No
dia 20 de junho de 2013, justamente dia do meu aniversário, o Brasil
parou em manifestações motivadas pelo aumento de 20 centavos nas
passagens de ônibus e metrôs da cidade de São Paulo. Começou pelos 20
centavos, mas seguiu por várias reivindicações. O Brasil quase viveu um
Estado de Sítio. O movimento já se alastrava há algumas semanas, mas o
ápice foi no dia 20 de junho e alguns manifestantes foram presos. Apenas
um continuou encarcerado: Rafael Braga, preto, pobre, catador de
latinhas, sem nenhuma passagem pela polícia. Em sua mochila havia
produtos de limpeza. A polícia disse que era para fazer bomba caseira.
Tenho para mim que ele nem imaginava como se fazia bomba caseira.
Certamente, agora já sabe.
Ele seguiu preso por mais de três anos, teve liberdade condicional. A
polícia novamente parou Rafael e o revistou. Desta vez encontrou 0,6
gramas de maconha em sua mochila, então, no dia 20 de abril de 2017 ele
foi julgado e condenado há 11 anos de prisão.
Desde que Rafael Braga foi preso, essa história ficou na minha cabeça,
que já estava cheia de erros judiciários. Desde a semana passada, quando
saiu o seu julgamento, fui tomada por indignação. Apesar de branca,
tenho contato com várias lideranças de movimentos negros e quilombolas. E
vi tomar corpo um ato pela liberdade de Rafael Braga. Enquanto a ação
se formava, alguns diziam que Rafael é só mais um, que as prisões estão
lotadas de Rafaeis. Concordo, mas Rafael é emblemático. Ele é preso
político, ele é preso pelo racismo, pelo preconceito.
Trabalhei por alguns anos na assessoria do governador Mario Covas,
minhas áreas eram Segurança Pública e Administração Penitenciária, como
sei que pouca coisa mudou, aliás, só piorou, porque Covas era um bom
político, Alckmin é ladrão de merenda*, sei do que estou falando.
Interessante ao Estado manter gente presa. Muitos serviços são
terceirizados, cada detento vale dinheiro para o Estado. Muitos
inocentes ficam esperando serem julgados dentro de celas, passam anos
nessa situação. E quando (e se) libertos, já aprenderam tudo sobre
vingança, ódio e injustiça. Não pensem que pagamos por cada detento. É o
Estado que recebe por eles.
Ato Histórico pela Liberdade
Ontem peguei minha filha Miranda, na escola Teia Multicultural, e
seguimos para o vão do MASP da avenida Paulista, na vigília pela
libertação de Rafael Braga. Por redes sociais foi organizado um
movimentoAlckmin é ladrão de merenda* que se estendeu por vários Estados
do Brasil e alguns países da América do Sul. Quando chegamos, uma via
da avenida já estava bloqueada. Um carro de som dava voz às lideranças
de movimentos negros. Entre uma voz e outra, um rap de protesto. Alguns,
como eu e Miranda, acendemos velas.
Uma líder negra vociferou palavras contra brancos que prendem e matam,
que ali só deveria ter preto, que estavam aproveitando a ação por
Rafael Braga para convocar a população para a Greve Geral do dia 28 de
abril, para a Marcha da Maconha, dia 6 de maio. Não seria eu, a
branquinha que sofre há 13 anos no Sistema Judiciário, a dizer que ali
não era para libertar um preto pobre, era para libertar a todos do
sistema judiciário corrupto, vendido, assassino. Não seria eu a dizer
que, se maconha fosse legalizada, ninguém seria preso por portar 0,6
gramas de maconha. Nem pretos, nem brancos, nem amarelos.
Mas eu entendia o discurso de ódio dela. É uma mulher e negra. Eu sofro
por ser mulher, imagino o sofrimento em dobro, se fosse negra. Eu
entendi quando ela disse que "Querem que nosso movimento seja pacífico?
Alguém é pacífico com a gente?". Eu entendi o ódio dela, a vontade de
gritar sua raiva. Também tenho vontade de vomitar a minha. Por
coincidência ou não, após sua fala, chegou a Força Tática do Exército.
Muitos carros da polícia já estavam lá quando chegamos. Ninguém teve
medo, ninguém foi violento. A partir daí palavras de ordem contra a
violência militar. Depois todos sentamos na avenida Paulista e fizemos
um minuto de silêncio. Após o silêncio, uma líder gritava nomes como
"Amarildo! Claudia! Luana! DG! Maria Eduarda!". Todos mortos por balas
da Polícia Militar. Amarildo até hoje desaparecido. E todos
respondíamos: Presente!
Um grupo de atores negros fez uma encenação muito comovente por ser
absolutamente verdadeira. Apenas retrataram o que vivem todos os dias.
"Preto não tem medo de morrer, a gente sabe que pode morrer de bala
perdida todos os dias". "A caneta da Justiça nos mata todos os dias. A
caneta da Justiça nos mata todos os dias". Eu chorei. Porque fui morta
várias vezes em Fóruns, fui desqualificada, fui desumanizada. Eu e
tantas mães. Eu e tantos jovens negros. Eu e tanta gente pobre. Eu sou
mais uma a ser morta pela caneta da Justiça. Rafael Braga não será mais
um.
*
O Governo de Geraldo Alckmin desviou dinheiro das merendas das escolas
públicas do Estado de São Paulo. Até hoje, nada foi feito. A Justiça não
é cega. É corrupta, elitista, patriarcal e branca.