muito bonita e elegante e não se importou em trocar a poltrona. Fiz uma meia dúzia de ligações e para minha sorte, o que seria uma enfadonha descida de 4 horas (em que eu até dormiria, talvez), tornou-se uma deliciosa troca de experiências, comentários e coincidências. Aline, uma santista simpática (redundância) e inteligente, que até já morou em Ribeirão Preto, também é filha única. Nada mesmo acontece por acaso.
   Evito falar de Dora para quem acabo de conhecer. Vou acabar me referindo a ela só no passado, pois há quase um ano não falo com Dora, não sei dela, como se sente, quem são seus amigos, o que faz, para onde vai. Pode parecer  mórbido. Daí tenho que contar sobre o processo, que minha filha está com o guardião, que não me deixa falar com ela, que tudo demora... e muito mais do mesmo. E daí a pessoa pode não acreditar em nada ou pensar por dentro "nunca vi mãe perder guarda de filho, o que ela fez?". Julgamentos o tempo todo...
  Mas depois de tanta sincronicidade, já tinha até mostrado foto da Miranda no celular, acabei contando. E pareceu que falei algo comum ou banal. Não me senti  julgada. Ao contrário, o comentário imediato que veio de Aline foi: "Viu, ainda bem que você teve a Miranda, que Dora não é filha única!". Simples assim.
  Ao mesmo tempo é como se eu tivesse duas filhas únicas. Agora estou só com Miranda. Por 7 anos tive só a Dora. E essa distância... tenho medo que diminua a irmandade. Esse sentimento tão profundo, incondicional  que nunca tive. Esse te amo e te odeio, empurra e abraça. Perdoa e esquece. Não queria criar Miranda como filha única, nem Dora. Queria irmãs, com brincadeiras, casa cheia e alegria. Queria aulas de pintura, chás de bonecas...
   Dia desses a Miranda disse que quando "a Doinha vier, vamos brincar de Babí". As irmãs já estariam brincando de boneca juntas. Será que Dora ainda brinca com bonecas?

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Dor Visível e Materializada

   Me perguntaram porquê parei de escrever.  O motivo exato não sei. Uma série de acontecimentos: não estar me sentindo bem fisicamente.  Falta de inspiração. Mais do mesmo. Fatos que preciso censurar.  Dor latejante de uma saudade eterna. Tudo isso e mais um pouco. 
  De repente me apareceram umas bolinhas vermelhas abaixo do peito. Não dei muita importância, eram poucas e pequenas. Uma semana depois já haviam se espalhado para a barriga, não demorou muito foram parar nas costas. Não houve sintoma como coceira insistente, febre, nada. Por isso demorei uns 20 dias para ir ao Pronto Socorro. E fui porque minha tia Cida me levou, não estava me sentindo mal. Embora, claro, a visão do meu corpo coberto de manchas vermelhas, em alto relevo, não estivesse me agradando. 
  Fui no PS Municipal de Santos, na avenida Afonso Pena. Não tinha fila para fazer a ficha e como sou cadastrada, em 2 minutos já estava na sala de espera, com ar condicionado e revistas. Enquanto esperava aproveitei para ligar mais uma vez para Laura, filha de Djalma Santos, que precisava entrevistar para enriquecer informações para o livro sobre seu pai. Ela esteve internada e ficou de me retornar para marcar o melhor dia. Consigo falar com Laura, que precisou ser novamente hospitalizada. Apesar da situação (ela no hospital, eu no Pronto Socorro), conversamos animadamente e a entrevista ficou marcada para sexta-feira, 11/11/11, às 9h30 (naquele momento eu nem tinha me ligado nessa data tão comentada). Depois ainda liguei para Norian Segatto, confirmando dia e local, pois queríamos ir juntos e acertar nossas agendas já não é tarefa fácil. E liguei também para o diagramador do jornal, liberando-o , porque só iria passar alguma matéria depois das 16h. E quando completava a terceira ligação já fui chamada para a enfermaria. Tudo muito rápido. Mesmo assim, algumas pessoas ainda reclamavam da espera. Talvez não saibam que, muitas vezes, o atendimento médico particular, com hora marcada, nos faz esperar até por mais de uma hora, em salas cheias.  
   A enfermeira me faz perguntas de praxe. Há mais de um ano não tomo nem aspirina, porque meus olhos chegam a fechar.  Isso aconteceu duas vezes e então nunca mais tomei qualquer remédio, nem para dor de cabeça.  Em seguida sou chamada pela médica, que me indica uma injeção de fernegan e soro. Até a injeção, tudo bem. Na hora de colocar a agulha na minha veia, expliquei meu pânico. Nunca ninguém acredita até acontecer. 
   Primeiro comecei a me contrair e tremer, suar frio, tudo tornou-se esverdeado e cinza e fui apagando, até desmaiar. Uma enfermeira dizia: “saiu a agulha”. Eu estava já na cama, deitada e ouvia ao longe alguém perguntando se me tirava do soro. A veterana não hesitou em colocar outra agulha numa veia da mão e ainda disse “essas veias são ótimas!”. Tipo da frase que me causa náuseas. Fiquei lá, deitada no soro e até dormir. Quando acordei, vi que já tinha ido todo o líquido. Como me sentia bem e tinha pressa, levantei e carreguei o soro pendurado comigo. Quando olhei minhas mãos, vi sangue. Foi o suficiente para sentir tudo de novo, me arrastei ainda até uma cadeira e fui imediatamente socorrida . Tiram tudo. Melhoro. “Você veio com acompanhante?”. Não, sozinha, eu não sabia que estava tão mal. Na verdade, passei mal pelo pânico da agulha na veia, não pela alergia, ou conjunto de tudo, não sei. 
  O resultado é que tenho que fazer vários exames para saber o que me provoca alergia. Pode ser peixe e frutos do mar (que tristeza), produtos de limpeza (desculpa perfeita), sol (não, isso nunca!) ou até mesmo emocional (ah, tá). Acabei perdendo uma tarde no soro, desmaiando, consultando, o que acarretou uma reação em cadeia de atrasos e coisas ruins. 
  Eu não sei como isso vai acabar, mas me sinto cada dia pior e agora é físico. Minha dor é tão grande e eu sei a causa. Não adianta tomar ansiolíticos ou anfetaminas para amenizá-la, não é existencial a minha dor, é pura matéria, posso vê-la e tocá-la. A forma de diminuí-la é ver minha filha. Não dá para viver essa tortura de sofrer podendo aplacar o sofrimento, sabendo que é tudo tão mesquinho, burro e vão.  Saber que o outro também sofre. E tanto sofrimento causando tanta dor. A vida é tão frágil, acaba tão rápido. E vivê-la com tanta dor é jogar tudo fora. É viver com desapego da vida.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Gaba Gaba Hey!

   Dia desses fui no Ramones Cover com meu primo Oswaldo Gonçalves Jr. De jeans, camiseta e tênis, como se deve ir num show de rock.  Vi os Ramones em duas de suas despedidas no Brasil. Um dos shows foi dos mais memoráveis da minha vida (e olha que já fui em muitos extraordinários). Saí do Olímpia, famosa casa noturna paulista, após uma hora e meia dos 3 acordes mais famosos do punk rock, pulando sem parar, no estilo one, two, three, four do Joey Ramone. Ainda anestesiada (e sem aditivos) do show derradeiro da banda, encontro meu amigo Tiko Rocha. "Dri, vamos no Aeroanta, vai ser o lançamento do CD dos Raimundos". O ano era 1994. "E vai ter uma banda do Rio abrindo".
   Seguimos eu, Tiko e mais alguns amigos. Amava show no Aeroanta. De qualquer lugar dava para ver o palco. Reencontro várias pessoas que estavam no Ramones e outros amigos que não conseguiram ingresso. Uma verdadeira celebração. Entra a tal banda do Rio: Planet Hemp. O que era aquilo? Ninguém conseguiu ficar com os pés no chão. E aquelas letras de total apologia ao uso de cannabis sativa? Não tem mais censura nessa terra, não? Enfim, era música da boa para ouvidos ávidos por novidade e coração já curtido em batidas rock.
    Mal deu tempo para a água e entravam os Raimundos, com Rodolfo - o vocalista - na sua melhor forma, definida em sua barriga de "tanquinho". Para delírio absoluto de todos que estavam no local, entra Dee Dee Ramone, dando uma palhinha em... Ramona. Foi ou não uma noite de show para entrar na história da minha vida? Depois dessa maratona rock só pude agradecer às deusas das águas. Não fossem as águas não estaria preparada fisicamente para tanto!

   E ter ido nesse Ramones Cover me mostrou que a veia rock está aqui, pulsando sempre. A veia punk lateja. Fiquei duas horas lá na frente, só eu e mais uma garota no universo ainda de maioria masculina. Todos na dança de chutes e socos em que ninguém se machuca. Se acertar, não dói. Se cair, levanta, com a ajuda da mão que te derrubou. Um menino de 6 anos, com camiseta do Ramones, sabia as letras, subia no palco e se jogava (mosh). Conheci o pai dele depois, parecia um garoto de 18, mas tinha 33. Quando enfim, duas horas depois tudo termina, aproxima-se de mim meu contemporâneo amigo Elson Maceió: "Adriana, eu vi uma garota pulando o tempo todo e pensei 'como é bom ter 20 anos'. É você!".
  Sim, a energia do rock e das pessoas dançando e cantando na mesma vibração é restauradora. Sinto-me mais forte, mais feliz, sinto-me viva da forma efêmera que a vida é. E imagino duas adolescentes que gostam de rock, indo em shows, dançando, vibrando... e eu do lado delas, sempre. Não me imagino como a mãe que leva a filha e pega na saída do show. Não, eu estarei lá, cantando e pulando com elas. Mesmo com 80 anos, ao ouvir os 3 acordes, estarei de novo no eterno Teen Spirit.