sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Só Queria Agradar a Todos

    Ontem fiquei num papo virtual com meus amigos que conheci em Ribeirão Preto (todos de outras cidades) no ano e meio que morei lá. Tenho muitas lembranças maravilhosas dessa época e percebi que a maioria teve problemas de depressão. Por quê? Talvez porque fôssemos idealistas e quiséssemos mudar o mundo. Mas os acontecimentos mundanos é que nos mudaram. Continuamos idealistas, mas com pouca esperança de mudanças, então a vida se torna algo esquisito. Queremos ainda um mundo melhor para nossos filhos ou os filhos dos amigos. Mas nossos sonhos já se perderam.
    Os comentários me deram um saudosismo danado, até fotos daquela época rolaram. Me deu vontade de escrever sem parar sobre os acontecimentos hilários, marcantes e profundos daquele tempo. Até comecei, mas era tanta coisa, tanta gente e já era de madrugada. 
    Hoje foi ainda mais longe a viagem no tempo. Um comentário da Silvana Boghi, que estudou comigo na infância me lembrou a criança que eu era. Estudei com muito orgulho na escola municipal Dr Napoleão Rodrigues Laureano, do pré até a oitava série, onde conheci amigos que trago comigo até hoje. Lá aprendi a nadar também. Sempre tentei agradar, por ser filha única queria ser a melhor para os meus pais, a melhor aluna, a melhor atleta, a melhor filha... acho que não consegui, mas tentei. Por ser filha única numa época em que ninguém era filho único, fazia de tudo para não parecer mimada. Tentava ser amiga de todo mundo, porque me fazia muita falta ter amigos. Era líder de classe, tesoureira no Centro Cívico, queria fazer tudo o tempo todo, parece que já tinha noção de que a vida era curta e não havia tempo a perder. Eu era uma criança adulta, que brincava sozinha e não teve muita brincadeira de rua, porque comecei a nadar muito cedo e minhas brincadeiras eram mãe d`água, revezamento... tinha poucas bonecas. Minha primeira bicicleta ganhei aos 15 anos. Nem tanto por falta de dinheiro, era medo da minha mãe mesmo, de que eu fosse atropelada.
     Tive professores inesquecíveis no Napoleão. Na segunda e quarta séries do primário foi a Léa. Era austera,  muito séria e de um português impecável. Eu achava que ela não gostava de mim, por isso apagava a lousa, sentava na frente, respondia primeiro que todo mundo, participava de tudo, mas ela me observava sempre muito séria e nunca ria das minhas piadinhas irônicas (sim, era  irônica desde criancinha). No final do curso primário me deu um livro lindo, de capa dura: O Príncipe e o Mendigo, de Mark Twain. A dedicatória falava da minha inteligência e para usá-la com amor e sabedoria, pois de máquinas cerebrais o mundo já estava cheio, pedia para me colocar sempre no lugar do outro, porque quanto maior o poder, maior a responsabilidade. Li esse livro aos 9 anos, 19 e 29. Cada vez aprendia mais. Dei de presente para a Dora em nosso primeiro encontro após 2 anos. Espero que ela entenda a importância desse livro na minha vida e o significado de tê-la presenteado.
    
    Na quinta série minha professora de português foi a Dalva, que tinha sido miss há pouco tempo. Era linda e inteligente e sempre me dizia que beleza diminui, inteligência aumenta (bom, na época eu não conhecia o alzheimer, senão já teria contestado). Nunca me achei bonita e sempre fugi disso, usava óculos, era meio abrutalhada pela natação, nunca fui de usar maquiagem e minhas roupas são as mais básicas possíveis, até hoje. Mas admito a vaidade intelectual que tenho, apesar de tentar escondê-la também. 
    O gosto pela literatura só cresceu, assim como minha admiração pelos professores. Na sexta série foi a Élida, que me emprestou Vidas Secas, do Graciliano Ramos, para ler. Conversávamos  muito sobre livros quando íamos juntas para o ponto de ônibus. Nessa  época eu já sabia o que queria ser, além de campeã olímpica (claro que nunca nem fui para uma Olimpíada), escritora! E todas as minhas professoras me incentivaram. Daí na sétima série percebi minha dificuldade com exatas, peguei  minha primeira  recuperação em matemática, com a Zenilde, que era irmã de uma das minhas melhores amigas da classe, Cláudia Telles. Até pouco tempo também achava que a Zenilde não gostava de mim porque me deixou de recuperação e que só passei porque era amiga da sua irmã. Hoje tenho certeza que não era  nada disso. 
     Do ginásio, além dos professores citados e das amigas Kátia Cândido,  Patrícia Olsever e Claudinha,  que tanto me divertiam, tinha o genial Lázaro, de  Ciências, que me fez amar biologia e conhecer Einstein. Tenho um respeito imenso pelos mestres, que hoje são chamados de tios. Talvez nem imaginem a grandeza que tiveram na minha formação em escola pública. 
    Como nadadora eu fazia tudo o que o técnico mandava, não faltava, treinava à exaustão, muitas vezes também de madrugada, antes das aulas. Quando parei de melhorar meus tempos entrei em crise, eu treinava  tanto e não melhorava, por que eu era tão ruim? Por que eu não podia ir em todas as competições com meus amigos que davam tempos melhores do que os meus, embora treinasse a mesma coisa? Hoje eu sei que exigia demais de mim e que meu talento aquático era limitado. Não me arrependo de nenhuma braçada que dei. Se não consegui atingir meus objetivos, aprendi  muito nas tentativas. Na vida a gente mais perde do que ganha, aprender a lidar com frustrações foi a maior lição que a natação me deu.
     Os amigos da natação formavam uma família. A gente sofria muito junto e ria mais ainda. Nas viagens fui conhecendo muitos nadadores do interior, que depois passavam férias de verão em casa. Adorava poder proporcionar isso para esse pessoal do interior, vinham muitos do Luso de Bauru. Afinal eu morava onde todos pagavam para passar férias. E natação, ao contrário do que dizem, não é esporte de elite (assunto para outro post). A turminha não tinha muito dinheiro para viagens de passeio, por isso treinavam para tentar conhecer o mundo pelas piscinas. 
     Com os amigos da Unaerp de Ribeirão Preto foi a mesma coisa, férias garantidas no Guarujá ou em Boiçucanga (litoral norte de São Paulo). Quando transferi para a Metodista, igual, eram tantos manos do ABC, eu tinha carro e casa na praia, era  uma privilegiada e queria dividir esse privilégio com quem não tinha. Meus pais apoiavam isso, embora minha mãe, com sua mania de arrumação e limpeza, ficasse enlouquecida com a casa cheia, meu pai ponderava que era melhor me ter em casa, conhecer meus amigos e saber o que a gente aprontava do que eu ir para longe, sabe-se lá com quem. Eu sempre tentei ser amiga de todo mundo, dos amigos do amigo. Sempre quis aprovação. Mais do que pelas palavras, pelas atitudes. Claro que errei muitas vezes, principalmente em minhas escolhas, mas também faz parte da vida, escolher errado.

    Tentei dar a melhor infância para minhas filhas, para Miranda ainda tento, mas não consigo. Vivo tão dentro desse processo, perdi tanto de bens materiais e emocionais, que sei que sou mãe pela metade dela e me culpo todos os dias por isso. Para Dora também tentei, mas não consegui. A infância é a parte mais rápida e mais rica da vida. Me dói ver o tempo passando tão rápido e eu não poder fazer nada para melhorar a situação, porque mais nada depende de mim. Não sei em que curva minha vida deixou de me pertencer, mas preciso urgentemente tê-la de volta!

5 comentários:

  1. Você é a melhor pessoa que pode ser, assim como eu também. Não se cobre tanto. Aceite-se sempre acima de tudo.Sua vida nunca parou de te pertencer, mesmo quando voce sente o contrário. Eu sei do que você está falando, tive essa sensação em mim muito forte depois que passei por um problema de saúde grave e uma separação de um casamento de 10 anos e tres filhos. Fiquei desesperado e achava que não poderia ser um bom pai estando separado. Descobri que nossos filhos só precisam de uma coisa para serem felizes: o amor incondicional dos pais, nada mais. Acho que a vida é mesmo dura, mas acho que ela só acaba com os sonhos irreais, fantasiosos. Os sonhos verdadeiros, aqueles que estão no íntimo do nosso ser, esses nunca morrem. Não morrem nem quando o corpo morre, porque pertecem à alma, que é eterna! Grande beijo minha querida amiga.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu sei... agora sei o tanto que sempre me cobrei... agora vou apenas ser, tipo O Ser e o Nada, do Sartre. Me sinto cansada, mas com alguns sonhos ainda para realizar, aliás, já passa das 3h30, vou dormir para tentar sonhar mais um pouco. Obrigada, beijo enorme.

      Excluir
  2. Sabe, Dri, me cobrei tanto e tantas vezes por achar que eu era uma fraude como pessoa, mãe, esposa e, principalmente, como ser humano que acabei doente e muito, mas muito infeliz. Descobri, e isso pode soar até como conselho, que os filhos são seres completamente independentes do que achamos que são ou do que imaginamos que estejam sentindo. Tudo aquilo que eu achava que tinha feito errado, que era uma péssima mãe, que não dei a educação que minha filha merecia ou precisava, se revelou totalmente sem sentido. Hoje eu ouço: mãe, vc fez tudo o que podia fazer e eu amo vc. Não queria ter outra mãe que não fosse vc, exatamente como é, chata, carente, briguenta, xereta e essas coisas todas. Tb ouço do meu amado que eu sou a melhor pessoa do mundo (e claro que tenho vontade de rir). Mas entendi que sou, sim, a melhor pessoa do mundo para ele. E é isso que importa, eu ser a melhor pessoa que posso ser, sendo exatamente como sou. Parar de se culpar é o primeiro passo. Beijo enorme e se quiser dar um tempo, vem me visitar que eu vou adorar!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Viu como nossos destinos estão cruzados desde sempre? Não importa o tempo ou distância, o que é real continua para sempre, como nossa amizade. Dividimos histórias, profissão, dores, risos, mesas, compartilhamos tantos momentos e aqui estamos novamente. Sim, também vou adorar. Como é bom ter um amigo em todo lugar para poder visitar. Amo vc!

      Excluir
  3. Cris, chorei... mais que isso, desidratei lembrando os nossos dois meses com a Bruninha lá, a menina rock no meio daquela turma de malucos! A gente chegou no final do ano, rompeu o ano e lá ficamos. E vc botava ordem na casa, afinal, não era só mãe da Bruna, era a cuidadora de todos nós! Meus pais te amaram desde a primeira vez que te viram. Lembro de vc grávida e solteira (num tempo sem teste de DNA), meu pai não se conformava, achava que todos tinham que ter orgulho de vc e quem não assume é que deve ter vergonha, era um feminista o Abel! No fim tudo deu certo e nossa Bruna está aí, linda, inteligente, resolvida e dando broncas na mãe. Amo vcs para sempre!

    ResponderExcluir