quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Obrigados a Tirar a Camisa

   As imagens de selvageria, mostradas à exaustão, entre os torcedores do Atlético Paranaense e Vasco, na última rodada do Campeonato Brasileiro, não são as primeiras, nem as décimas e, infelizmente, não serão as últimas. Mas isso acontecer nas vésperas de uma Copa do Mundo no Brasil é de estarrecer o resto do mundo, por isso repercutiu tanto e muito mais do que “brigas” até piores. Culpar a falta de efetivo militar não convence. A culpa é de quem chuta a cabeça de um ser humano já desmaiado, pelo simples fato dele torcer por outro time! Já não bastasse a intolerância religiosa, racial, sexual, ainda temos que conviver com a intolerância futebolística. Em que momento o futebol arte virou futebol morte? 
   Pode parecer um paradoxo, mas eu torci muito para a Olimpíada ser no Rio, porém achei uma tragédia anunciada a Copa também ser no Brasil. Simplesmente porque, mesmo sendo um esporte só, com menos países e atletas, a Copa é a maior competição do mundo. Porque não acontece apenas em uma cidade, mas em todo o País. Movimenta aeroportos, estradas, restaurantes e hotéis do País inteiro. E porque o futebol é uma indústria que gera bilhões de dólares todos os anos, além de lançar os jogadores celebridades.
  Gosto de futebol e gosto de ver jogo em estádio. A primeira (e única) vez que me senti uma torcedora oprimida foi num jogo entre SPFC e Santos, no estádio do Morumbi. Fui com os amigos Marcos Raia, Renato Rovai e sua filha Carol, na época com 10 anos, e Mario Serapicos, com seus dois filhos, mais uma amiga de Renato. Todos santistas, com exceção da amiga, são paulina, mas que de boa ficou na área reservada aos santistas. Já para entrar era algo opressivo: polícia montada, fila com proteção, entrada separada por policiais. Indicativo que os torcedores iam para brigar. Estranhei porque estava acostumada aos jogos na Vila Belmiro, sempre tranquilos, onde me sentia em casa. Sentamos na arquibancada e nos 2 minutos iniciais, eu ainda me habituando aos barulhos da torcida, tomamos o primeiro gol.
    O jogo terminou em 1x0 para o São Paulo. Saímos tristes pelas crianças não terem dado seu grito de gol, tão desejado. Seguíamos pela rua quando um bando de são paulinos nos cercou e exigiu que tirássemos a camisa. Rovai ainda tentou contemporizar: “Olha, estamos com as crianças”. Mas nos empurraram, nem se intimidaram com o tamanho do Marcos, que tirou a camisa de boa. Eles queriam que eu tirasse a minha camisa também. Relutei. “Dri, tira, esses caras estão loucos”. Tirei muito contrariada e porque estava com um top por baixo e seguimos sem camisa, ouvindo xingamentos esdrúxulos. Eu nem tinha filhas, mas ver a carinha assustada daquelas crianças, já tristes por não terem visto nenhum gol do seu time, me marcou de um jeito que nunca levei minhas filhas aos estádios. Afinal não provocamos, estávamos com crianças e tínhamos perdido o jogo, ou seja, corremos risco só de ir ao estádio!
   Quando vou na Vila Belmiro fico com a Torcida Jovem. Adoro cantar os hinos e gritos de guerra, ouvir a batucada e abraçar quem nem conheço. Jamais presenciei brigas, o máximo de agressão foi xingamento aos jogadores adversários, mas com uma certa dose de ironia e para tentar desmoralizá-los. Não sei se é porque a torcida santista é realmente mais organizada e menor ou porque consideramos a Vila Belmiro um Patrimônio da Humanidade. O fato é que nos orgulhamos da nossa história, dos vários “raios” que caem naquele lugar tão pequeno e iluminado.
   Não entendo como um País que não consegue resolver problemas de saneamento básico, educação e segurança, pode construir tantos estádios e investir tanto dinheiro numa competição. Estádios que ficarão abandonados em certas partes do País. Tem um que está parado, em Olinda (PE). Foi construído para receber seleções em concentração. Foram gastos dúzias de milhões, passou por vistoria de presidente e ministros e então, tudo parou. Agora o local abandonado é usado para tráfico de drogas e dependentes de crack. Olinda, cidade turística e muito linda, já foi piorada pela Copa do Mundo. Não quero ser apenas o País do futebol, quero ser o País da educação e cultura, da justiça e saúde. Quero ser o País de todos os esportes e por isso torci por ver uma Olimpíada no Brasil.
   Teoricamente a cidade do Rio de Janeiro já passou por mudanças e testes com o Pan Americano de 2007, que deve ter 20% da magnitude de Jogos Olímpicos. Mas na prática, os alojamentos dos atletas estão abandonados. O que me deixa relativamente feliz é que em 2016 tenho a esperança de assistir a natação e alguns jogos de vôlei. Futebol em Olimpíada? Não, obrigada, nem na Copa.
   Tive a honra quase inenarrável de conhecer Djalma Santos e fazer sua biografia, saber tudo da sua vida. O livro ainda não foi lançado, Djalma se foi em julho deste ano e não verá a obra, mas lhe mostrei o primeiro capítulo e ele sabia o que seria escrito. Em nossos encontros e horas incríveis de conversas e gravações eu viajava no tempo em que os jogadores amavam seus clubes, recebiam salários dignos, mas não eram milionários e jogavam mais com a arte do que com a força. Conversava muito com Djalma sobre a selvageria dos torcedores e ele, sabiamente, dizia que era uma catarse no lugar errado, do jeito errado, que não bastava mais gritar gol e cantar hino, que o futebol virou uma indústria de cartolagem. Sobre a Copa? Djalma só desejava ter saúde para poder ver alguns jogos nos estádios. Com ele, eu iria...

2 comentários:

  1. Lindo o texto, deliciosa a escritora, sábia a jornalista, consciente a cidadã, amada a amiga, ..., ..., ...
    "Eles passarão, nós..."
    Bjs, mana!

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