Queria
muito escolher algo para me dedicar completamente. Acredito
que a repetição, a busca, o aperfeiçoamento
levam perto da
perfeição, do inteiro. Mas
são tantos os interesses e possibilidades, que me perco e acabo
desconcentrando, achando sempre algo que pode me mover mais. Nunca
soube se é melhor conhecer algo profundamente ou tudo,
superficialmente. A segunda opção sempre me pareceu mais atraente,
ampla e útil. Ainda tenho dúvidas e a dúvida é péssima
conselheira. Mas é
impossível não ter dúvidas no mundo de incertezas e escolhas que é
a vida. Penso que seja
um efeito, um mal (ou bem) do século.
Dia desses conversava com o
amigo Gustavo Lidtke sobre a rapidez com que tudo acontece, inclusive
os relacionamentos, as paixões. Nos tempos de internet está se
tornando comum começar e terminar algo por mensagem. Falta muito o
“olhos nos olhos”, o abraço derradeiro de despedida, uma
explicação, se é que isso existe, para o que era bom e não é
mais. Fica mais fácil e pode doer menos não ter contato nenhum, não
ouvir nem a voz do fim, como se o fim não existisse. Vai ver não
existe.
Em outra conversa, com outro
amigo, daqueles que não dormem e te ligam porque sabe que muitas
vezes você também não dorme, tomei uma bronca e ouvi duas horas de
verdades só porque disse que voltei 10 casas no Jogo do Amor. “Como
assim jogo? Você me decepciona tentando ser tão racional, quando
sei que você não é. Não é possível que ainda não tenha
entendido que não temos controle sobre tudo, que o orgulho não
serve para nada, a não ser afastar quem realmente importa”.
Voltar a nadar foi uma das
melhores decisões deste ano. Talvez a única certeira. Porque
enquanto nadamos, esvaziamos a mente, para depois reabastecê-la,
livre de lixos existenciais. Para retornar tive alguns empurrões, de
pessoas que encontrava por acaso, e incentivo de outras, que via
sempre. É como dizem: “você precisa de motivação para começar,
mas só o hábito te faz continuar”. No começo dói. Você pensa
que nunca mais será o mesmo, não conseguirá fazer como fazia
antes. A verdade é que não conseguirá mesmo. Nada será como
antes, nem nadar. Os músculos demoram mais para ficar fortes, a
resistência pode não ser igual, mas estar lá todos os dias (ou
todos os dias possíveis) traz o progresso gradativo. E o mundo está
tão imediatista que poucos tem a paciência da melhora gradual. Eu
mesma sou muito imediatista, mas as bordoadas judiciais que tenho
tomado, me fazem tentar pensar a longa distância. Posso ter tudo de
novo. Posso fazer tudo outra vez. A única coisa que não quero nunca
mais ter na vida é ilusão. Nem iludir. Com o tempo aprendemos que
aceitar dói menos. Que quando mais nada pode ser feito e o desespero
parece tomar conta do coração e da mente, ainda posso mergulhar e
nadar e chorar. Encher os oclinhos de lágrimas sem que ninguém
perceba. As lágrimas vão para a água e tudo flui, liquidamente.
Liquidando o sofrimento.
Eu já queria nadar de novo,
principalmente para dormir melhor. Um dia encontrei a Nana (Luciana
Uechi Martins), com quem nadei no Vasco da Gama, nos idos dos anos
1980. Agora ela é remadora, mas também nada e me disse para ir na
Unimes/Fefis. Eu já tinha nadado lá há alguns anos, Dora fez nado
sincronizado lá, Miranda deu suas primeiras braçadas lá. Fui
conversar com um professor da Equipe de Competições, Matheus
Nascimento, expliquei que sou uma nadadora/competidora, que não
nadava há mais de três anos, que precisaria de paciência e que
tentaria acompanhar os treinos. Fui recebida de braços (e quantos
braços) abertos por toda a equipe e professores. Para completar, o
coordenador é Fabrício Madureira, com quem dividi muitos treinos,
no mesmo Vasco da Gama de Santos. Um dos nossos passatempos favoritos
é lembrar como era dura a vida dos nadadores dos anos 80, quando as
piscinas eram geladas e os treinos nunca eram inferiores a 8km por
dia. E ai dos que reclamassem! Fabrício é mesmo um mestre, dia
desses me disse, que quando está com problemas que considera muito
grandes, vai para a emergência de algum hospital, fica lá por meia
hora, assim percebe que seu problema não é tão grande assim. Que
não é nada. Achei isso genial!
Hoje é tudo mais fácil,
mesmo assim parece difícil treinar 6 dias por semana. Quando me
desanimo por algum motivo cotidiano, penso no pessoal que treina para
triatlon e IronMan. Na equipe temos uma IronMãe, Rose Amorim, que
treina 7 vezes por semana (entre corrida, ciclismo, natação,
pilates e musculação), tem dois filhos, trabalha e nunca deixa de
treinar, em diferentes períodos do dia. Nas conversas de vestiário
que tivemos só penso como alguém é capaz de fazer seu tempo valer
tanto. Eu sempre perguntando tudo, com essa minha vontade
incontrolável de conhecer as pessoas, fico cada vez mais admirada.
Ela sempre tranquila, com endorfina exalando por todos os poros, me
mostra seus dedos dos pés machucados, suas unhas perdidas.
No
final da última competição, eu, absolutamente cansada, após nadar
quatro provas quase simultaneamente, já estava planejando a viagem
para a próxima (que acontecerá em Ribeirão Preto, 19 e 20 de
setembro) e comentei com a Rose, no vestiário, sobre esse “bichinho
da competição” que morde a gente. Então ela me disse que no seu
último Iron Man, quando corria, com mais de 9 horas de prova,
pensava: “Por que eu faço isso? O que estou fazendo aqui?”,
tamanho era seu estado de fadiga e exaustão. Mas ao cruzar a linha
de chegada, com suor por todo o corpo e sorriso indescritível no
rosto, só queria saber quando seria o próximo.
Em outro papo de vestiário,
com a Ângela Couto, uma nadadora pequena de tamanho, mas gigante de
performance, fiquei sabendo que fizeram uma pesquisa com nadadores e
que chegaram a conclusão de que somos individualistas. Que esse
negócio de ficar horas a fio olhando azulejos, sem falar com
ninguém, pensando nos próprios movimentos e nos resultados, nos faz
individualistas. Discordamos, porque outro fato é que os melhores
resultados individuais, geralmente são dados em revezamentos,
diga-se de passagem, a prova mais emocionante de uma competição. Ou
talvez sejamos individualistas, já que é um conceito de afirmação
e liberdade do indivíduo, diante de um grupo, sociedade ou Estado.
Desde o Renascimento apoia-se a competição, que o homem pode tudo,
se tiver vontade, talento e capacidade de ação individual. Talvez
sejamos todos individualistas e a natação tenha nos preparado para
esse mundo impessoal em que vivemos. Mas não vejo em qualquer grupo
palavras como “só falta um”, “vamos lá”, “é pra acabar”,
“amanhã tem mais”, “parabéns pelo ótimo treino”. Não vejo
em qualquer pessoa o interesse genuíno pelo progresso do outro.
O
que move o atleta? Talvez seja o amor. O amor que acredito, que é o
amor de desejo, não de necessidade. A atividade física é
necessária para a saúde. Mas o treino de atleta não é. Ele
ultrapassa o necessário. É uma vontade, um desejo de ser, de estar,
de completar, de superar. O amor que sinto é o desejo de estar pelo
prazer da companhia, porque me faz feliz, sem condições, sem exigir
nada, apenas quero estar lá. E se for para construir algo junto, que
seja por vontade e não necessidade. É um compromisso que queremos
ter, mesmo abdicando de muitas coisas, não nos sentimos divididos ou
incompletos. É uma escolha, é uma renúncia. É o amor que move
cada braçada, passo ou pedalada.
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