terça-feira, 9 de setembro de 2014

Os irmãos Leplus

   Um amigo meu, Paulo Ornelas, me chamou para o projeto de um livro: a biografia de Alain Leplus, um francês, ex-jogador de rugby, grande divulgador do esporte no Centro-Oeste e conhecido por várias gerações de rugbiers. O problema era que eu nada sabia sobre esse esporte. Paulo é ex-jogador, tem a revista Rugbier e seus dois filhos também jogam. Teria quem me ensinasse. Assim aceitei mesmo sem saber as regras do jogo, porque gosto de biografias e de atletas. Como disse meu grande amigo e quase irmão Angel, estou me tornando uma biógrafa de atletas.
    Então fui para Cuiabá no final de maio conhecer Alain. Mas antes fico sabendo que outra jornalista escreverá comigo, por sugestão do próprio biografado, já que está na mesma cidade e tem muita amizade com os irmãos Leplus. Alain mora com o irmão Michel, fotógrafo e apaixonado por rugby. Não conhecia a jornalista Flavia Salem e mesmo que tivesse idealizado uma parceira perfeita, não teria tanto sucesso. Quando bati os olhos em Flavia, em sua sala, no jornal Circuito Matogrossense, a empatia foi imediata. Nos identificamos em praticamente todas as coisas, no envolvimento cultural, preocupação social, adrenalina jornalística, nas músicas, nas escritas.
   Para começar a entender um pouco de rugby fiz um intensivo assistindo a final da Liga Europeia na casa dos irmãos Leplus e com Paulo. Sem vergonha de ser uma leiga no assunto perguntava tudo e mais um pouco. Por sorte estava no time francês o ícone Sebastien Shabal. Daí comecei a entender o espírito do jogo. Impossível não comparar ao futebol, que me envolveu por um ano e meio, no projeto da biografia de Djalma Santos. No futebol cavam-se faltas. No rugby os caras jogam sangrando e fazem seus próprios curativos. No começo achei confuso, depois comecei a torcer. Sou torcedora, não consigo apenas assistir.
   Após esse jogo na TV fiquei entrevistando Alain e me apaixonando por sua personalidade meio porra-loca, divertido, que destila ironia e simpatia. Me deixou super a vontade para perguntar qualquer coisa. Depois fui assistir um jogo entre Cuiabá e Campo Grande. Após o jogo houve o famoso terceiro tempo, uma festa entre os times. Entre titulares e reservas, mais de 50 jogadores na casa dos irmãos Arruda (quatro irmãos enormes que jogam no mesmo time). Perguntei para a mãe deles se era sempre assim. "Hoje são só dois times, imagina quando são quatro". Nossa, como é bom esse clima de confraternização entre atletas. Havia algumas jogadoras também, mas o feminino ainda está começando por lá. O treino é forte, exige muito. O patrocínio é pouco, como para a maioria dos atletas brasileiros.
   Os irmãos Leplus foram uma viagem até a França sem sair do Brasil. Seu modo de encarar a vida, a visão política, seus vinhos, seus sucos de uva (produzem o suco Melina, uma delícia, diga-se de passagem) me fizeram ter mais vontade de conhecer a França. Conversar com os dois também foi um exercício e tanto, tamanha discrepância das personalidades. Alain é o relaxado (no bom sentido), sorridente, tirador de sarro e Michel é sério, meio emburrado, pontualíssimo e parece estar sempre apressado. Ambos são muito inteligentes, simples e hospitaleiros. 
    Claro que ao falar da infância emocionaram-se e quase me tiraram lágrimas. Tento muito ser profissional o tempo todo, mas em biografia chega a ser impossível, não há como não me envolver nas histórias, se assim fosse, talvez o trabalho não ficasse bom. Sou uma contadora de histórias e quando a história é boa, quero deixá-la ainda melhor.

   

Os presentes de Cuiabá

    
     Alguns capítulos prontos e voltei para Cuiabá semana passada. Na primeira noite fui ao bistrot Casa do Parque, da Flavia. Um lugar lindo, elegante e direcionado para eventos culturais: exposições, shows, lançamentos de CDs, livros. Era um jantar fechado para jornalistas e Lucinha Araújo, a mesma que me fez chorar lendo as Mães São Felizes. Mas conhecer Lucinha não foi a grande surpresa da noite, pois quando Flavia me convidou, já sabia que a conheceria. Lá também estava o agitador cultural e visagista Celinho, como se fosse um amigo de infância que reencontrei por acaso. Acho que temos muitos irmãos espalhados pelo mundo esperando o reencontro.
   Livro elaborado, fotos escolhidas, novas fotos feitas, entrevistas complementadas, passamos a falar de um novo projeto. Por algum motivo místico e óbvio, sabia que nossa dupla não ficaria "apenas" em um livro.
       No almoço do dia seguinte fomos ao restaurante de um amigo de Flavia, no final, fui apresentada como jornalista de São Paulo e escritora. Então Renato de Paiva Pereira, o proprietário, me deu um livro seu, o primeiro de ficção. Adorei o presente, disse que leria no aeroporto e no avião. O Diabo Vai ao Céu me fez rir alto, são crônicas curtas, cheias de deboche sobre a sociedade moderna, histórias hilárias de um caipira. Quero muito que Renato saiba o quanto gostei de seus escritos. Em um dos textos ele se dirige ao leitor, como "meu único leitor ou leitora". Achei isso genial. Alguém com uma narrativa tão envolvente quanto simples, assim tão desprovido de qualquer vaidade intelectual. Alguém que se diz um caipira da terceira idade, mas que tem um texto absolutamente contemporâneo.
    
    E agora fico assistindo videos de rugby, escolho fotos de Alain nas várias fases da vida, penso em aprender francês. Tento selecionar com Flavia as melhores de tantas histórias de vida, já que o livro não passará muito de 200 páginas de texto, com muitas fotos. Mania que eu tenho de escrever tanto. Se eu perguntasse menos não teria a dor de excluir texto que considero bom e relevante. Queria contar todas as histórias de todas as pessoas que conheço. Mas ainda tenho a sorte (não sei se a palavra é essa) de encontrar figuras tão inusitadas como os irmãos Leplus, com uma vida tão rica.
    Antes e depois de Cuiabá estive em Brasília. Fui com Miranda para o aniversário de Rudá, filho de seus padrinhos Angel e Gab. Mas essa é outra linda e grande história.

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