sexta-feira, 26 de julho de 2013

Só os Melhores do Mundo

    Na última segunda-feira, dia 22 de julho, fui dormir decidida a nunca mais chorar de tristeza, nem de raiva. Na manhã seguinte liguei a TV para ver a prova de 10 km feminino do Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos, que estão acontecendo em Barcelona. 
    Então assisti a prova mais emocionante de 10km jamais vista (por mim). Poliana Okimoto e Ana Marcela Cunha estavam determinadas a mostrar para o mundo quem manda nesses oceanos todos! Lindo demais ver as duas disputando a cada braçada, tentando ser mais rápidas a cada hidratação. Poliana venceu por 3 décimos, quase nada para uma prova tão longa, mas que lhe garantiu o lugar mais alto no pódium. Quando vi a premiação e ouvi o hino nacional, não consegui conter minhas lágrimas. Estava eu de novo chorando, mas de alegria e emoção. Sei como é difícil ser atleta e ser mulher neste País. Ainda mais nadadora. Apesar de tantas vitórias nas águas e nas quadras ainda é tortuoso o caminho do patrocínio, dos treinos, do incentivo e da conquista neste Brasil que faz jogadores de futebol milionários e nadadores de ponta, quase pedintes por passagens aéreas.
    Já vi essas duas "garotas" treinando no Santa Cecília, em Santos, faça chuva ou faça sol. As duas são fortes, determinadas e sempre com sorriso no rosto, mesmo com lágrimas no olhos. A vitória de Poliana foi particularmente festejada por mim, porque após seu desempenho na última Olimpíada ouvi e li comentários sobre sua carreira... que estaria no fim! Ah, como são levianos esses comentaristas, como seria fácil tê-la feito desistir, não fosse ela quem é! 
    Passou da hora do Brasil ser o País de todos os esportes. Olha só quanto  mar nós temos!

O melhor dos melhores se foi

    Comecei a receber ligações e mensagens eram 21h30, do mesmo dia vitorioso de Poliana e Ana Marcela. Djalma Santos morreu! Então no mesmo dia em que chorei de emoção e alegria, chorei de tristeza e frustração. Um dia antes havia trocado emails com Norian Segatto, meu querido amigo e editor da biografia do Djalma. Como iria para Ribeirão Preto no final de semana, daria uma esticada até Uberaba, onde Djalma morava, para fazer uma visita e levar a prova do livro para ele ir lendo no hospital... mas a morte não espera a visita. A morte não espera o lançamento de um livro que teve superprodução, que está pronto e por não sei que cargas d´água não foi lançado em maio.
    Várias pessoas me escreveram, até quem eu não conheço pessoalmente, lamentando a morte de Djalma e perguntando sobre o livro. O que posso responder? Que não sei a data e agora pouco importa, poderá parecer oportunista lançar após sua morte. Até porque o dinheiro das vendas iria para o biografado, que vivia com dignidade, mas com dinheiro contado da aposentadoria. Os 100 mil que o Lula prometeu para os veteranos das Copas de 58 e 62? Nunca chegou, tomara que chegue para Laura, filha única e adorada de Djalma.
     Já escrevi por aqui como começou essa história de livro, mas vale a pena relembrar. Norian me ligou perguntando se eu conhecia o Djalma. "Claro, o bi campeão mundial!". Daí me convidou para escrever sua biografia, pois o jornalista Flavio Prado foi chamado, mas como é um profissional dos textos curtos (rádio e TV), escreve seus livros com tempo indeterminado e esse tinha prazo para acabar. Então Flavio procurou Norian, que me procurou. Foi assim que tudo começou.
     A primeira vez que entrei na casa de Djalma foi mágico e isso eu escrevi neste blog. Fomos em comitiva. Para produzir o livro também fiz entrevistas em Curitiba, onde ele encerrou a carreira no Atlético, entrevistei o grande goleiro Waldir, do Palmeiras, fomos juntos ao flat onde ele morava. Estivemos juntos também  numa homenagem no  Memorial da América Latina. Acompanhei Djalma numa consulta médica em Uberaba. Jantamos juntos, almoçamos, tomamos vinho. No começo achava tudo meio surreal, depois é como se ele fosse meu amigo mais íntimo. Quando eu ligava para dar parabéns pelo seu aniversário (em 2012 e 2013), me agradecia com tanta humildade pela lembrança. "Como assim Djalma?? Nunca mais vou te esquecer, sei todas as datas da sua vida! Sei seus segredos, suas alegrias, tragédias, amores".
    A última vez que vi Djalma foi em janeiro. Estive em Uberaba para fazer as legendas das fotos, como eram mais de 2 mil fotos, algumas eu não conseguia identificar. Ficamos mais de 3 horas vendo fotos, conversando sobre tudo. Com sua ironia fina que o protegia das desgraças da vida, comentou que tudo começou com uma comitiva, depois eu, Norian e Camila Tostes (a fotógrafa que também se apaixonou por ele), depois eu e Camila, no final só eu. "É Adriana, a final é só para os fortes". Depois de umas duas horas no computador ouvindo suas histórias, comentando cada foto, sua esposa, a simpática e divertida Esmeralda, nos trouxe água e café. "Gente, vocês não param pra nada, não?" . Não sentimos o tempo passar, é assim quando a gente faz o que ama. Esmeralda ainda disse que eu sabia mais da vida dele do que ela mesma e me convidaram para voltar com Miranda e ficar na casa deles, pois eu era tão de casa que já usava até o banheiro do quarto do casal...
     Eu sabia tudo da vida dele, de mim Djalma só sabia que era jornalista e nadadora, que era filha única como a sua e que meu pai falecera em decorrência do Mal de Alzheimer. Ele tinha fascínio por natação, justamente por não saber nadar e ter quase morrido afogado 3  vezes. Tinha problemas nos pulmões, resquícios de sua infância, quando ficou órfão e morava com a irmã em um porão. No inverno frio de São Paulo, se aqueciam com carvão, isso durou anos e seus pulmões sentiram as brasas do carvão por toda sua vida. Eram seus pontos fracos...
     O mais triste é que esse livro seria uma homenagem em vida. Nunca fui de homenagem póstuma.  Djalma e sua jovialidade estariam presentes nos lançamentos, que seriam três: Uberaba, Curitiba e São Paulo. Nós ficamos imaginando e planejando tudo, ele dando autógrafos, seus amigos comparecendo em massa, seus fãs... o mais triste é pensar o que poderia ter sido e não foi. E cá estou eu, novamente chorando, de tristeza e de saudade. Djalma passou por tanta coisa boa e ruim na vida. Só chorou nas vezes que falava de sua mãe, Laura Nogueira, que perdeu aos 11 anos de idade, que foi enterrada como indigente, que ele tanto amava e que não tinha nem uma foto para mostrar. Em um dos nosso encontros eu disse para ele ficar tranquilo, podia não existir fotos, mas todos iriam saber a mulher maravilhosa que foi a mãe dele, que criou sozinha esse menino e duas filhas, com tanta disciplina e amor.
    Esse livro também me apresentou Gustavo Costa, um apaixonado por futebol e esportes em geral, que vive parte da semana em Uberaba e era grande fã de Djalma (quem não era?). Gustavo chegou a comentar comigo que daria um livro só o período em que o livro foi feito. Sim, daria. Penso muito em fazer isso, tenho tudo aqui no meu cérebro com memória privilegiada (enquanto o Alzheimer não vem). Porque enquanto desvendava os 84 anos de vida de Djalma, estava sem ver minha filha Dora. Ele, sem saber, me ajudou tanto com sua história de vida. Quanto  mais a vida lhe tirava, mais forte ele ficava, mais determinado e mais irônico.  Só da última vez que nos encontramos ele perguntou o que tanto eu ia fazer em Ribeirão Preto, então lhe contei minha saga na Vara de Família, minha dor de ter minha filha arrancada de mim sistematicamente, sobre nosso afastamento... ele ficou perplexo: "Mas os juízes, promotores te conhecem? Já viram sua filha? Como podem mantê-las afastadas assim? Vou morrer e não vou ter visto tudo". Não, nem o livro sobre sua vida ele não viu. Mas leu a introdução e o primeiro capítulo. Até chorou. Gostou do que leu, achou que estava absolutamente fiel ao que ele disse, além das nossas impressões pessoais sobre ele. Não pude dar meu último abraço, mas pude lhe dizer como esse trabalho me ajudou a ter forças para seguir no ano de 2012. Esperava que esse fosse nosso grande ano... mas não foi. 
     Resta-me a honra de ter participado tão profundamente de sua vida e mesmo sendo a pior em tantas coisas, mesmo sendo fracassada em tantas tentativas, mesmo quando tudo desmorona, ainda tenho as lembranças de conhecer os melhores do mundo. A final é só para os fortes.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

A Vida Até Parece Uma Festa

    Há pouco mais de duas semanas, voltando feliz da vida pela avenida Ana Costa (Santos), com minha nova tatuagem ainda ardendo, presente de aniversário do meu super brother Koruja, vejo uma figura vindo na minha direção, na mesma calçada. "Nossa, esse cara parece o Pedro". E era! Lindo, cheio de vontade e ânimo. Esse amigo que eu amo faz parte de uma família que tenho como minha no coração. Incentivada por ele, que não mora mais em Santos e estava de passagem na casa da mãe, fui ver a irmã Mari e o filho Rafa. Daí Rafinha, que vi nascer e crescer, estava ouvindo Cabeça Dinossauro. Não estranhei, afinal, desde pequeno Rafa sempre gostou do velho e bom rock'n'roll.  A mãe, Mariana Vieira, ama MBP, o pai, Juliano Aviz, toca muito e é puro rock. Ambos são pessoas de caráter tão bom e tão cheios de amor, que o Rafa não poderia ser muito diferente. 
    O que me surpreendeu foi ele me convidar para o show que teria no dia seguinte, em Santos. Eu nem sabia que tinha show dos Titãs, ainda com o Cabeça Dinossauro. Como agora a minha moeda é sempre pesada no valor da passagem para Ribeirão Preto, disse que o ingresso era muito caro. "Tô convidando, eu pago, Dri". Sinal dos tempos...

   Tinha dormido poucas horas, acordado 6h30, no sábado iria para Ribeirão Preto, mas coloquei o uniforme jeans, tênis e camiseta do Hulk, iria dar muito certo na hora de cantar: "Tô cansado de trabalhar, tô cansado de me ferrar, tô cansado de me cansar". A fauna humana do público era ótima, cheia de gente que viu o Cabeça Dinossauro em 1986 (tipo eu) acompanhados de adolescentes (tipo Rafa). Na primeira música já não dava para saber quem tinha 15 ou 50. Nada como um "show de rock pra se libertar", como dizia Renato Russo. Primeiro que os Titãs continuam  mandando muito bem, cheios de energia, atitude e paixão pelo que fazem. Eles não envelhecem! 
   Perdi as contas de quantos shows eu fui dos Titãs. Lembrei do Cabeça Dinossauro original, com o sempre saudoso Marcelo Fromer e com a presença ainda de Arnaldo Antunes, Nando Reis e Charles Gavin. Fizeram falta, claro, mas como sempre eram tantos no palco, os resistentes Paulo Miklos, Tony Belloto, Branco Mello e Sérgio Brito (sempre colocando as vísceras no vocal) se uniram tanto que por alguns instantes parecia que os outros estavam no palco também.
    Esse show foi particularmente emocionante. Pelas pessoas que estavam lá, por estar junto com o Rafa, pelas músicas que cantei até ficar rouca, pelos pulos que dei, pela energia que resgatei. Por 2 horas minha vida foi diversão e alegria, sem nada que não fosse barulho nos meus ouvidos, luzes nos meus olhos e pulsação forte. Por 2 horas não pensei em nada que não fosse música e festa. Então acabei com uma dúvida antiga: Cabeça Dinossauro é o melhor dos Titãs. É o marco do rock brasileiro.

Bellíssimos
 
    No dia seguinte fui para Ribeirão Preto com Miranda. Ônibus para São Paulo, depois metrô até o terminal rodoviário Tietê, depois mais 4h30 para Ribeirão. Eu exausta, Miranda cheia de energia. Fábio Diegues e um amigo foram nos buscar para seguir diretamente para a festa de aniversário dos Bellíssimos, que havia começado às 13h. Eram 18h30. Os irmãos Bellíssimos não são belos só no sobrenome. São todos assim por dentro, por fora, dos lados. É tanta beleza naquela família que transborda. Os queridos gêmeos e mais velhos do clã,  Dido e Ricardo aniversariam no mesmo dia da caçula e linda Marina. Também aproveitam o aniversário do Fernando dia 4 de julho e então fazem sempre uma grande festa na chácara que conheço desde 1989, quando tive a alegria de fazer parte desse grupo tão especial. Tem ainda o Beto, que só comemora em setembro, mês em que chegará seu primeiro filho. Reencontrei também o primo Marcello Bellíssimo. Continua lindo e divertido igual e parecia que havíamos nos visto ontem.
    Como minha vida anda meio caótica nos últimos anos, ainda não tinha apresentado Miranda para a família Bellíssimo. Dora já era da casa antes de completar um ano. Assim que chegamos uma menina linda e educada fez às vezes de anfitriã para Miranda, levando-a para o pula pula, onde mais de uma dezena de crianças estava. Então começa a tocar a Banda Ed, de Franca. Puro rock'n'roll. Marina importou a banda de Franca, disse que em Ribeirão Preto ainda impera sertaneja e pop. Ainda bem que trouxeram o pessoal do Ed. Tocaram tudo que eu gostava. Miranda ficou vidrada no guitarrista cabeludo. O vocal poderoso era de uma garota estilosa. De repente meu cansaço passou e tudo era festa, estávamos todos dançando abraçados. Miranda de mãos dadas com a filhinha de Fernando. Descubro que a menina anfitriã era filha de outro primo que eu ainda não conhecia, Maurício.
     Certa hora Ricardo escorregou e  estatelou-se no chão. Os irmãos não o ajudaram a levantar, foram se jogando um por cima do outro numa das cenas mais divertidas da noite. Por cima de todos ficaram Miranda e outras crianças. Que festa linda! Que pessoas especiais!
      Passei alguns dias ainda sob o efeito do rock e do reencontro. Alguns dias sem lágrimas nos olhos e aperto no peito. O bom da vida é poder escolher o que lembrar, os momentos bons ou ruins. Por mais que minha vida não esteja mais no meu comando, por mais que eu sofra todas os dias e fique exaurida todas as semanas, são esses momentos que mais recordo. Isso faz valer a pena continuar.