segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Fazendo Amor e Música

    O ano não lembro, mas era Carnaval, eu e Keila, minha prima, viajamos para Paraty (RJ). Acampamos na praia do Jabaquara, com Cynthia e Paula, as irmãs Matozinho. Mas praia mesmo era lá em Trindade. A Serra do Deus Me Livre nem tinha asfalto, daí choveu e não pudemos voltar. Lembro da Keila querendo ficar, porque tinha visto um cara que era o seu número. E lá estava eu sentada na calçada, tomando uma cerveja gelada, enquanto esperávamos "o cara" passar. Então vi um rapaz magro, branco, de cabelo desgrenhado, com olhar I don't care. Carregava uma prancha. Keila e seu charme irritante logo trouxeram o cara para o seu lado. Olhares, sorrisos, afinidades e saí de mansinho porque estava sobrando.
    Engraçado foi saber que eles já haviam se encontrado uma outra vez e eu também estava lá. Clayton Martin, o número da Keila, era baterista dos Ostras e fomos num show deles na praia de Maresias (litoral norte de SP). Perdi a Keila de vista e fiquei preocupada porque ela já tinha bebido demais, como não achei, resolvi voltar para o show. E lá estava ela! Dançando no palco! Parecia uma performance, nem a tiraram de lá, afinal sempre faz sucesso garota bonita no meio da banda. 
    Mas em Trindade foi o encontro de verdade. E então não se largaram mais. Algumas temporadas depois, mudaram-se para Arraial D'Ajuda, na Bahia. Fiquei um ano longe desses adoráveis malucos, fui vê-los no final de 1999, porque queria começar 2000 em grande estilo. Fui eu e o Azeitona (Fábio Daros), percussionista dos bons. Chegamos exaustos, abraçamos os queridos Clayton e Keila e fomos todos para a praia. Na volta, que tristeza, a casa tinha sido invadida e minha câmera fotográfica nova, cheia das lentes, filtros e zoons foi junto no roubo. Dessa jornada incrível, que caminhei com o Azeitona de Arraial até Caraíva, as imagens ficaram só na lembrança.
     O que mais me marcou na viagem foi ver o Clayton tocando violão, gaita e cantando (não sabia que ele sabia cantar além dos backing vocals). A Keila também tocava, mas estava tocando muito melhor. Sua voz rouca, meio punk, agora estava mais afinada. Era muito amor e música! Estavam fazendo uma imersão em novas alternativas. Achei tudo ótimo! Assim nasceu a banda Vaca de Pelúcia, da qual eu era a maior fã!
     Gravaram um CD, voltaram para São Paulo e começaram a fazer shows. Ia sempre que meu trabalho quase escravo permitia. Uma vez estava com a Keila no show dos Autoramas (https://youtu.be/bkrNGlZrk-E), no Sesc Santos. A gente lá curtindo, dançando, cantando e uma turma teen do rock aproximou-se dela e perguntou: "Você é a Keila do Vaca de Pelúcia? Nossa, somos seus fãs, vocês são demais, você é linda!" Acho que fiquei mais orgulhosa do que ela nesse dia, que na verdade, nunca percebeu a dimensão da banda.
     Quando fiz repouso absoluto na gestação da Dora, Keila passou os últimos 3 meses comigo, em São Paulo, cuidando de mim, cozinhando coisas deliciosas e arrumando tudo com sua mania de limpeza que rendeu o apelido de Mônica (Geller, dos Friends). Já escrevi sobre isso por aqui, mas não que o Clayton também era hóspede constante na casa, chegava ou muito tarde ou muito cedo, sempre com queijos de diversos tipos para alegrar nossa mesa. A Vaca estava já meio parada e o Clayton, que não parava nunca de tocar tudo, estava em outros projetos, como Os Detetives e Cidadão Instigado. Keila começou a dedicar-se mais às suas pinturas e vendas.
     Também nunca entendi porque o casal se desfez, embora continuassem na parceria, companheirismo e amizade, sempre juntos em todas as outras coisas. Mesmo cada um com outro par, ensaiavam juntos, compunham juntos, eram de uma cumplicidade invejável, um tipo de amor incondicional, acontecesse a merda que acontecesse.
      E tem dias e principalmente noites, que bate uma saudade tão grande, só traduzida pela música. Não diminui, nem faz parar, mas alivia e pode me fazer dormir.

sábado, 28 de setembro de 2013

Lucidez Antes que Seja Tarde

    Nossas filhas nos aproximaram. Miranda ficou fascinada pela garotinha de vestido e coroa de princesas, que brincava de rodar no Sesc de Santos. Como era menor do que Miranda, que é chegada numas brincadeiras de luta e artes maciais, me preocupei. Mas a mãe, com seu sorriso largo e olhar sincero, disse para não me preocupar, crianças se entendem. Nos simpatizamos de imediato, me contou de sua filha mais velha, com múltiplas deficiências, as três vivem grudadas, mas justo naquele dia, a primogênita estava com o pai. Perguntou se eu tinha outra filha. Pensei em dizer que não, porque é tão difícil explicar, tem de ser por doses homeopáticas, mas certamente ficaria amiga daquela mulher, que além de jornalista era cantora e mãe dedicada e amorosa. Comecei a contar meio sem jeito, mas ela ficou realmente interessada e tocada na pela história da mãe que perdeu a guarda da filha. Sentiu meu drama, fazia perguntas como repórter, em algumas vezes quase chorou, como a melhor amiga.
   O dia terminou de noite, num show incrível em que as meninas fizeram até performance, a amizade foi selada e desde então, há mais de um ano, nos encontramos inúmeras vezes, algumas combinadas, quase todas inesperadas. Nossos destinos parecem se cruzar o tempo todo. As vejo sempre juntas, um carinho enorme entre as irmãs, apesar de já ter 11 anos, a mais velha precisa de cuidados de bebê e sempre precisará. O amor incondicional desta mãe é lindo, leva a menina em sua cadeira de rodas para todos os cantos. Nem liga mais para os olhares de piedade nas ruas. E sua presença é tão fascinante. Indiscutivelmente bela, tem um humor fino, voz rouca e também é muito inteligente, bem informada, conversamos horas e nunca acaba o assunto. É tão querida e tem tantos amigos, que seu apartamento foi incendiado, perdeu todas as roupas e das filhas, brinquedos e uma comoção entre amigos lhe trouxe quase tudo de volta. Essa mulher, mãe, jornalista, com tantos afazeres, tem sempre um tempo para socorrer amigos, acompanha de perto minha saga, se revolta, fica indignada, tem ideias, não se conforma, quer fazer denúncia. Quantas vezes se emocionou por meus encontros com Dora...
    
    Num dos dias que antecedeu minha ida para Ribeirão Preto, nos encontramos no Sesc de Santos e, como estava muito calor, seguimos com as meninas para a praia, com a amiga Marcia Abad, testemunha e companheira de toda essa história também, e também o pai da filha mais nova. A praia de Santos à noite tem vida própria, no calor fica muito mais gostosa do que de dia. Ficamos todos lá, comendo pastel, tomando água, fazendo desenhos na Fonte do Sapo, convidando crianças para desenhar também. As meninas brincavam na areia, quando um cara passa com violão e nos oferece uma música (que é cobrada depois), desafinou um pouco, mas nós fomos nos afinando e cantando Raul. Sempre Raul. Lembro que minha viagem no dia seguinte ficou mais leve.
     Ainda comentamos, Marcinha e eu, como era bonito ver um casal, mesmo separado, sair junto com a filha, isso era admirável. Numa outra vez fomos todos assistir um campeonato de Patinação Artística no Clube Internacional de Regatas. As três meninas, as três amigas e o pai. Comemos pizza, nos divertimos muito. O cara sempre calado, compensando a falastrice de sua ex (creio ser uma característica do pessoal da Comunicação). 
     
    Hoje, madrugada de 28 de setembro de 2013, estou com insônia. Apesar do dia ter sido cansativo, da garganta doer após uma semana de gripe e febre, nenhum desses é o motivo da falta de sono. Não consigo dormir porque soube que esse pai entrou com uma ação para pegar a guarda da filha! Não sei detalhes dos fatos, nos escrevemos rapidamente e amanhã minha amiga querida virá em casa, com a amiga querida da Miranda. Ambos já tem advogados, ambos já estão sofrendo de ansiedade e medo, sentimento de rancor e vingança. Não consigo dormir porque fico imaginando a menina que anda na rua com sua coroa, ser arrancada de seu mundo dos sonhos. Ela ama a mãe, a irmã, sua vida em Santos, seus amigos. Também ama o pai e fica tão feliz de ver o pai e a mãe passeando juntos. Não sei exatamente como e quando começou essa mais nova disputa insana. Mas se está no começo, pode terminar mais rápido, antes que uma das partes fique cega de amargura ou emburreça de amor e ódio. O mais racional sempre vence, isso eu já sei. Mas quem perde parte preciosa da vida em fóruns, tribunais, escritórios de advogados, mesmo que vença, também é um perdedor.
    Antes que seja tarde, que esse casal tenha lucidez para manter o amor de sua filha. Que essa menina tão inocente não seja mais uma com a infância ceifada pelo mundo dos adultos e o sistema judiciário.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Só Queria Agradar a Todos

    Ontem fiquei num papo virtual com meus amigos que conheci em Ribeirão Preto (todos de outras cidades) no ano e meio que morei lá. Tenho muitas lembranças maravilhosas dessa época e percebi que a maioria teve problemas de depressão. Por quê? Talvez porque fôssemos idealistas e quiséssemos mudar o mundo. Mas os acontecimentos mundanos é que nos mudaram. Continuamos idealistas, mas com pouca esperança de mudanças, então a vida se torna algo esquisito. Queremos ainda um mundo melhor para nossos filhos ou os filhos dos amigos. Mas nossos sonhos já se perderam.
    Os comentários me deram um saudosismo danado, até fotos daquela época rolaram. Me deu vontade de escrever sem parar sobre os acontecimentos hilários, marcantes e profundos daquele tempo. Até comecei, mas era tanta coisa, tanta gente e já era de madrugada. 
    Hoje foi ainda mais longe a viagem no tempo. Um comentário da Silvana Boghi, que estudou comigo na infância me lembrou a criança que eu era. Estudei com muito orgulho na escola municipal Dr Napoleão Rodrigues Laureano, do pré até a oitava série, onde conheci amigos que trago comigo até hoje. Lá aprendi a nadar também. Sempre tentei agradar, por ser filha única queria ser a melhor para os meus pais, a melhor aluna, a melhor atleta, a melhor filha... acho que não consegui, mas tentei. Por ser filha única numa época em que ninguém era filho único, fazia de tudo para não parecer mimada. Tentava ser amiga de todo mundo, porque me fazia muita falta ter amigos. Era líder de classe, tesoureira no Centro Cívico, queria fazer tudo o tempo todo, parece que já tinha noção de que a vida era curta e não havia tempo a perder. Eu era uma criança adulta, que brincava sozinha e não teve muita brincadeira de rua, porque comecei a nadar muito cedo e minhas brincadeiras eram mãe d`água, revezamento... tinha poucas bonecas. Minha primeira bicicleta ganhei aos 15 anos. Nem tanto por falta de dinheiro, era medo da minha mãe mesmo, de que eu fosse atropelada.
     Tive professores inesquecíveis no Napoleão. Na segunda e quarta séries do primário foi a Léa. Era austera,  muito séria e de um português impecável. Eu achava que ela não gostava de mim, por isso apagava a lousa, sentava na frente, respondia primeiro que todo mundo, participava de tudo, mas ela me observava sempre muito séria e nunca ria das minhas piadinhas irônicas (sim, era  irônica desde criancinha). No final do curso primário me deu um livro lindo, de capa dura: O Príncipe e o Mendigo, de Mark Twain. A dedicatória falava da minha inteligência e para usá-la com amor e sabedoria, pois de máquinas cerebrais o mundo já estava cheio, pedia para me colocar sempre no lugar do outro, porque quanto maior o poder, maior a responsabilidade. Li esse livro aos 9 anos, 19 e 29. Cada vez aprendia mais. Dei de presente para a Dora em nosso primeiro encontro após 2 anos. Espero que ela entenda a importância desse livro na minha vida e o significado de tê-la presenteado.
    
    Na quinta série minha professora de português foi a Dalva, que tinha sido miss há pouco tempo. Era linda e inteligente e sempre me dizia que beleza diminui, inteligência aumenta (bom, na época eu não conhecia o alzheimer, senão já teria contestado). Nunca me achei bonita e sempre fugi disso, usava óculos, era meio abrutalhada pela natação, nunca fui de usar maquiagem e minhas roupas são as mais básicas possíveis, até hoje. Mas admito a vaidade intelectual que tenho, apesar de tentar escondê-la também. 
    O gosto pela literatura só cresceu, assim como minha admiração pelos professores. Na sexta série foi a Élida, que me emprestou Vidas Secas, do Graciliano Ramos, para ler. Conversávamos  muito sobre livros quando íamos juntas para o ponto de ônibus. Nessa  época eu já sabia o que queria ser, além de campeã olímpica (claro que nunca nem fui para uma Olimpíada), escritora! E todas as minhas professoras me incentivaram. Daí na sétima série percebi minha dificuldade com exatas, peguei  minha primeira  recuperação em matemática, com a Zenilde, que era irmã de uma das minhas melhores amigas da classe, Cláudia Telles. Até pouco tempo também achava que a Zenilde não gostava de mim porque me deixou de recuperação e que só passei porque era amiga da sua irmã. Hoje tenho certeza que não era  nada disso. 
     Do ginásio, além dos professores citados e das amigas Kátia Cândido,  Patrícia Olsever e Claudinha,  que tanto me divertiam, tinha o genial Lázaro, de  Ciências, que me fez amar biologia e conhecer Einstein. Tenho um respeito imenso pelos mestres, que hoje são chamados de tios. Talvez nem imaginem a grandeza que tiveram na minha formação em escola pública. 
    Como nadadora eu fazia tudo o que o técnico mandava, não faltava, treinava à exaustão, muitas vezes também de madrugada, antes das aulas. Quando parei de melhorar meus tempos entrei em crise, eu treinava  tanto e não melhorava, por que eu era tão ruim? Por que eu não podia ir em todas as competições com meus amigos que davam tempos melhores do que os meus, embora treinasse a mesma coisa? Hoje eu sei que exigia demais de mim e que meu talento aquático era limitado. Não me arrependo de nenhuma braçada que dei. Se não consegui atingir meus objetivos, aprendi  muito nas tentativas. Na vida a gente mais perde do que ganha, aprender a lidar com frustrações foi a maior lição que a natação me deu.
     Os amigos da natação formavam uma família. A gente sofria muito junto e ria mais ainda. Nas viagens fui conhecendo muitos nadadores do interior, que depois passavam férias de verão em casa. Adorava poder proporcionar isso para esse pessoal do interior, vinham muitos do Luso de Bauru. Afinal eu morava onde todos pagavam para passar férias. E natação, ao contrário do que dizem, não é esporte de elite (assunto para outro post). A turminha não tinha muito dinheiro para viagens de passeio, por isso treinavam para tentar conhecer o mundo pelas piscinas. 
     Com os amigos da Unaerp de Ribeirão Preto foi a mesma coisa, férias garantidas no Guarujá ou em Boiçucanga (litoral norte de São Paulo). Quando transferi para a Metodista, igual, eram tantos manos do ABC, eu tinha carro e casa na praia, era  uma privilegiada e queria dividir esse privilégio com quem não tinha. Meus pais apoiavam isso, embora minha mãe, com sua mania de arrumação e limpeza, ficasse enlouquecida com a casa cheia, meu pai ponderava que era melhor me ter em casa, conhecer meus amigos e saber o que a gente aprontava do que eu ir para longe, sabe-se lá com quem. Eu sempre tentei ser amiga de todo mundo, dos amigos do amigo. Sempre quis aprovação. Mais do que pelas palavras, pelas atitudes. Claro que errei muitas vezes, principalmente em minhas escolhas, mas também faz parte da vida, escolher errado.

    Tentei dar a melhor infância para minhas filhas, para Miranda ainda tento, mas não consigo. Vivo tão dentro desse processo, perdi tanto de bens materiais e emocionais, que sei que sou mãe pela metade dela e me culpo todos os dias por isso. Para Dora também tentei, mas não consegui. A infância é a parte mais rápida e mais rica da vida. Me dói ver o tempo passando tão rápido e eu não poder fazer nada para melhorar a situação, porque mais nada depende de mim. Não sei em que curva minha vida deixou de me pertencer, mas preciso urgentemente tê-la de volta!

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Crime da Rua Cuba

     Véspera do Natal de 1988, um crime choca o País. O advogado Jorge Toufi Bouchabik e sua mulher,  Maria Cecília Delmanto Bouchabik, foram brutalmente assassinados em sua casa, na Rua Cuba, num bairro elegante e muito rico de São Paulo, e o principal suspeito era o filho mais velho do casal, então com 19 anos, Jorge Delmanto Bouchabik. Eu tinha 18 anos, já cursava jornalismo na Unaerp de Ribeirão Preto e acompanhei cada linha da investigação. Que loucura seria um filho matar os pais por ter divergências tão comuns entre pais e filhos! Se não fosse o rapaz, que terror perder os pais de forma tão trágica e ser acusado por isso!
       Uns seis meses depois estava eu na festa Túnel do Tempo, na lendária república estudantil Taberna dos Índios. A festa estava incrível, tinha desde homens das cavernas a guardiões do espaço. Minha fantasia era de uma cortesã do século XVIII, estava me achando linda! Estava tão lotada que mal conseguia chegar ao bar para pegar uma cerveja ou água e comecei a ouvir reclamações dos "convidados". Como eu era frequentadora da república me coloquei a trabalhar no bar para ajudar. Meu namorado, Siquila, um estudante de Publicidade, não gostou muito, porque perdeu a namorada para servir os beberrões. Toda hora aparecia um rapaz dos anos 50, com topete, camiseta branca, jaqueta de couro, calça jeans, muito charmoso. Puxava papo comigo, pedia sempre água. Logo percebi que estava sendo paquerada, fui simpática, como sempre sou quando a paquera é inofensiva. Na hora de  sair me deu um cartão e disse: "Se puder, me liga!". Havia um número de telefone e o nome Jorginho. Meu estômago retorceu, era o "Jorginho da Rua Cuba"!
     Então fiquei sabendo que ele acabara de passar no vestibular de Direito na mesma Unaerp. Conversei com a Gigi (Gisele Bastos) e Soraya Caldana, as adoráveis garotas de Campinas com quem eu dividia o apartamento. Iria ou não iria ligar? Decidi que sim e falei com meu namorado, que mesmo muito enciumado, concordou que eu ligasse para tentar desvendar alguma pista perdida daquele crime misterioso. Liguei para o Jorginho, que ficou de me pegar na faculdade para jantarmos. Contei para meus amigos da faculdade Fábio Diegues, Celso Castro, Cláudia Rubio, Cristina Dalto e tantos outros, combinamos que eu estaria até 1h da manhã no bar Noite Sem Pressa e, caso eu atrasasse mais de uma hora, poderiam ficar preocupados. Não havia celular na época, nem internet e eu iria sair com o suspeito de um crime terrível!
     No horário combinado, Jorginho abre a porta da minha sala de aula, os mais de 50 alunos viraram-se para ver. Claro que numa sala de estudantes de jornalismo a curiosidade era unânime e as notícias corriam como Bolt. Fomos para um lugar bem legal e movimentado, de lanches, que era mais a  cara de quem  tem 19, 20 anos. Ele era gentil, educado, simpático e inteligente. Em meia hora me perguntou: "Você sabe quem eu sou, né?". Sim, sabia e fui sincera ao contar que estava ali por curiosidade e que acompanhava toda a história do crime. Jorginho disse que quando viu que eu era do Jornalismo pensou em voltar, mas tinha me achado "encantadora" e precisava me conhecer melhor, mesmo com medo de estar em alguma primeira página de jornal no dia seguinte. Agora era conhecido como Jorginho da Rua Cuba e isso  lhe doía demais. Mudou para o interior tentando o anonimato, mas percebeu que isso seria impossível. Ao pagar a conta pediu a nota e disse que tudo o que gastava precisava ser notificado. Triste...
     Tenho o dom de fazer as pessoas se abrirem comigo e talvez esse seja o meu maior trunfo como repórter. Em pouco tempo ele me contou muito do seu calvário e pediu que não contasse a ninguém. Nunca contei, faz parte do meu código de ética. Em certos momentos seus olhos enchiam-se de água, ele respirava e voltava a falar. Sua dor era sincera. Em nenhum momento disse "sou inocente" ou "não fui eu". Seus irmãos o apoiavam, seus avós o amavam, muitos amigos o abandonaram. Contei também de mim e porque saí de Santos e fui parar naquela terra quente e seca (esse é assunto para outro post). Falei dos meus pais, amigos,  aptidões, imediatismo e espírito investigativo. E disse exatamente porque fiquei tão impressionada com essa história, sendo culpado ou não, já estava marcado e sendo julgado por um País inteiro. 
     Tomamos sorvete e pedi para me levar ao tal bar, pois iria encontrar amigos e meu namorado, perguntei se queria ir, não quis, pois não precisava ser observado por uma dezena de aspirantes a jornalistas. Jorginho, definitivamente, não gostava dessa categoria. Quem diria que duas décadas depois eu também passaria a ter certa aversão pelos formados em  Direito...
       Entrei em seu carro e ele pegou um caminho oposto, disse que precisava passar na casa dele. Confesso que senti  medo, quando ele parou na porta, preferi não entrar. Voltou com um ramalhete de flores do campo lindo! Então me disse que se eu fosse como imaginava me daria as flores. "Se eu soubesse, teria também comprado bombons, porque você é mais doce e inteligente do que linda". Só não me apaixonei porque já era completamente apaixonada pelo Siquila. Jorginho não tentou nem me beijar, foi  gentil, elegante e respeitoso. Foi encantador mesmo! Me deixou em casa e combinamos de nos encontrar em qualquer oportunidade... ele só queria ter amigos! 
     Coloquei as  flores  no vaso e fui ao  tal bar encontrar meus colegas sedentos  por notícias. Contei exatamente o que conto aqui, com mais riqueza de detalhes, afinal passaram-se 25 anos! Nos falamos mais algumas vezes e talvez fôssemos amigos, se eu não tivesse voltado no final de 1990  para Santos. Acabei namorando 5 anos com o Siquila, hoje advogado, muito bem casado, que aceitou, mas não gostou nada desta história.
       Soube que Jorginho acabou expulso do curso pouco antes de terminá-lo, por pagar a faculdade com cheques roubados,  nem sei se isso é verdade. Sei que até hoje esse crime não foi solucionado, que ele e seus irmãos já processaram jornalistas, emissoras e não ganharam. E isso me faz pensar que talvez exista sim crime perfeito. E que a Justiça é tão lenta, mas tão lenta, que quando se concretiza, não pode mais ser chamada de Justiça.
     

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A Decisão de Champignon

    É muito difícil escrever quando o acontecimento é tão recente, mas é isso que os jornalistas fazem o tempo todo. Esse espaço não é jornalístico, mas, de certa forma, escrevo também sobre atualidades. O suicídio do Champignon me chocou muito mais do que a morte por overdose do Chorão. Fiquei sabendo de uma forma bizarra, não tinha visto TV, acessado internet, nada... e ontem, às 19h, vejo o recado de uma amiga: "morre o Chorão, morre o Champignon, só não morre...". Achei que era uma brincadeira de humor negro, custei a acreditar, tive que ler a notícia no  computador. É triste demais a  banda Charlie Brown Jr ter agora esse estigma de tragédia. Pior é ler os inúmeros comentários imbecis acerca da morte do Champs. 
    Quando vi esse garoto tocando pela primeira vez, ele não tinha mais do que 15 anos, já era um baixista virtuose. Parecia uma criança! Eu sempre presto muita atenção nos baixistas, talvez porque tenha um desejo enrustido de tocar baixo. Nessa época o Charlie Brown ainda tinha outro nome e cantava em inglês. Foi no emblemático Bar do Torto. Já escrevi aqui o que essa banda significa para a cidade de Santos e não faz muito tempo. Ao contrário dos dias ensolarados da morte e enterro do Chorão, aqui hoje está muito cinza e frio.
      Tem gente chamando o Champs de covarde, de drogado, de louco... não importa. Para  mim será sempre o garoto simpático e tímido, que me surpreendeu ao assumir os vocais na Banca (talvez a banda de carreira mais meteórica de que se tem notícia). Por que ele se matou? Talvez excesso de filosofia, porque o suicídio é a morte filosófica, é decidir não querer ficar mais aqui. Por ter esse perfil tímido, talvez ninguém tenha percebido que suas recentes perdas também o deixaram perdido, só talvez...
        Homenagens  póstumas, programas de TV, críticas, tudo isso vai acontecer no próximo mês, mas o que a decisão de Champignon traz a tona é o sentido da vida, o existencialismo. Quantos adolescentes estão sofrendo pela primeira vez por um suicida? Por que as religiões, que provocam guerras desde que o mundo é mundo por discordarem em seus dogmas, só não discordam na condenação do suicida? Será por que se todos começarem a se matar não haverá mais fiéis, crentes ou religiosos praticantes? Será o suicida um fraco ou um forte? Será que queria mesmo morrer ou apenas pedir socorro? Imagino quantas pessoas estão questionando-se sobre isso a partir de ontem. Muitos que  nunca pensaram nisso.
      Também talvez eu consiga escrever porque o Champignon era um conhecido distante. Tive muitas perdas de pessoas muito próximas esse ano e não consegui escrever sobre elas. Talvez nunca consiga ou daqui uns 10 anos, quem sabe. É triste ver os urubus buscando imagens mórbidas do Champs. Criticando uma atitude pessoal e intransferível. Tudo isso é triste demais.

       Na semana passada, uma amiga virtual (que quero muito conhecer pessoalmente), Giovana Lizana*, fez uma provocação sobre Morrissey (The Smiths) e Robert Smith (The Cure), que se eles realmente fossem verdadeiros no que cantavam, já teriam se matado. Brincou como se eles fossem posers*. Entrei na defesa dos meus ídolos da adolescência, dizendo que eles não terem se matado é um alento para quem tem depressão e que poser então era o Chorão, que cantava positividade e cometeu um suicídio inconsciente. Claro que era tudo provocação e jamais poderia imaginar que uma tragédia ainda maior na banda estava por vir. E hoje, conversando com Marcia Abad sobre o Champs e essas provocações, ela disse que mais do que cantar os desgostos da existência, o que Morrissey e Robert Smiths faziam "era uma catarse, um jeito de mostrar o sofrimento para mundo e assim, continuar vivendo". 
       


*Giovana é uma garota linda e inteligente que acaba de completar 19 anos, escreve brilhante e verdadeiramente em seu blog Little Wild One, tem muitas crises de depressão e eu desejo imensamente que ela não se entregue e não morra!

*Pra quem não sabe, poser é uma gíria usada para tudo que finge ser o que não é.