terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Monastério: Ballet da Cidade de Santos


   Mudei a programação do dia e fui parar na Bolsa do Café, para ver Monastério, montagem do Ballet da Cidade de Santos. A Bolsa, um dos meus lugares preferidos, pela beleza, pela história e pelo café, foi o cenário perfeito para a apresentação. As bailarinas foram entrando silenciosamente no espaço central, abaixo dos vitrais seculares. Vi Sabrina, que era professora de Dora em seu primeiro ano no Bailado. Bateu uma saudade cortante. Vi Marília, uma das mais belas bailarinas que já conheci, ainda mais expressiva. E então começou a tocar Madredeus. 
   Ouvir o fado com aquela acústica na cidade dos imigrantes portugueses e a modernidade daquela dança no lugar histórico era a sincronia perfeita. Ao mesmo tempo em que eu estava ali, recebendo toda a energia da entrega das bailarinas, não saía do passado, no ano de 2010, quando Dora fazia parte do elenco do Ballet da Cidade. Lembrei das professoras falando de seu potencial e talento, da facilidade em decorar coreografias. Pensei nas vezes em que estive no Teatro Municipal, levando, buscando, esperando minha filha em suas aulas e ensaios. Um tempo em que vivi a dança, outra vez*, tão intensamente. 
   Volto a me concentrar nos movimentos perfeitos das bailarinas. Como conseguem exigir tanto do corpo e manter no rosto o semblante tranquilo? Que mágica fazem para continuar superando-se em cada apresentação? E segue a música, crescendo junto com a coreografia. Minha garganta dá um nó. Impossível não me emocionar dentro daquela atmosfera de saudade, melancolia e beleza. Nos aplausos eu estava com o rosto molhado de lágrimas, que desciam pelo meu peito, que se enchiam de ar, tão profunda era minha respiração. Eu queria me alimentar de dança e música. Ficar para sempre com a sensação do sublime.
    Estava ao lado de Renata Pacheco, a diretora artística do Ballet da Cidade. Ainda com os olhos e o rosto molhados a abracei, parabenizei e agradeci. Esses momentos só são possíveis graças a essas pessoas que fazem da dança a vida. Que passam horas repetindo o mesmo exercício, esticam-se à exaustão, que tem a mente aberta e criativa, que inventam passos, pesquisam figurinos, testam luzes. 
   Fiquei anestesiada no êxtase. Minha vontade era sair saltitando e bailando pela Bolsa de Café. Assim sentiram-se também Marcelo e Daniel, que integram a Casa Laboratório de Dança. Era um fim de tarde lindo no centro da cidade e caminhamos pelas ruas tranquilas, falando de arte, dos encontros, do cotidiano, da graça de tudo. Imaginei um futuro em que a dança volte definitivamente na minha vida. Imaginei Dora voltando a bailar nesse grupo tão seleto, já grande, criando seus movimentos, seguindo seus próprios passos. 
   As cores do céu iam do azul profundo ao cinza escuro. Saí do carro tão alegre por outros acontecimentos que não cabem aqui, que até esqueci meu celular carregando a bateria no carro de Marcelo. Só percebi quando fui fotografar o cais no pôr do sol, nem me importei. Foi um domingo feliz e nada mudaria essa situação e meu estado de espírito. 

   *Durante um bom tempo cobri dança no Diário do Grande ABC, tive o privilégio de assistir aos mais lindos espetáculos das mais variadas companhias, entrevistar coreógrafos, bailarinos, diretores, cenógrafos e ser jurada do Prêmio Imprensa de Dança dois anos consecutivos. Mas essa já é outra história.