terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Vou Colocar Meu Nariz de Palhaço

    Tinha escrito um texto sobre o dia que Dora foi levada, lembrando cada detalhe da última manhã que passei com minha filha, há 22 meses e 8 dias. Também sobre a expectativa de encontrá-la hoje, conforme foi combinado, conforme o atual juiz determinou em junho, numa sentença (um tanto abstrata) para que as visitas monitoradas fossem realizadas "o quanto antes". Claro que para mim o quanto antes seria no dia seguinte, para Jonas Golfeto, tão sádico, alienador e com perfil de psicopata, o quanto antes pode demorar a eternidade. Pois eu escrevia no ônibus de São Paulo para Ribeirão Preto, enquanto Miranda dormia como um anjo, um texto falando dos livros que levava para Dora, da importância da literatura em minha vida, meu primeiro grande livro e tanto mais. Esse texto não cabe aqui hoje.
    No íntimo eu sabia que o guardião legal e alienador sagaz daria um jeito de mudar tudo. Um pouco antes de chegar na rodoviária fui checar meus emails e me deparei com essa pérola:

Ainda não há deferimento juducial para que as visitas ocorram nesse dia 18/12. Entre em contato com a Fabíola para fazer amanhã a entrevista inicial.

Jonas Golfeto
f: 011-8252-8133
jonas@alephcinema.com.br

    Como assim não existe? Há mais de seis meses o juiz deu a sentença! Então, logo pela manhã, fui com Miranda no escritório da minha advogada Lucélia Nunes, de lá para delegacias fazer BO, depois para o Fórum de Ribeirão Preto. O juiz mandou um oficial de justiça até a casa dos avós da Dora, intimando seu guardião a levá-la, mas Jonas Golfeto não estava lá (ele nunca está, inclusive seu celular tem  prefixo de São Paulo). Então a oficial voltaria às 18h.
    Mesmo assim eu, minha advogada e Miranda fomos no consultório da tal psicóloga, Fabíola Januário Martins. Assim que entrei a secretária sorriu e disse: "Adriana". Achei curioso, mas pensei que me conhecesse pela internet, alguma matéria de TV, enfim, pedimos que ligasse para Fabíola, que estava dentro de um avião, já que tinha outros compromissos e Jonas havia desmarcado. Tudo muito estranho. Obviamente, para estar viajando de avião, a passagem foi comprada com antecedência, a tal psicóloga, escolhida pela outra parte, sabia há tempos que não haveria essa visita. 
     Quis saber qual a formação acadêmica da Fabíola, a secretária não soube dizer. No consultório tinha uma garota esperta, de 10 anos, muito parecida com Dora, mostrei até uma foto para ela, que também ficou impressionada com a semelhança. Em pouco tempo essa menina simpática e falante estava entretendo Miranda, perguntando sobre Dora, falando de tatuagens, me confidenciando desejos. Quando eu vi que nada iria acontecer, liguei para o editor chefe do SBT local, que me atendeu prontamente e pediu todos os contatos, de todos os envolvidos. Nisso percebo que a secretária se ausentava por vezes e saía para falar ao telefone. Uma senhora, loira de cabelos curtos, provavelmente uma das psicanalistas do imóvel, não me dirigiu a palavra,  mas me olhava atentamente, seguindo meus passos, vigiando meus atos e ouvindo todas as minhas palavras ao telefone.
     Perguntei para essa senhora onde a tal Fabíola estudou, ela não sabia dizer, mas perguntou porquê eu queria saber tanto sobre isso, porquê isso era tão importante. Respondi que se fosse na Unaerp de Ribeirão teria sido aluna de Ed Melo Golfeto, avó de Dora. "Não, ela veio do interior, está aqui há poucos anos". A secretária, que até então eu não sabia o nome, disse que inclusive ligou para Ed e essa disse que a neta estava aguardando a visita. Achei todos muito íntimos, tudo muito curioso. Como nada iria acontecer, Lucélia falou com uma das advogadas de Jonas, disse que chega de fazer tudo o que ele quer, que não é ele quem manda no processo e que no dia seguinte teria polícia, oficial de justiça e imprensa. Pedi para a secretária um cartão da Fabíola, porque Jonas só me passou o celular da mesma. "Ela não tem cartão". Como assim? "Aqui é só por indicação, não precisa de cartão". Tudo mambembe demais. Senti já uma certa repulsa por parte da secretária, o que já havia sentido desde a entrada pela tal senhora, que era avó da garotinha simpática, parecida com a Dora.
     Assim que saímos uma advogada do Jonas ligou, dizendo que falou com a psicóloga e que a visita seria hoje, às 18h30. Concordamos. Em seguida liga a secretária, Josie, dizendo que seria amanhã, às 10h, no consultório do avô psiquiatra infantil, José Hércules Golfeto. Então vi o semblante calmo de Lucélia se transformar, negou veementemente, afinal, seria totalmente manipulador fazer uma visita com Dora no consultório do avô! E outra ligação da advogada de Jonas. Até agora não entendi o que aconteceu. Jonas disse que a psicóloga Fabíola não queria fazer a visita sem ordem judicial, que disse que era Jonas que não queria. Um jogo de empurra ridículo, infantil, grosseiro. A advogada de Jonas concordou que não tinha nada a ver o encontro ser no ninho do avô.
     Daí cheguei com Miranda, na casa da minha querida Paola Miorim, onde Miranda se sente tão em casa que até já me perguntou se a Giovana (caçula de 11 anos) poderia ser sua irmã, já que não pode ver Dorinha. Hoje Miranda entendeu tudo, pensou que veria a irmã, mas ao me ver nervosa, chorando, praguejando, me disse com a sabedoria infantil: "Esquece a Dorinha, mamãe". Isso doeu.
     Daí peguei o telefone do consultório onde trabalha a tal Fabíola: 016 3623 6302, ou seja, o mesmo do consultório de Ed Melo Golfeto. Josie é Josiane, aquela que me atende e diz que Ed não quer falar comigo, que não vai me atender. A senhora loira que me regulava é uma das 10 psicanalistas que atende no imóvel e que me acha uma louca transtornada. E quem não ficaria? Acho até que essa família tem sorte por eu ser quem eu sou, porque muitos no meu lugar teriam cometido uma loucura, de verdade!
     Saí como uma palhaça desta história toda. Na verdade tanto faz ser no consultório do avô, afinal, Fabíola Januário Martins é sócia da avó! Para começar nem deveria haver visita monitorada, já que minha perícia está pronta há 1 ano e meio, mesmo que fosse teria de ser por um perito forense, não escolhido pela outra parte, justamente a outra parte, filho de psicóloga, psiquiatra e irmão de psicóloga! E eu temendo que a tal Fabíola conhecesse os avós, ora ela trabalha com eles! Mesmo assim estarei lá, no consultório de Ed Melo Golfeto, para enfim encontrar Dora. Ou não, a outra parte que manda e não obedece nem ordem judicial.
     

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O que Sei da Maçonaria por Meu Pai

    Aproximando-se o primeiro aniversário de morte do meu pai e o final de mais um ano, cada vez com mais falta de crença e esperança, começo a mexer em caixas antigas, feridas abertas, ácaros acumulados. Então achei uma caixa cheia dos livros preferidos de meu pai. Entre eles O Papa Negro, que era seu livro de cabeceira. Junto com este, várias raridades sobre simbologia maçônica, suas histórias, muitos textos grifados por meu pai, Abel Correia Mendes, um orador da maçonaria, que escrevia discursos para sua Loja. 
    Há pouco mais de 2 anos, Sérgio Raia, irmão de Simone e que conheço desde muito criança, começou a conversar sobre maçonaria e perguntou se eu tinha O Papa Negro, de Ernesto Mezzabota. Certamente, pois lembrava de meu pai constantemente lendo esse livro, mas procurei o máximo que pude e nada de encontrar, na falta dele, entreguei uma caixa de outros livros incríveis para o Sérgio, pois sabia que meu pai adoraria que ele os tivesse, porque nunca escondeu conhecimento e porque Sérgio é uma pessoa ávida por leitura, quase um compulsivo, assim como era meu pai. Agradeceu muito e disse que alguns exemplares ele nem poderia  ler ainda, já que não chegou no grau para a leitura, era tido ainda como um leigo. Sabia que seria por pouco tempo, pois sua rapidez e entendimento logo o "elevariam" alguns graus.
   No último sábado encontrei Sérgio Raia numa festa, falamos sobre esse tema, agora ele já tem o tal livro, mas disse que é raridade, não existe mais na praça e para eu guardá-lo sempre, como um tesouro. Sim, já tinha pensado nisso, mesmo quando eu terminar de lê-lo, irei guardar, porque ali tem todas as digitais de meu pai, tem seu pensamento, seus grifos, talvez seja o maior tesouro que ele me deixou. Então comecei a pensar no que foi a maçonaria na vida dele e em muitos acontecimentos que ficaram nebulosos por conta do Mal de Alzheimer que o acometeu, não sabemos ao certo desde quando.
    Meu pai está presente em todas as lembranças da minha infância. Me levava na escola, pegava, levava na natação e buscava. Nos finais de semana me levava na praia, tentava me ensinar a nadar e mergulhar. Quando comecei a competir, acompanhava a equipe até onde dava. Lembro de ter orgulho daquele homem inteligente, bonito, simpático e falante, tinha sempre resposta para tudo e quando não tinha, procurava. Não existia internet, muito menos google. Foi ele quem deu a ideia para eu ficar sócia da biblioteca municipal. Teve muitos empregos diferentes, por isso morei em muitas casas também. Mas nos anos 80 firmou-se como comerciante e logo começou a frequentar a maçonaria. Comecei a dividir meu pai com homens de smoking e seus encontros misteriosos. Como os livros ficavam expostos na estante, eu podia folheá-los quando quisesse.
    Primeiro eu questionava o machismo da Ordem Maçônica. Por que só homens? Meu pai dizia que era uma regulamentação de quando a Ordem inicou, dizendo que "as pessoas admitidas como membros de uma Loja devem ser homens bons e de princípios virtuosos, nascidos livres de idade madura, sem vínculos que o privem de pensar livremente, sendo vedada a admissão de mulheres assim como homens de comportamento duvidoso ou imoral". Ora, mas os regulamentos existem para serem modificados, mulheres também não votavam no início do século XX. De certa forma, as esposas dos maçons participavam, organizando eventos beneficentes e sociais. Ainda achava muito pouco,  porque mulheres não podiam decidir? Serem oradoras? "A verdade, filhota, é que poucas mulheres se interessariam por estas reuniões, infelizmente, são poucas que pensam como você". Ah, meu pai, sempre pragmático.
    Só sei que ele lia e falava cada vez mais. Talvez já fosse sua luta contra o alzheimer. Lia três vezes o mesmo livro para entender o que antes conseguiria numa única vez. Nunca saberei a resposta. Sou um tanto leiga no assunto, apesar de meu pai ter sido maçon por muito tempo, porque nunca frequentei mais do que jantares de famílias, o que sei é apenas o que o didático Abel me passou e o que pude entender dos livros da Ordem que li.
    Entendi que a maçonaria tem várias missões, sempre voltadas para o bem e a caridade, como "fazer amigos, aperfeiçoar suas vidas, dedicar-se às boas obras, promover a verdade e reconhecer seus semelhantes como homens e irmãos". Eu pensava desta forma, era assim que queria seguir minha vida. Outro ponto interessante é que participavam da Loja Maçônica homens de todos os credos, raças e profissões, haviam os mais abastados e os nem tanto, mas todos eram considerados pessoas virtuosas, de boa índole, além de moral e intelecto elevados. Percebia que estavam lá médicos, juízes, políticos, comerciantes, empresários e outros cargos importantes da cidade. Poderia ser uma rede de influências, ali eram decididos alguns dos rumos políticos e econômicos da região. Mas qualquer pessoa, se fosse do sexo masculino, poderia participar. Com exceção desta regra, que se existe, pode ser quebrada, concordava com muitos tópicos que li, ainda na adolescência.
    Aos poucos meu pai foi se perdendo na sua leitura, deixando de retornar recados dos amigos, faltando às reuniões e com seus compromissos. Quando eu o questionava sobre o abandono de algo que lhe fazia tão bem, dizia estar decepcionado. Tentei descobrir o motivo de sua decepção, mas só poderia vir dele a resposta e essa eu nunca tive.Pensei que estivesse com depressão. Hoje percebo que ele se decepcionava com sua falta de memória e concentração, por não conseguir mais ser o orador aplaudido pelos seus amigos... muitos desses amigos compareceram ao seu enterro, alguns pensavam que meu pai já estivesse morto. O que não deixa de ser uma verdade. Seus amigos pararam de procurá-lo, claro, ele parou de ligar antes, faltou, deixou de participar... se eu que sou a filha inteligente e com tanta informação, demorei alguns anos para pensar na possibilidade de Mal de Alzheimer, imagine esses homens tão cheios de responsabilidades, com famílias e seus próprios problemas? Meu pai seria só mais um rebelde que abandonou a maçonaria...
    
    Certa vez aluguei o filme A Liberdade é Azul, meu pai assistiu comigo e pediu para eu alugar os outros dois da trilogia, pois me disse que a finalidade da maçonaria era construir uma sociedade humana, com base no amor fraternal e na esperança e ter sempre tolerância, virtude e sabedoria. Também investigar a verdade constantemente, sempre dentro da tríade Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Dizia que dentro dos princípios da Ordem, da razão e da Justiça, o mundo alcançaria a paz universal. Muitas vezes achava que ele estava era viajando, que a paz universal é tão utópica que chega a ser juvenil. Meu pai era mesmo um teen spirit, quando vimos juntos A Fraternidade é Vermelha, chorou e disse que era o mais belo dos três filmes (tem também A Igualdade é Branca). 
    Penso que  em Ribeirão Preto não deve ser diferente, penso que muitos juízes, de todas as Varas da cidade, devem frequentar alguma Loja Maçônica, assim como o avô da Dora, José Hércules Golfeto, um médico e ex-professor universitário. Penso que assim como em todas as cidades, homens influentes frequentam a maçonaria e que muito do que acontece em prefeituras e fóruns pode ser decidido antes, em encontros maçônicos. E se o que penso for verdade, imagino que esses juízes conversem sobre o processo envolvendo Dora. Se forem mesmo maçons, devem ser homens de virtude, moral e intelecto elevados, sendo juízes devem ser justos. É virtuoso e justo privar uma filha de ter contato com sua mãe por quase dois anos? 
   Queria mesmo que essa fosse uma das minhas perguntas que tivesse resposta e que, alguém de moral elevada, com amor fraternal, focado na paz universal, liberdade e igualdade, pense que mais do que adultos errantes, há uma criança inocente sofrendo as consequências da morosidade da Justiça e da intolerância dos homens. Que saudade do meu pai, que falta sinto de Dora.