segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O Cientista

   Em alguns momentos da vida consigo sentir a força de algo maior, não sei se posso chamar de Deus, mas é uma satisfação e certeza de  que estou no lugar certo, fazendo a coisa certa ou com a pessoa certa. No meu último relacionamento senti isso, uma alegria tão grande durante a união física que só poderia ser decorrente da vibração da alma. Sentia algo sublime, uma felicidade imensa em estar manifestando o meu amor. Esse êxtase espiritual superava a alegria do encontro físico. Sabia que vivia a pior fase da minha vida, sabia que era difícil colocar alguém na montanha russa em que me encontrava, mas não conseguia evitar um sentimento tão puro. Comecei a pensar que o amor verdadeiro só pode ser uma manifestação de Deus. Uma forma de atingir a perfeição por meio da união com o outro. Todos os meus momentos com ele foram perfeitos.
    Mas ele rompeu comigo. Primeiro disse que era um afastamento, um tempo para que eu me estruturasse, resolvesse meus problemas maiores, filhas, contas, trabalho. Ao terminar disse que me amava, mas eu era uma repetição das mulheres do seu passado e precisava mudar isso em sua vida. Chorei por seis horas seguidas, assim que ele se foi. Por semanas não conseguia dormir. Porém, ele não sumiu da minha vida, teria sido muito mais fácil esquecer, cheguei a pedir para que me dissesse que estava em outra, mas negou, chegou a jurar por Deus. Me escrevia diariamente falando do tamanho da sua saudade, que sofria, que me amava. Por três meses agiu assim. Só quando escrevi de forma um pouco mais dura, porque não aguentava mais tanta enrolação, admitiu que me deixou porque conheceu uma mulher como ele queria. Nas palavras dele: “bonita, chefe de cozinha, sem filhos, “trilhardária”, nunca terá problemas de dinheiro na vida”. Disse que não se apaixonou, mas achou interessante. E decidiu me deixar para aprender “coisas” com ela. Talvez já tivesse aprendido o que precisava comigo. A vida e o amor são aprendizados.
     Isso foi uma apunhalada no meu peito, das mais profundas. Eu pensava que era alguém cheio de amor e espiritualidade, mas não passava de um materialista. Isso lá é forma de descrever uma mulher com a qual se relacionou? Cadê características mais profundas, menos superficiais? Nos três meses em que me cozinhou (deve ter tomado gosto pela culinária) estava com ela. Viajou para outro País, inclusive, numa espécie de lua-de-mel, em lugares paradisíacos, comida excepcional (segundo as próprias palavras dele) e de lá me escrevia diariamente. Garantiu que ela sempre soube. Da minha parte, duvido. Nem eu, na pior fase da minha baixa estima, me sujeitaria a tal humilhação. .E eu nunca soube, nunca me contou Mas disse que havia terminado, porque o amor com ela não vinha e que todo o sentimento dele era por mim. Sei que o amor supera tudo e eu teria superado. Mas a verdade é que o amor puro e verdadeiro só existia da minha parte. Não tenho raiva. Ao contrário, continuo sentindo amor. Porque amor é isso, quanto mais você tem, mais você recebe.
   Sofri demais, porém desejo que ele tenha encontrado o amor puro e verdadeiro, sobre o qual ele tanto fala e escreve, nessa mulher. Porque é deveras triste passar a vida em busca de algo e nunca encontrar. Depois de uma certa idade, parece que algumas pessoas se desesperam nessa busca. Encontrar o amor numa pessoa “trilhardária” deve ser algo mágico, porque une o sublime ao vil metal, essenciais para se ter uma vida plena e feliz.

Mas onde entra o cientista nessa história?

   Há cerca de 4 anos conheci um rapaz, um bioquímico que trabalha em pesquisa. Tem perfil de nerd, mas conhece muito bem cultura pop, esportes e é capaz de conversar sobre todos os assuntos. É de uma inteligência e pragmatismo ímpares. Não fosse uma década e meia mais jovem, seria um par perfeito. Embora algo que aprendi na minha última desilusão é que idade nada tem a ver com maturidade ou estrutura emocional.
   Enfim, esse jovem cientista, apesar do trabalho pesado, do compromisso com a ciência, está sempre disposto a conversar com os amigos e, provavelmente, só não tem uma vida social mais intensa porque a distância entre moradia e trabalho não permite. E nos falamos, ora esporadicamente, ora constantemente. Há pouco tempo me perguntou se eu estava com alguém. Respondi que não e resumi o ocorrido, perguntei: “Dá para acreditar no amor?”. “Não, não dá”, foi a resposta direta e objetiva, do jeito que eu gosto.
    Então, há cerca de uma semana, soube que aquele a quem tanto me entreguei, está numa “união estável” com a tal “trilhardária” - gosto de repetir essa palavra, pois nem acho que exista e é como um motivo para lembrar o porque da desilusão. É um superlativo desnecessário. Sim, o cara que tanto amei casou-se com uma mulher que pode oferecer tudo o que não posso. Talvez eu fosse mesmo só uma migalha. Fiquei surpresa e triste, tanto que não conseguia nem chorar. Então fui nadar, porque já estava de mochila pronta para ir. Antes mandei uma mensagem para o tal cientista: “Tudo o que eu queria agora era estar com alguém como você”. E gravei mensagem de voz sobre a notícia bombástica.
   No treino encontrei meu querido e grande amigo Marcelo Santos, resumi a história. “Olha, o bom de nadar é que você pode chorar bastante, encher o oclinhos de lágrimas e ninguém vai perceber. Além do mais, o amor é uma flor roxa que só nasce no coração dos trouxas”. Não tive como não rir.
   Algumas horas depois chega a resposta daquele que, apesar de distante, diferente e tão jovem, eu sabia que poderia me dar uma luz de forma didática:
    “Desculpa meu bem, só parei agora. Vamos aos fatos: Ele não merece um pensamento seu. E uma coisa desse tipo aí é o sinal que ele está no relacionamento errado e vai acabar se fodendo. Então, somando mortos e feridos, você venceu a guerra”.
      Como não abrir um sorriso, mesmo que amarelo, com um resumo tão conciso? Adoro a objetividade nas pessoas. Talvez ele só quisesse me animar, mas sei de sua sinceridade e admiro muito essa qualidade no ser humano. É cada vez mais difícil de encontrar. Não acho que venci guerra, pois nunca fui adepta de lutar pelo amor. A gente já luta por tanta coisa na vida. O amor deve ser algo natural, simples e sem sofrimento. Sofrer de amor é um luxo que não me dava há 10 anos. E não me darei nunca mais nessa vida. Contei toda essa história para minha filha Dora. E passei a resposta desse cientista para ela. Disse que devemos levar essas palavras como mantra para o resto da vida. Assim, quando ela tiver sua primeira decepção amorosa, já saberá como pensar. “Mãe, esse cara aí é simplesmente genial!”.

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