terça-feira, 13 de junho de 2017

Abandono (de causa)

   Muitas vezes eu falei que se cada vez que alguém tivesse me dito "você escreve muito bem" - desde que comecei a escrever poesia ainda criança - recebesse um dólar, estaria rica. Mas muito cedo vi que não dava para dizer que queria ser "escritora e poetisa" quando crescesse. Foi quando decidi ser jornalista. Mas tanto ouvi que "escrevia muito bem", que acabei acreditando. E continuei escrevendo.
  Escrevia diários, poesias, poemas, peças infantis. Depois matérias, notas, entrevistas. Mas só fui começar a escrever esse blog por um motivo muito triste: minha filha foi levada por busca e apreensão da escola e ninguém me dizia onde ela estava. Passei quase dois anos sem vê-la. A Justiça no Brasil, além de não ser justa, é elitista, racista e misógina. E ao escrever desabafos fui trazendo muitas mães que passaram pelo mesmo, para perto de mim. Eram emails diários, semanais, mães em todo o Brasil. Mães que tiveram filhos levados para fora do Brasil. Mães que nunca mais viram os filhos. Mães que perderam os filhos pelo tempo e distância. Mães que perderam sanidade mental, física, emocional e acabaram com patrimônios pagando advogados, perícias, custas judiciais. Mães alimentando o sistema que lhes tiram os filhos. Então começou um certo ativismo, reuniões de mães, ações midiáticas, "boca no trombone", de repente não éramos mais uma exceção à regra, estávamos virando a regra. O pai quer a guarda do filho, ele consegue. O preconceituoso "nem puta perde a guarda de filho" é um paradigma a ser quebrado. Qualquer mulher pode perder a guarda de filho. Basta que a outra parte seja melhor assessorada judicial e financeiramente e seja homem.

   E um dia uma amiga me convenceu a fazer um projeto no site Catarse, que é um financiamento coletivo. Não é vaquinha, já que a pessoa terá produtos ligados ao projeto, no final. Me convenceram de que é tanta gente que lê esse blog, são tantas mães nessa situação - só no Brasil cadastramos mais de 2 mil - que só pode ser um projeto importante para alertar a sociedade das infâncias perdidas dessas crianças. Das vidas destroçadas dessas mães.

  Então pensei: por que não? A ideia do Catarse é contar, inicialmente, com a ajuda de amigos e familiares. Minha família se resume à mãe e às filhas. Parentes tenho muitos, mas não são meus admiradores, nem nunca torceram muito por mim. Ao contrário, alguns querem me ver pelas costas. Puxa, mas amigos são a família que escolhemos, tenho tantos amigos pessoais. Muitos virtuais. Alguns virtuais que ser tornaram tão reais. E são tantas mães nessa situação, querendo mudar esse quadro do judiciário, que trata criança como objeto, que a tira de onde está, leva para onde nunca esteve e, anos depois, diz que não pode mudar mais, pois a criança agora está "adaptada" e outra mudança será ainda mais prejudicial. Acreditei que era um projeto importante e, mesmo não atingido a meta, teria muita adesão e isso seria um ótimo indicativo para que alguma editora abraçasse a causa - e a edição. E como sou pessoa que pensa na saúde financeira alheia, entrei no Tudo ou Nada - ou consigo arrecadar tudo e faço o que tenho que fazer ou devolvo o dinheiro aos financiadores.

  Mas eis que, faltando cinco dias para terminar o prazo de atingir a meta do projeto, apenas 14 pessoas aderiram. Isso mesmo, 14! O valor mínimo é de 20 reais. Sei que há uma crise mundial. Mas são 20 reais. E algumas pessoas que apoiaram nem me conhecem pessoalmente. Isso me fez refletir muito e chegar a algumas conclusões e certezas:
1 - Não escrevo tão bem assim.
2 - A causa não tem tanta importância.
3 - Tenho  muito menos amigos do que imaginava.
4 - Meus parentes realmente não me apoiam em nada.
5 - As pessoas falam, mas não fazem.
6 -O grupo de mães precisa de ajuda, mas não está disposto a ajudar, nem quando é pela própria causa.

   E eu, aquela pessoa que não tem mais braços para abraçar tantas causas, percebo que muitos estão de braços cruzados. Eu abraço movimento negro, feminista, LGBT, combate ao trabalho escravo e infantil, proteção animal, crianças órfãs... Mas no mundo nem tudo que abraçamos nos abraça de volta. No fim, minha filha já tem 15 anos, nos vemos quando dá e quando podemos. O tempo voa e ela fará 18 em breve e não precisará mais pedir nada para o guardião legal. E as próximas mães que perderem a guarda e me encontrarem por esse blog e me enviarem email - que sempre respondo da melhor e menos dura forma - terão minha resposta mais sincera. Só o tempo e a morte resolverão. O tempo passa, a morte vem para todos. E a morte não é só a literal. Matamos algo dentro de nós todos os dias. Já matei muita coisa que estava dentro de mim, como o ódio, a mágoa e o rancor. Sendo assim, como Elsa (a princesa), livre estou.


Se nada der, vou ouvir Pixies até morrer. I love you, I do.