segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Ela Deixava Tudo Mais Lindo

   Nos conhecemos porque era mãe da Raquel, a melhor amiga de Dora. Um dia, depois da aula, aproximou-se de mim com toda a simpatia do mundo: "Oi, eu sou a Claudia, mãe da Raquel. Ela fala muito da sua filha, você podia deixar ela hoje fazer um lanchinho lá em casa?". Deixei feliz, porque estava com febre e tinha Miranda com 3 meses, para cuidar inteiramente sozinha e autônoma. Claudia era alta, com uma postura impecável, linda, de sorriso largo e tinha os cabelos bem curtinhos, super estilosa.
   O marido dela, Fernando, foi levar Dora de volta para casa. Minha filha chegou toda radiante porque Raquel, além do irmão gêmeo Pedro, tinha mais dois, Vítor e Breno. Com seu jeito rápido de falar, contou que Fernando era muito divertido e que eram todos ótimos. Outra vez Claudia me convidou para tomar um café em sua casa, quando fui deixar Dora na escola. Passamos a tarde toda conversando sobre tudo. Que mulher apaixonante! Não dava vontade de sair do lado dela.
    Me contou que o cabelo curto era porque teve câncer de mama e passou por quimioterapia, que foi miss Santos, teve história triste na infância, era carioca, engravidou dos gêmeos por (maravilhoso) acidente e que estava com o amor de sua vida há mais de 15 anos. Vi que não teria mais jeito e seríamos amigas para sempre. Então lhe contei minha situação com Dora, de "foragida". Me apoiou totalmente e disse que faria o mesmo, embora não imaginasse o Fernando agindo de forma tão torpe.
    Nossa amizade crescia na mesma proporção que a de Dora e Raquel. Nossas filhas eram da mesma classe e faziam ballet juntas. A influência dessa família para Dora foi ótima. Ela passou a levar seu prato para a pia, "arrumar" a própria cama e quando ficava nervosinha, com alguma negativa minha, Raquel dizia: "Desculpe Dora, mas sua  mãe tem razão". Me senti no céu quando fui na festa de alguns amigos de Claudia e ela me apresentou como sua irmãzinha. Quanto orgulho e desejo de ser irmã dela eu tinha.
    Sua casa era impecável, cada detalhe tinha uma história pessoal. Na Páscoa era cheia de coelhos e chocolate, no Natal tinha todos os enfeites lindos, que encantavam as crianças. Ela não suportava me ver chorando e tinha uma palavra positiva para tudo. Me ensinou a  maquiar meus olhos. "Você tem que valorizar esses olhos lindos, grandes e expressivos!". Me ensinou coisas práticas da vida, como picar salsinha e colocar no congelador, esquentar água no inverno para lavar a louça e fazer quatro coisas ao mesmo tempo. Me deu cintos de presente quando fiquei muito magra e minhas calças estavam caindo. Me deu um guarda-chuva gigante de arco-íris, para alegrar os dias de chuva, vestidos lindos para me deixar linda e fazia os melhores bolos e trufas do mundo. Me deu um bolo maravilhoso de presente de 40 anos! Era festa dos gêmeos Pedro e Raquel também, que aniversariam um dia depois de mim.
    Quando Dora foi levada, ficamos ainda mais amigas, apesar de eu não ir tanto na casa dela, porque percebia que Raquel ficava triste, porque a melhor amiga desapareceu de sua vida. Em janeiro de 2012, Claudia foi na minha casa, nem tinha me dado conta que não nos falávamos desde o seu aniversário. Cláudia gostava de olhos nos olhos, de papos longos, não era dada a conversas virtuais, no máximo telefonemas. Queria pessoas, contato, toques, beijos. Me abraçou chorando porque estava muito preocupada comigo. Me contou que o câncer havia voltado, na coluna e fêmur. Falávamos abertamente sobre a doença, eu via seus exames e entendia tudo (trabalhei no Hospital do Câncer e outros casos para outros posts). Estava sempre muito saudável e preparada para qualquer batalha.
    Quando eu ia em sua casa e começava a falar dos meus problemas, me sentia uma egoísta medíocre, mas ela dizia que não, era bom saber que existem outros problemas além do câncer. Era tão direta, tão prática e objetiva. Nunca imaginei que ela perderia a batalha. Não achava justo alguém como ela ir tão jovem, tão linda, com a família mais linda que já conheci (e olha que conheço muitas famílias lindas). No início de dezembro de 2012 fui em sua casa para comemorar o fim das quimios e radioterapias... mas havia atingido a cartilagem e ela disse que eram dores realmente insuportáveis. "Caraca, essa doença é mesmo ardilosa!" Mas falava isso sorrindo. Passei o dia todo na casa dela, porque nunca tinha vontade de sair de lá.
     Fui assistir a apresentação da Raquel no Teatro Municipal de Santos, levei comigo os amigos Maria Paula, Marcinha e Marcelo. Como Raquel é centrada e disciplinada. Que menina linda que brilha no palco! Que saudade de ver Dora e Raquel juntas! Logo após o Natal fui ver a Claudia. Estava no quarto, doía levantar, mas me abraçou sorrindo e estava linda, sempre tão linda. Disse que havia perdido quase 10kg. Respondi que então estava 10 kg acima do peso, porque continuava maravilhosa.
     Ligamos para Dora, que falou com Raquel e Cláudia pela primeira vez em quase 2 anos! Quanta emoção! Enquanto Raquel saiu do quarto para falar ao telefone, tivemos uma conversa dura. Ela havia tomado morfina e era muito estranho ver alguém que nunca sequer vi alcoolizada, ir transformando-se sob o efeito da droga. Me pediu que, se caso morresse, mantivesse contato e fizesse permanecer a amizade entre Dora e Raquel. Assim como eu, imaginava as duas juntas na adolescência, na vida adulta e por toda a vida. Assim como confiava em mim para deixar seus filhos sob meus cuidados, eu confiava nela e no Fernando. Me deu vontade de chorar, mas não chorei, apenas ri nervosa, porque não seria preciso isso. Disse ainda que eu era uma irmã para ela, como se nos conhecêssemos de toda vida.
    Ela se foi para sempre em janeiro deste ano. Lembro dela sempre que pinto meus olhos, faço coisas práticas na casa, uso os presentes que me deu. Ou seja, todos os dias. E sinto sua presença sempre que encontro seus filhos, tão lindos, inteligentes e carinhosos. Antes de lamentar, agradeço a passagem meteórica dessa pessoa incrível em minha vida. Foram menos de 5 anos, mas que valeram por uma vida inteira. Prefiro acreditar que ela era um anjo que deixava tudo e todos mais lindos. Que deixou minha vida mais linda e com mais amor e amizade. Que está perpetuada nos filhos maravilhosos.
   Muitas vezes declarei meu amor por ela, mas ainda acho pouco. Deveria ter dito que me tornei uma pessoa melhor depois que a conheci e que por toda a minha vida e além dela vou amá-la. E se ela fosse uma música, seria essa:  http://youtu.be/TzTVn5w4kWU 
    

domingo, 27 de outubro de 2013

O Tal Amor Lúdico

     Uma amiga* me escreveu, dia desses, que o amor é convivência, então, se não convivemos com a pessoa, o amor vai diminuindo até não existir mais. Achei tão triste isso, embora faça total sentido. Prefiro pensar que o amor fica guardado em algum lugar do corpo, para evitar sofrimento. Achei tão triste porque não convivo com minha filha e deixei de conviver com pessoas que amo, para sempre. A verdade é que o tempo e a distância fazem doer menos mesmo, a saudade dói menos, a lembrança vem menos, você pensa na pessoa no pretérito perfeito, quando muito, no pretérito do futuro.
     Mas, como minha filha escreveu numa das últimas (e poucas) vezes que me escreve, já sabe o quanto eu sofro e só quer saber de coisas legais. Falo de livros, de filmes, de viagens, de travessuras da irmã mais nova, pergunto sobre provas da escola, apresentações de balé que desejo ver, sobre seus passeios, mas talvez nada disse seja legal... e por isso  tento escrever sobre o amor. 
     Não sei se o amor é tão legal, na maioria das vezes faz sofrer. Mas sem amor a vida não teria sentido. O amor inspira a ser melhor, o amor é sublimado em música e literatura. O amor é minha única fé, só acredito no amor e em tudo que é feito com e por amor. O mundo está tão individualista, mas  parece que ninguém entende que esse tipo de comportamento não tem dado certo. Tenho escutado de alguns amigos que preciso me amar mais e acima de tudo e em primeiro lugar. Isso me soa tão egocêntrico. Dizem que só assim terei o amor dos outros. Isso me soa tão barganha, mercadoria. Claro que me amo e adoraria me ter como amiga, mãe, filha, namorada. Sou boa em tudo que faço, mesmo quando erro, porque só faço com amor. Mas não posso me amar mais do que tudo. Amo coletivamente, sempre fui assim. E me interesso apaixonadamente por pessoas, obras, lugares. Fico obcessiva até absorver tudo pelo que me apaixono... e então, eu amo.
   Ouço exaustivamente minhas bandas preferidas, leio os autores que amo com paixão, choro com interpretações brilhantes e brigo pela causa dos outros, como se fossem minhas porque, na verdade, são. E sinto tanta falta das conversas em mesa de bar, porque agora as pessoas ficam olhando o celular a cada 2 minutos, só pra checar se chegou mensagem. Estão sempre interessadas nos que não estão. Isso cria uma espécie de angústia e ansiedade coletivas. E também tem gerado um novo tipo de amor e paixão. O tal do amor idealizado, lúdico.
     Algumas pessoas me escrevem apaixonadas por mim, pelo que escrevo, pelas histórias que conto. Meio que me idealizam. Não sei como assimilam o que escrevo, porque tudo depende do estado de espírito. Pode soar genial, lugar comum, cansativo, inovador. Mas meu objetivo ao escrever é atingir o leitor, seja como for, só isso faz sentido na literatura ou na escrita informativa. Não escrevo só para mim, para desabafar, para receber elogios ou críticas, escrevo por amor, porque amo escrever. Talvez por isso algumas reações apaixonadas. Mas daí, quando me conhecem de verdade, me tocam, me olham nos olhos, some toda aquela idealização romântica. Porque sou uma pessoa extremamente comum, com fatos inusitados na vida. Será que sou uma fraude? Propaganda enganosa?
      O mundo virtual é muito propenso aos amores platônicos e lúdicos. Talvez alguns devessem ficar só no virtual, isso evitaria muitos desencontros, decepções e sofrimento. Mas que graça teria a vida sem o contato humano? Como mover o mundo sem amor verdadeiro? 
        
       Ontem assisti uma peça, Odisseia (Grupo Estúdio da Cena), no Sesc Santos. É uma versão contemporânea da saga de Odisseu, retratada no clássico Odisseia, de Homero. Entrei atrasada, sem saber ao certo o que iria ver, não sentei ao lado dos amigos Marcelo Santos, Marcia Abad e seu filho Dionísio, de 15 anos, que me esperaram até o quando deu. Chegar após o início da peça já é falta de respeito, atrapalhar é vandalismo. Então fiquei no canto, onde não incomodei ninguém e nem perceberam minha presença. Gostei do cenário e figurino, primeira impressão. Daí fui gostando dos atores, das analogias, do texto, ora cômico, ora trágico. Me envolvi totalmente com a história, a entrega dos atores. Nem percebi que alguns idosos saíram quando foram mostrados peitos. A nudez nunca deveria chocar, ainda mais quando é totalmente dentro do contexto. Por alguns instantes eu amei alguns atores, o tal amor lúdico. 
       Na saída, os mais diversos comentários, de gente que não entendeu nada e admitia isso aos que, assim como eu, gostaram muito, principalmente por colocar no século 21, personagens escritos há quase 3 mil anos. Odisseu, após 20 anos na guerra, volta para casa e depara-se com uma sociedade totalmente individualista e corroída, constata a fragilidade das relações pessoais. Sua mulher o esperou, mas construiu um império, baseado em seu heroísmo inventado. O filho perdeu-se no crack. O pai o resgata, o pai causa efeitos no público. 
        Daí amei ainda mais o Odisseu moderno, um amor totalmente lúdico.
     
* A amiga é a grande Cristina Dalto de Moraes, que nem imagina o quanto é boa filósofa! Como era bom filosofar com ela antes dos smartphones!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Sobre Atletas e Nerds

    Essa história de estereótipos é muito castradora. Ninguém é uma coisa só o tempo todo. Me irrita nos meus momentos de melancolia ouvir que tenho que procurar ajuda médica. Por que as pessoas devem ser sempre felizes? Como, se a vida nos testa sobre todos os fatos e sentimentos, exigindo reflexão permanente sobre todas as coisas? E se há razões fundamentais para cair na tristeza e querer fugir da realidade dura e massacrante que nos é imposta? Ninguém é infeliz por opção. Muitas vezes não dá para sair do círculo vicioso da dor. Por isso, por vezes, é necessário se entregar, ir lá no fundo da dor para saber de onde vem. Nem sempre a felicidade é uma escolha, por mais que tentemos. A descoberta está no caminho e não na chegada. Alcançar o objetivo pode ser frustrante até. É como chegar no seu limite. O que há depois disso?
     Então fiquei refletindo sobre o que foi a minha vida até aqui. Uma série de estereótipos! Filha única, logo, mimada e egoísta. Só que não, nunca fui nenhum dos dois. Mas doía que as pessoas, no geral, pensassem isso de mim. Na escola era uma CDF, hoje chamados de nerds, do tipo que usa óculos e senta na frente, que responde tudo primeiro. Então tiravam sarro de mim. Comecei a nadar. Daí era a atleta. Passei a sentar com a turma do fundo na escola, para fugir de ser nerd, mas continuava tirando notas altas. Ficar de recuperação era o maior dos pesadelos para mim. Como nadadora, para os que não nadavam, eu tinha que ser desajeitada e masculinizada, mas não. Inclusive fui miss na escola, embora fugisse de ser a menina bonita, pois as meninas bonitas eram burras! Claro que não!
    E os filmes babacas* dos EUA, dão o modelo mais estereotipado de todos. Os atletas são uns trogloditas que não pensam e os nerds são os antissociais que vivem no mundo aleatório. Mas não é assim, a maioria dos atletas que conheço é muito inteligente, acima da média até. São atletas e nerds!

    A verdade é que sempre gostei de atletas ou nerds. Se for os dois juntos, então, é paixão na certa! Não é à toa que o meu primeiro amor era tudo isso: bonito demais, inteligente demais, nadava bem demais! E talvez fosse demais para mim. E foi daí que comecei a desconstruir essa ideia enraizada de que temos que escolher ser uma coisa só e seguir por aí até o fim. Não, absolutamente, não! Podemos ser muitas coisas ou tentar ser. Na tentativa também é possível descobrir um outro caminho.
   Considero que a perfeição só é atingida com a prática. Desculpem, mas querer não é poder. Não basta querer, tem que fazer! Um exemplo: a pessoa não tem flexibilidade física alguma, mas se todos os dias fizer um aquecimento, fizer alongamento, vai conseguir encostar as mãos nos pés, sem dobrar os joelhos. E não vai demorar muito para isso acontecer.
    Eu tinha um amigo da minha sala, no colegial, que também nadava comigo, o Marco Amaral. Ótimo nadador, treinava com muita disciplina e era o melhor aluno. Entendia de todos os assuntos e era bom em todas as matérias, além do que era também muito bonito, todo esculpido em músculos. Éramos amigos, apenas muito amigos, ele até me dava dicas amorosas, apesar de ser um tímido no amor. Mesmo assim as meninas o achavam esquisito porque era nerd demais. Eu o achava muito divertido em suas conjecturas geniais sobre quase tudo. Vai ver eu também era uma esquisita.
    Percebo agora a diminuição do preconceito com os nerds, finalmente  perceberam serem eles os bem sucedidos do amanhã. Também há uma maior valorização dos atletas. No meu tempo (nossa, como pareço velha escrevendo assim), muitos atletas eram vistos como folgados, que faltam demais nas aulas** e não trabalham. Como se treinar não fosse trabalhoso.
    A esperança para mim é algo que prostra, se você ficar apenas esperando. Não espero, gosto de fazer e sou extremamente imediatista em tudo. Tenho uma sensação estranha de que a vida está acabando e estou perdendo meu tempo. Mas a vida está acabando desde quando a gente nasce e talvez essa seja minha maior angústia. Há tantos livros para ler, filmes para ver, pessoas e lugares para conhecer. 
    Por isso não gosto de esperar. Porém começo a ter  uma certa esperança por conta do caos que está o mundo. Sempre nos piores momentos surgem as melhores ideias. Aparecem as melhores pessoas. E as grandes questões filosóficas também são fruto do caos. Assim como tantos, continuo sendo atleta e nerd na construção da minha personalidade. Mas acho que posso ser mais que isso, se realmente quiser ser.

* Filmes americanos babacas, fique claro, porque há maravilhas no cinema dos EUA
** Atleta falta muito na escola por conta das competições em lugares distantes e porque nenhum campeonato decente dura menos do que 4 dias, tomando de quarta a domingo.
   

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Os Signistas

    Que eu tenho insônia e passo muitas noites deprimida não é novidade. Que eu tento ler e não consigo me concentrar, também não. Nem que no meio da noite eu costumo escrever sobre meu cotidiano bizarro. Algumas histórias são até impublicáveis, ao menos por agora, enquanto estou envolvida num processo praticamente interminável. Mas algo muito significativo tem acontecido nas últimas madrugadas insones. Não estou mais em lágrimas e muitas vezes me pego rindo alto e sozinha. A razão disso é um grupo fechado, que se tornou secreto, denominado Signismo. Que remete ao cinismo. E a ironia fina sempre me caiu tão bem.
    A alusão à astrologia é clara e foi uma ideia brilhante da querida Giovana Lizana, uma garota de 19 anos, que não conheço, mas amo. Assim como eu, essa garota também passou por um processo pesado de depressão. No grupo, além de estudos astrológicos divertidos, a regra é fazer bullying com os signos. Por isso é secreto, porque nem todas as pessoas entendem piadas sarcásticas ou suportam críticas duras.
    Assim que entrei para esse grupo alguém postou o mapa astral do Robert Smith (The Cure), não entendi nada, mas achei perfeito. E vários comentários se seguiram. "Opa! O povo aqui gosta do cara, isso é bom". Então fui percebendo várias outras semelhanças, apesar de eu ter idade para ser mãe da maioria deles. E isso foi me enchendo de esperança. Percebo uma geração libertária, sem preconceitos, livre de dogmas ou estereótipos. Pode ser que seja apenas esse grupo, mas pelo poder de comunicação e expressão, imagino que consigam atingir muitas outras pessoas também. Conseguiram me atingir.
    Como boa geminiana de espírito jovem e sem modéstia, "gostei do grupo porque encontrei pessoas quase tão inteligentes quanto eu". E posso colocar uma frase dessas lá sem parecer pedante ou arrogante. Na análise do meu mapa alguém disse que tinha inveja do meu cérebro, fiquei lisonjeada como uma leonina. E assim seguem detonando cada signo, embora o pobre capricorniano seja o mais estilhaçado. Escorpião ninguém compra briga porque ninguém quer um inimigo destes (infelizmente o único inimigo real que fiz na vida, nasceu com esse Sol aí). Mas também tenho melhores amigas sob essa influência. E pretendo manter a amizade até a morte!
     Quando alguém tem muito câncer ou peixes no mapa: "Nossa! Quanta tristeza você carrega contigo". E no tópico mães, pobre de mim que tenho mãe canceriana e sofri chantagem emocional a vida inteira. Além de um pai virginiano tão exigente que, na primeira vez que tirei um nove na escola, me perguntou qual parte da matéria eu não entendi. Agora sei porque tanto sofrimento e porque sou assim: A Culpa é Das Estrelas!*
     Embora eu ache que está tudo errado desde antes de eu nascer, já que nasci de cesárea e nem era hora ainda, percebo que isso também me livrou de ser canceriana. Curioso eu ser ateia e, de repente, me ver fazendo análise astrológica, mas descobri que tenho uma tríade aí que só pode ser de alguém muito genial. Também parei de detestar meu ascendente em câncer, porque segundo os estudos dos astros, isso me dá muita sensibilidade para as artes, principalmente, a literatura. Pronto! Está escrito nas estrelas mesmo! Nasci para ser escritora!
      Cômico mesmo foi eu colocar uma dúvida sentimental na roda e chover comentários sobre com quem eu combino e porquê. No fim um garoto lá escreveu: "Você não é geminiana? Fica com os dois!" Tão prático. Quis dar uma de entendida e disse que minha Lua em capricórnio  não permitia isso. "Que nada! É que você tem Vênus em leão". Não entendi nada, mas achei ótima essa Vênus. E quem vê pensa que estou podendo tudo isso. É só um tipinho de geminiana sedutora mesmo.
    E nas apresentações, como um grupo de apoio tipo AA/NA, uma garota se apresentou sendo maravilhosa, uma escorpiana, com ascendente em peixes e lua em câncer. "Com esse mapa, você não pode ser maravilhosa!" Francamente, quando e em qual lugar eu poderia escrever uma coisa dessas nesse mundo que está ficando chato de tão politicamente correto**?  Quem ouviria isso sobre si mesmo sem ficar com raiva? Mas a pessoa ainda acha graça. É muito bom rir de nós mesmos e agora me pego rindo o tempo todo por dentro, rindo de mim.
      Os signistas não sabem, mas agora ficarão sabendo como tem alegrado minhas madrugadas insones. Acredito em tão pouco, apesar de acreditar sempre no amor. Nesse tipo de amor que preenche os espaços vazios. Acredito nesse amor que move as pessoas física e emocionalmente, com poder transformador. Os signistas são pessoas de muito amor, com toda a acidez da verdade que não dói. São mesmo inspiradores. Sou muito grata a essas pessoas que não conheço, mas reconheço em tantas palavras e rapidez de pensamento. Como é bom ter esperança.     

* A Culpa é Das Estrelas (John Green/EUA) é o título de um livro que minha filha Dora estava lendo, sobre uma paciente de 16 anos, com câncer terminal e que busca ajuda num grupo de apoio.

** O politicamente correto torna-se chato, sim, apesar de necessário para pessoas sem noção.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A Princesa que o Rei Não Quis

    Semana passada saiu a notícia sobre a ação movida pelos netos contra Pelé. A maioria das pessoas que eu conheço apoiou a  decisão dos meninos Octavio, 15 anos, e Gabriel, 13, que pedem pensão para o avô. Alguns criticaram, dizendo que só procuram o avô porquê é rico, porquê é o Pelé. Sim, claro que é por isso! Sentimento não se impõe. Se o avô é incapaz de dar atenção e amor, sentir qualquer afeto por seus netos, nada é possível fazer. Mas ele pode dar dinheiro. E isso a Justiça pode obrigar a dar.
    Acompanhei a saga de Sandra Regina, a filha que lutou judicialmente para ser reconhecida por seu pai. A menina cresceu na periferia do Guarujá, em Vicente de Carvalho. Sua mãe a criou sozinha e imagino como deve ter sido difícil para uma negra pobre, nos anos 60, ser mãe solteira. Imagino porque tenho uma filha sem pai, sou branca, classe média e com formação superior e minha filha  nasceu em 2009. Mesmo assim fui olhada muitas vezes com preconceito, quando segurava a bebezinha de meses e as pessoas diziam: que linda! Deve ser a cara do pai! "Ela não tem pai, mas sim, se parece com o genitor". Nossa! Me olhavam com espanto. Como se fosse crime ser mãe solteira. Um pai que não quer nem conhecer a filha é muito bem aceito nessa sociedade patriarcal. A culpa é da mulher que não se preveniu ou tentou dar um golpe. Pior é saber que muitas mulheres também pensam dessa forma machista.
   Então imagino, só imagino, o que a mãe de Sandra Regina sofreu. Mesmo assim criou sua filha dignamente. Aos 11 anos a menina insistia muito em saber quem era o pai. Até que a mãe contou. Seu pai era o *Rei Pelé! A garota ficou exultante e logo percebeu que seus traços eram muito parecidos  com os de Edson Arantes do Nascimento. Ingênua, contou para todos na escola a novidade. Sofreu todo tipo de humilhação, começou a ser chamada de princesa, gata borralheira, de forma pejorativa. Ninguém acreditava que ela era filha do Rei. 
    Sandra cresceu em Santos e muitos, assim como eu, sabiam da sua história. No início dos anos 90 ela trabalhava numa loja de brinquedos, em frente ao apartamento do meu amigo Fábio Diegues. Muitos frequentavam a loja, nem tanto para fazer compras, mas para constatar a semelhança entre pai e filha. 
    Então a ciência facilitou a vida daquela menina, com o advento do exame de DNA. Já adulta entrou na Justiça para ser reconhecida, nem tanto pelas humilhações que passou, mas por sua mãe. E já no primeiro exame deu positivo, claro. Mas o "Rei" recorreu e com sua soberba, exigiu que fosse feito outro exame em Boston (EUA), já que não confiava nos laboratórios brasileiros. Positivo novamente. Mas a Justiça funciona de uma forma bizarra. O pai, que não queria reconhecer a filha, recorreu não duas ou cinco vezes. Foram onze vezes. Até que um dia, nem todo o dinheiro ou influência do mundo, conseguiu dar jeito de se embrenhar nas brechas judiciais. Sandra Regina, finalmente, teve o nome do pai em seu registro de nascimento. A mulher Sandra foi vereadora em Santos, casou-se e teve dois meninos, que jogavam um bolão. O avô nunca foi vê-los jogar.
     Sandra ganhou na Justiça, mas perdeu a batalha para o câncer de mama, morreu em 2006. O pai lhe enviou, pela primeira, única e última vez, flores. Mas não foi pessoalmente no velório ou enterro. Seus filhos, na época com 8 e 6 anos, perderam uma mãe amorosa numa idade em que a mãe é fundamental (e qual idade não é?). Segundo o advogado desses meninos, suas mensalidades escolares estão atrasadas e eles não tem lazer. Em suas certidões de nascimento consta o nome do avô materno. Essa batalha a mãe já venceu por eles. Falta agora uma pensão.
      De certa forma acredito que Sandra teve sorte em não ser criada ou ter vínculo com seu pai biológico. Foi uma mulher digna, não teve qualquer problema judicial em sua vida, casou com um bom homem, foi muito bem votada pelos eleitores santistas. Já o filho príncipe do Rei, aquele que teve tudo, que foi um goleiro medíocre* do Santos Futebol Clube, que teve a presença do pai em toda a sua vida, a torcida nos campos, enfim, toda a influência do Rei, envolveu-se com o tráfico de drogas e, por opção, resolveu financiar o crime. Não era um doente, dependente químico, como tantos jogadores conhecidos por aí. Não, esse queria o poder da criminalidade, não apenas usar a droga.
       Penso que Pelé é um mito, um jogador extraordinário. Mas o homem Edson Arantes do Nascimento deixou a desejar, não só na integridade e nas atitudes, mas também quando assumiu a pasta do Ministério dos Esportes. Poderia ter feito tanto, aproveitando o seu reconhecimento mundial, poderia ter mudado a vida de tantas crianças e adolescentes. Mas nada fez. Quem sabe agora ele faça algo por seus netos, nem que seja por ordem judicial.

*    Essa síndrome de monarquia brasileira me irrita.
** O medíocre, no caso, é literal, alguém que não é melhor, nem pior. O filho de Pelé não foi o melhor, nem o pior goleiro do S.F.C.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Seo Bacana, Dona Célia

    Antes de sair de casa ainda falei sobre transporte público com o Marcos Sérgio, que utiliza por opção, eu  por necessidade, sinto falta de ter um carro. Mas também gosto de reparar a arquitetura da cidade, sem me preocupar com o trânsito.
    O primeiro ônibus peguei no Guarujá, onde o transporte é bem falho. Ao meu lado sentou um senhor simpático que logo puxou assunto, contou várias histórias da sua vida. A namorada Yoko, cuja a família japonesa não o aceitou, por ser negro e pobre. A tentativa com uma nordestina arretada, que também não deu certo, partiu para o noivado com a prima desta, mas ficaria tudo em família e também não daria certo. Nunca desistiu de tentar encontrar um amor, até que se casou e vive com a mulher até hoje. "Não dá certo com uma, tenta com a outra, o ser humano não nasceu para viver sozinho", afirmou com a sabedoria do tempo. Como adoro ouvir histórias, dei total corda para o senhor simpático. Mas era muita vida e ele não parecia ter tanta idade: 
     - Tenho 71 anos, é que negro não envelhece.
     - Não é só isso, o senhor deve ter sido atleta!
     Orgulhoso mostra o braço musculoso:
     - Eu jogava vôlei. Esporte é uma das melhores coisas da vida!
     Contei que nadava e como isso me abriu portas para conhecer pessoas, lugares e ser quem sou. Falei sobre competições de master, que ele poderia participar.
    - Ah, já me chamaram, mas tenho que bancar a viagem, inscrições, estadias, não dá...
    Tão triste ouvir isso de um ex-atleta. Mas aquele senhor não tinha tempo para tristeza e percebendo minha cara desolada foi logo sendo galanteador:
     - Master é a partir dos 25 anos, né? Por isso que você é master.
     - Meu caro, já passei dos 25 há 18 anos!
     - Não é possível! O esporte é mesmo milagroso.
     Pegou minha mãe e deu um beijo despedindo-se, após eu me apresentar. Antes que partisse perguntei seu nome.
     - Andrade, mas todos me chamam de Bacana!
     E partiu com um sorriso maroto.

   Atravessei para Santos na nova barca, toda moderna, rápida, com ar-condicionado, poltronas confortáveis, mas com TV LCD passando propaganda do Governo de São Paulo o tempo todo, faz parte do sistema, usar a máquina do Estado para divulgar benfeitorias que são seu dever. Poderia mostrar algo mais educativo, ecológico, lúdico, sei lá. Mas como estava com a lembrança do seo Bacana na cabeça preferi não me indignar, comecei ouvir minha música e fiz meu o meu próprio videoclipe.
      Travessia feita. Chego em Santos, onde o transporte é diferente, funciona. Tem linhas para todos os lugares o tempo todo. Peguei até o ônibus errado, mas consegui consertar o erro no Terminal Rodoviário, sem perder tempo ou dinheiro com isso. Então ajudei uma idosa com dificuldade de subir as escadas (sim, sou do tipo que ajuda velhinho a atravessar a rua), também a coloquei sentada e fiquei ao seu lado. Um rapaz me cutucou e perguntou se eu estava com ela. "Não, só estou ajudando".
      Então o moço (de menos de 30 anos) contou que já a viu perambulando pela rua. Pronto! Uma angústia tomou conta de mim. O fantasma do Alzheimer estaria ao lado? Segurei sua mão e perguntei para onde ia. Respondeu negativamente  com a cabeça. "A senhora não sabe?". Novamente balançou a cabeça com olhar vago. Meu estômago embrulhou, pedi algum papel, documento que desse uma pista sobre seu paradeiro. Me entregou sua identidade. "Dona Célia, a senhora sabe onde mora? Precisa de ajuda?"
      O pior estava para ser ouvido. Tinha sido despejada e foi morar na rua - por isso o rapaz, que já havia descido, a via perambulando pelas ruas - então foi recolhida para um abrigo no centro da cidade. O negativo com a cabeça era porque não queria falar sobre aquilo. Ela estava limpa, arrumada, penteada, de vestido azul e bolsa preta.  Perguntei se não tinha ninguém. Não, seu filho a abandonou. Precisei respirar fundo para não chorar. Em seguida pediu para ajudá-la a levantar e desceu no ponto do abrigo. 

     Num momento conheço um homem com orgulho da sua história, da sua negritude, de ter criado bem 5 filhos, seus netos, que praticou esporte e vive ativamente. No outro, uma mulher sem dignidade nenhuma, que não quer nem falar quem é ou para onde vai. Abandonada!
    Seo Bacana tem razão, o ser humano não deve viver sozinho. Dona Célia também está certa em não querer falar sobre seus infortúnios... assim como eu, deve ter nó na garganta e vontade de chorar. A velhice pode ser tão digna ou humilhante e nem depende de nós.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Sisters of Pain

  Estou muito emocionada, muito mesmo. 
  Há dois anos e meio, quando comecei a escrever por aqui, tive meu primeiro contato com a protagonista da história mais trágica de todas as mães: Elaine César. Por meio de nossos blogs  nos tornamos cúmplices na dor, na injustiça, no trabalho e também nos insigths brilhantes. Elaine conseguiu reverter a guarda no tempo recorde de nove meses. Mas esses seriam os últimos meses de sua vida. Venceu a batalha na Justiça, mas perdeu a do câncer. Se um dia houver uma Lei nesse País de proteção aos menores, vítimas de pais vingativos e insanos, deveria ser a Lei Elaine César... só acho.
  Então saiu a malfadada matéria no Profissão Repórter. Elaine me escreveu logo após, indignada com a atitude do pai, que chama a Rede Globo para gravar o trauma da filha. No dia seguinte recebo um email de apoio da mãe Natália Nogueira, do Recife. Ela viu a matéria e não acreditou na história, me procurou na internet e achou esse blog. Uma menina... que perdeu a guarda do filho quando esse tinha 2 anos e ficou 2 anos e meio sem vê-lo. Essa menina me deu tanta força, me indicando como suportar todo esse afastamento, com suas músicas de rock, sua busca do novo amor, com seu pensamento ora resignado, ora revoltado. Nesse tempo a Natália encontrou um grande amor, se entregou, tiveram um filho lindo há um mês e estão felizes. É ou não é para continuar acreditando no amor? Natália também tem um blog: deslizes...
   Foi algo viral o que aconteceu a partir daí. Apareceu a Déborah Carneiro, que ficou 6 anos sem ver sua única filha, uma moça linda, que cansada disso tudo, casou-se jovem nos EUA e não chamou pai, nem mãe para o casamento. Dá para julgar essa garota que viveu a infância e adolescência no meio de um fogo cruzado? Ouvindo as piores histórias sobre a mãe, enquanto era desconsiderada pelo pai? Conheci Janaína Ferreira, que também teve uma segunda filha após perder a guarda do filho maior. E a querida Luciana Mendonça, que mesmo sem conhecer é como se fôssemos amigas de infância, tamanha nossa afinidade e coincidências na vida. A Janette, do Rio Grande do Sul, que parece uma insana fazendo protestos em frente ao fórum de Pelotas, porque há cinco anos não consegue nem ver seu único filho. Só parece uma insana, porque qualquer um em seu lugar já teria perdido a sanidade completamente. Mas para advogados, promotores e juízes, uma mãe que coloca imagens no youtube, que chuta a porta de juiz (eu fiz isso) é louca. Sanidade é fingir que não liga para o distanciamento e seguir a vida como se o filho não existisse. 
     Nem lembro como apareceu a Adriana Botelho em minha vida, foi pelo blog, certamente. Essa mulher está há quase 2 anos sem ver a filhinha, que está sob o domínio do pai, em Portugal. Dri é uma baiana arretada, que já deu várias entrevistas, também tem um blog e está se formando em Direito. Teria férias com a filha em julho deste ano, o pai a traria, mas de última hora aproveitou mais uma brecha da Justiça e não a trouxe e nada pode ser feito. Nada? Como assim, nada?
    No último sábado estava mais do que deprimida, naquele estágio final, ouvindo Smiths e Joy Division. E também Nirvana. Então a Lívia Guimarães, uma mãe que há alguns anos não vê seus dois filhos e nem a guarda o pai tem ainda, me passou o contato de outra mãe. Resolvi escrever para ela, que não irei colocar o nome aqui, pois essa corre risco de vida, o seu ex, que mora em outro País com os dois filhos do casal, já a ameaçou de morte. Nossa, essa mãe e sua história aumentaram uma indignação que já estava no limite, ficamos até de madrugada conversando. No fim eu estava dando apoio para uma mulher que está aos frangalhos, deprimida e sem sentido na vida. E agora nos falamos diariamente e em breve vamos nos conhecer pessoalmente, porque as coincidências não param.
   A Lívia nem falava muito de sua história por aí, mas ao conseguir falar com o filho mais velho no dia do seu aniversário, nesta semana, e ser chamada por Lívia, ao invés de mãe, a dor corroeu. Resolveu mostrar sua dor para o mundo, iniciando um blog. E hoje Débora Carneiro também iniciou um blog. Desejo que todas essas mães compartilhem suas histórias. Não podemos ser tratadas como números de processos, não podemos ver nossos filhos indo embora em vida, não podemos nos resignar e aceitar uma Justiça falha, cruel, corrupta e continuar ouvindo de advogados* que, infelizmente, o sistema é assim.
   Minha emoção veio porque de repente a indignação tomou corpo e voz. Sozinhas somos apenas umas "mães loucas" querendo vencer o sistema. Juntas nos apoiamos e podemos mostrar para o mundo (sim, para o mundo) como o Brasil trata seus cidadãos. Como esse sistema arcaico nos pune e pune nossas crianças. 
    Sou feminista e cada dia mais feminista. Sei que existem pais que sofrem, mas esses tem todo o apoio da sociedade, de outras mulheres, afinal é normal o pai não exercer a guarda. Anormal é uma mãe não poder ver os filhos: "Nossa, boa coisa ela não é, algo muito grave ela fez". Um pai ausente é super aceito nesse mundo patriarcal, mas uma mãe impedida pela Justiça de exercer a maternidade, só pode ser um monstro. Ah, se todos pudessem ver os "monstros" lindos que nós somos. 
    Ainda temos que ouvir que é preciso seguir com a vida, aceitar, esquecer. Olha, com todo o respeito aos amigos de boas intenções que tentam amenizar nossa dor, esse papo é para quem perde o filho para a morte. Nesse caso não há mesmo o que fazer, é aceitar ou morrer à míngua. Mas nossos filhos estão vivos e crescendo! Não podemos aceitar isso, não podemos!

     Além de todas essas mães, minhas irmãs de dor, existem outras mãe solidárias e que não posso deixar de citar, como a Roberta, uma mãe que viaja e compartilha meu blog na Europa. A médica Rogéria, que me dá tanta força sempre. A minha outra amiga de infância que não conheço pessoalmente, Syleide Gadanho, em Portugal, com sua linda filhinha vitoriosa e batalhadora, Paulina Cabezas, desde el Chile. E a doce Adriana Abujanra, que faz contatos entre mães de todo o Brasil.

* Existem ótimos advogados e promotores e também juízes, mas já estão contaminados pela morosidade do sistema. Minha atual advogada, Lucélia Nunes, tem feito muito por mim, mesmo que nada mais dê certo, ganhei uma amiga. Paguei o mínimo do mínimo para ela, após gastar dezenas de milhares de reais com outros advogados. Espero um dia poder retribuir tudo o que ela faz por mim, em dinheiro!

* *Sou uma pessoa  musical e a música me inspira e me dá ritmo em tudo. Só escrevo com música e esse texto foi escrito com Strokes muito alto, segue o link da que mais me inspirou: http://youtu.be/OqfMnvyFoCM
   
*** Gostaria de pedir para as mães citadas colocarem os links dos respectivos blogs aqui! Amo muito todas vocês!
  

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Um Texto Por Dia

    Me sinto muito lisonjeada quando gostam do que escrevo. Só de lerem já fico feliz. Quando comecei esse blog foi por catarse, uma forma de extravasar minhas frustrações, dividir minhas angústias, angariar simpatizantes da causa. Não imaginava que tomaria proporções maiores, gigantescas, que eventos do meu cotidiano, crônicas tão simples, conquistassem pessoas em todo o mundo. Não é exagero. Há um marcador de estatísticas na administração do blog, que acesso com frequência para saber quais os posts mais lidos e o público.
    Os cinco continentes estão lendo. No início eram EUA, Portugal e Chile. De repente a Europa foi tomada e a Alemanha já passou o Chile. A Rússia acelera e já está entre os cinco países que passam de mil leituras. Vejo mesmo como uma competição, não adianta, tenho esse espírito competitivo. tem gente que me lê na China, Japão, Austrália, vários países africanos e agora... a Sérvia. Alguém me descobriu na Sérvia e lê todos os dias. Isso é muito gratificante, dá vontade de escrever sem parar.
    Então recebo muitos elogios acerca do meu talento. Não sou modesta, muitos já sabem, mas a verdade é que tenho muito mais prática do que talento. Comecei a escrever ainda criança, tinha cadernos repletos de poesias e histórias que pretendia transformar em peças infantis. Aos 11 anos comecei a escrever um diário. Escrevia para mim mesma, mas nunca o que comia ou o que vestia. Escrevia sobre acontecimentos e pessoas importantes do dia. As pessoas e suas histórias sempre me fascinaram. Escrevia sobre descobertas, sentimentos, amizades, viagens, filmes, primeiro amor. Não esperava vir a inspiração, simplesmente escrevia, todos os dias. Ser filha única ajudou, ficava muito tempo sozinha. Ainda bem que gostava muito da minha companhia e de escrever para mim mesma. Às vezes arriscava mostrar meus textos para a melhor amiga, Rosane Mendes. Ela gostava de tudo e eu tinha dúvidas se gostava mesmo ou era pela amizade. Hoje tenho certeza da crítica sincera.
    Não por acaso escolhi o Jornalismo, com letra maiúscula mesmo, não pretendia escrever por vaidade, queria ajudar as pessoas com informação, transmitir opinião, desmascarar fraudes. Idealismo puro, claro, se não perseguir nossos ideias aos 20 anos quando perseguiremos?
    Em jornais diários eram até três textos por dia. Chamávamos de pastelaria. Nem sempre era um tema que eu dominava, então dava mais trabalho, era preciso entender para disseminar a matéria. No Diário do Grande ABC algumas pessoas me inspiravam muito. Sérgio Duran e Rafael Guelta mais do que todos. Sérgio escrevia sobre teatro de um jeito tão informativo e lúdico, mesmo após 10 horas de trabalho ininterrupto. Um verdadeiro operário das letras e da cultura. Rafa transmitia informação cheia de opinião, mesmo assim conseguia ser imparcial. Tentava fazer parecido. Ainda tento. Tinha também Marcelo Mazuras, que alfinetava políticos na coluna social, em textos de, no máximo, 10 linhas. Precisão e objetividade.
  
    Li um livro há uns dois ou três anos, Fora de Série - Outliners (Malcolm Gladwell), que conta o "segredo" sobre como as pessoas alcançam o sucesso, de celebridades a pessoas comuns. Foi uma pesquisa muito bem feita para realizar o livro. A conclusão é de que não basta ter talento, são necessários vários fatores para ser excelente: amigos, família, local de origem, época em que vivem, incentivo - tipo estar no lugar certo, na hora certa. Mas, principalmente, precisa de prática, muita prática. O autor afirma que para  ser bem-sucedido em qualquer atividade é necessária uma prática de 3 horas por dia, durante 10 anos. Ninguém chega no topo sem esse tempo. São 10 mil horas de prática.
    Um dos exemplos é Bill Gates, que aos 19 anos criou a Microsoft, desde os 13 era um nerd que ficava horas diante do computador, certamente passou das tais 10 mil horas. Os Beatles só obtiveram projeção após 2 mil shows. Será que Madona seria Madona se não fossem os anos 80? O livro não é de auto-ajuda, mas ajuda a refletir sobre nosso empenho no que acreditamos ser a nossa vocação. É assim em todas as áreas, nos esportes, artes, engenharia, física, gastronomia, carreira acadêmica.
   Por isso me sinto muito agradecida pelo tanto de leitores que esse singelo blog atinge, agradeço todas as pessoas que se identificam com minhas palavras e histórias. Conheço gente, suas histórias, virtudes, incapacidades e talentos desde que nasci. Tive um pai que me estimulou muito a ler tudo que era bom. Tive ótimas professoras de português, amigos incríveis. Não é só talento, eu pratico a escrita há 35 anos! O que no final, me torna  uma medíocre...mas sigo tentando.

    

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Dançando no Escuro*

    Gosto muito de trilogias. Como os dois últimos textos são títulos de filmes, pensei em algum especial, que tenha me tocado profundamente. A experiência cinematográfica depende de vários fatores, o filme pode ser perfeito, mas se você não está num bom dia pode não gostar tanto. Outro nem tão bom, mas em boa companhia pode agradar mais. Tem a falta de companhia, o frio, calor, fome. Esse filme já começou especial. Fomos eu e Fábio, Flavia e Lois, Fernanda e Galvani numa sessão concorrida, assistir o filme de Lars Von Trier, estrelado por Bjök. Todos gostavam muito deste diretor e desta cantora. Amigos singulares, eu sei.
    A fila era grande e os seis muito falantes, gesticulando, alegres. Quando a sessão termina saem pessoas em lágrimas, de olhos vermelhos, com cara de tragédia. "- Gente, tô com medo!", brincou Fernanda. Pelo sim, pelo não fui até o banheiro buscar papel para assoar o nariz. Abri a porta e algumas mulheres em silêncio sepulcral, a sem noção aqui ainda quis fazer gracinha:"- Nossa, o filme deve ser pesado", mas uma delas rompe o clima com lágrimas e soluços. Daí fiquei com medo também!
    Ainda avisei que dava tempo da gente sair e vender nossos ingressos. Tinha muita gente do lado de fora. Mas não, o Lois insistiu, porque é cadeirante e não era qualquer sala com acessibilidade (inclusive por e com Lois entrei na causa da inclusão pelo acesso). Não tinha mais saída. Seria uma viagem para a sétima arte. Com volta duvidosa.

     Björk está perfeita como Selma, a mãe amorosa, a alma inocente. A operária que ama cinema e dança e cria musicais para fugir da dura realidade. Qualquer som é capaz de transformar-se em música. Eu não tinha filha na época, mas o mais tocante do filme era a devoção desta mãe, os sacrifícios feitos pelo filho, seu amor supremo. A trilha sonora também é da artista, que resulta no divino SelmaSongs. Quase impossível acreditar que Björk nunca tenha feito antes qualquer trabalho como atriz. Talvez Catherine Deneuve tenha colaborado nas cenas mais pesadas, a musa é a coadjuvante generosa, assim como sua personagem, amiga fiel de Björk.
      No decorrer da história, correm também as lágrimas. Mas o filme não quer te fazer chorar. O fato dela ter uma doença hereditária degenerativa e estar ficando cega não é um fardo. Selma escapa da escuridão com sua mente fértil, com as cores e coreografias que cria na volta para casa. Sua imaginação não tem limites. Essa beleza que emociona. Resignada com sua situação, a mãe só quer o bem do filho. Economiza tudo o que pode para pagar a cirurgia dele. 
     Você fica apaixonado por aquela figura doce, pela beleza da atriz, suas sutilezas. Torce por ela! Mas a moça é roubada e tudo se vira contra, sendo ela a criminosa. Mentiras, trapaças, injustiças. A indignação toma conta e surgem lágrimas de revolta, por não poder mudar nada. O sistema é assim. A injustiça dói mais que a morte. Quando o filme termina, todos estão estarrecidos, resta escuridão e silêncio. E papel para secar as lágrimas.

     Ainda tive coragem de assistir esse filme mais uma vez, em DVD, em 2001, com minha mãe, quando estava no meu repouso absoluto, na primeira gestação. Chorei bem menos, mas me senti ainda mais ligada na personagem, porque eu já me sentia mãe, existia uma vida dentro de mim, que eu tanto amava. O filme fala de resignação e coragem, tudo o que eu precisava para manter minha imobilidade e parir no tempo certo. Não podia dançar, nadar, trabalhar, nem andar, mas por tempo determinado. Isso acabaria. Assim que minha filha nascesse eu poderia voltar a fazer tudo que sempre fiz. E com ela junto!
      Só não sabia, que anos depois, mais similaridades apareceriam. Não tenho a inocência, nem humildade da operária, talvez por isso pensasse que nada parecido pudesse acontecer comigo. Um tipo de arrogância. Supunha que ninguém é tão ingênuo para cair numa trama assim. Mas quase todos são culpados até que se prove o contrário. Como Selma, tenho meus momentos de transe, quando consigo esquecer um pouco da realidade, entrando em outra vibração. De um mundo mais justo e com mais amor.


*Filme do dinamarquês Lars Von Trier (2000), completa a trilogia que incluis Ondas do Destino e Os Idiotas. Com Björk, Catherine Deneuve, Vladica Kostic e David Morse. 
 Thriller do filme: http://youtu.be/cM7FyvdkbZw 

domingo, 6 de outubro de 2013

Prefiro o Barulho do Mar*

    Conheci o rapaz por intermédio de um amigo. Falemos do amigo primeiro. João Carlos Gomes* estudava com Célia Payão, minha amiga e parceira, e estavam fazendo um curta-metragem para o encerramento da pós-graduação em Comunicação na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em 1994. A atriz, protagonista de 3 histórias, adaptadas de contos de Luís Fernando Veríssimo, não poderia mais fazer. Então Célia teve a brilhante ideia de me convidar. Tinha as características físicas necessárias, boa voz, conhecimento corporal e cara de pau. Era repórter no jornal Folha da Tarde, naquele esquema de trabalhar um final de semana, folga outro, então eram 12 dias de labuta, para 2 de folga. Isso mesmo, é assim que a maioria dos jornalistas trabalha.
    No meu final de semana de folga encontrei Celya (produtora) e João (diretor) na faculdade, para fazer a cena da garota bonita, burra e desmiolada, que é parada na rua por um pesquisador. O ator faltou e João assumiu o papel. Ele simplesmente arrasou como o cara de saco cheio, tendo que aguentar alguém que fica deslumbrada com uma entrevista de rua. Mas a moça queria ser celebridade. A moça era eu, que também atuei muito bem. Tudo fluiu perfeitamente e acabei participando da trilha sonora do curta, dei um jeito de colocar umas introduções dos Pixies nas cenas. Ficou demais!
    Em outro dia de gravação, a personagem estava encostada em um carro com pneu furado. Um rapaz tímido e educado, troca o pneu embaixo de chuva (não estava no roteiro, mas chover naquele momento foi providencial). O ator era Osvaldo Gonçalves Jr, meu primo, que estava em São Paulo, passando um final de semana comigo e eu, com terceiras intenções, o levei para gravar. Foi um trabalho não remunerado, porém de aprendizado e divertimento. Coloquei essa introdução do Pixies para quando o rapaz tímido avista a moça bonita http://youtu.be/CJZXVg6EguU
     A terceira e última cena, a da praia, foi gravada numa represa, embora eu tivesse insistido para todos irem passar o dia no Guarujá, unindo sempre o útil ao agradável. Nessa a Paulinha Soares também foi, para curtir o dia e dar uma força na produção. Não lembro o nome do ator que contracenei. Lembro do João dando ordens como diretor. Fui alguns dias ver Célia e João editarem o material e fiquei contente com o resultado final, parece que os professores e o pessoal que assistiu também. Alguns quiseram saber de onde era a atriz, que na verdade era jornalista. Depois disso perdi o contato com o João. A Célia também foi perdendo.
      
     Seis anos depois, estava em um evento para artistas, como jornalista do Sebrae- SP, procurando alguns famosos para entrevistar e vejo João. Estava igual, elegante e sorridente. Perguntei o que fazia ali e respondeu que deu tão certo o tal curta que havia se tornado ator, mas sem largar a Publicidade, trabalhava também na comunicação do Teatro Alpha. Trocamos contato, adoramos nos rever. João disse que no final de semana seguinte faria umas cenas para um curta digital e se não me interessaria em ir também, ajudar na iluminação ou em qualquer coisa. Claro que quis, estaria de folga e era o início da era digital. João seria só ator e o diretor também dividia o apartamento com ele, "um garoto mimado do interior, que o pai dá tudo o que quer, mas que tem muito talento", disse em seu tom brincalhão, que confunde o que é sério e o que é graça. Aceitei que me buscasse às 6h30 da manhã para seguirmos até a casa da avó de outra atriz, Roseane Reis. Lá seriam gravadas as cenas. Foi assim que conheci o tal rapaz, ator/diretor iniciante.
     Considerei o roteiro meio confuso, muito conceitual e não linear, com pouco tempo hábil para o desenvolver das cenas. Mas no geral, o dia, as pessoas, o trabalho, achei interessante, rendeu. Voltei no dia seguinte, afinal precisavam de mim para segurar refletor, paus, cortinas. Depois saímos todos para tomar alguns chops e brindar o encerramento das gravações. Trocamos emails e telefones. Não lembro de ter trocado olhares ou sorrisos que indicassem mais do que amizade.
       O rapaz me escreveu no dia seguinte, pedindo contatos. Como esse era meu trabalho (fazer elos, passar informações, agitar o mercado cultural), passei tudo e mais um pouco do material pedido. Agradeceu minutos depois, por telefone. Respondi que era meu trabalho, que fazia por prazer. Me convidou para sair, em algum lugar da Vila Madalena. Aceitei, mas fiquei em dúvida, por isso liguei para minha amiga de sempre e que dividia o apartamento comigo, Fernanda Robles, se poderia nos encontrar no Restaurante Soteropolitano. 
   "- Dri, mas se você não quiser ficar com o cara, não fica, não sabe dizer não?"
   "- Fer, depois de beber tudo fica muito mais interessante".
   Minha amiga fiel foi, toda linda, bióloga, bailarina, falante e irrequieta. Comemos, bebemos e rimos muito. Os sinais vieram quando ele falava colocando a mão em minha perna, prestava mais atenção em mim do que em Fernanda (linda, falante, inteligente). Sim, o cara estava interessado na minha pessoa. Eu gostava de conversar com ele e ser admirada, mas não sentia uma atração irresistível. Sou do tipo apaixonada, preciso do magnetismo. Nos despedimos e voltei para a casa com a Fernanda, que já namorava Sérgio Galvani**, com quem hoje é casada e tem três filhos lindos. 
   "- Dri, ele é legal, mas é meio esquisito" e riu daquele jeito que fecha os olhos.
   Mas o rapaz insistiu e me ligou para um convite irrecusável: assistir Preferisco Il Rumore Del Mare (Itália/2000), no Cine Sesc, da rua  Augusta. Filme lindo, sensível, delicado e profundo, me identifiquei com os personagens que eram antagônicos, um não saía do eixo e gostava da solidão, o outro era carente de afeto e rebelde. Saímos falando sobre o filme e fomos direto para um bar. 
   Bebi muito, muito mesmo, fiquei embriagada e ainda na esquina da rua Augusta com a Paulista começamos a nos beijar. Enquanto esperávamos o táxi, continuamos andando e nos beijando, talvez porque já tivéssemos falado demais, talvez porque o álcool tivesse diminuído os reflexos, a rapidez dos pensamentos e da fala. A verdade é que foi cinematográfico e poderia ter sido uma das noites mais lindas da minha vida (inesquecível é), se tivesse parado por aí. Mas o rapaz me pediu em namoro! Eu tinha 30 anos e acho que há quase 15 ninguém mais me pedia em namoro... os relacionamentos são assim, quando você percebe, está namorando. Achei tudo tão perfeito! Aceitei! "Se não der certo, termina, quantos namoros apaixonados já haviam terminado de boa? Quantos amigos ex-namorados eu tinha? Todos!"
     

    Um ano e quatro meses depois nascia minha primeira filha. A minha transformação foi imensa, meus valores mudaram, o sentido da vida mudou. Saí da avenida Paulista e fui morar numa vila de pescadores, em Boiçucanga, porque eu preferia o barulho do mar. Ainda prefiro. Nos meus momentos de reclusão, como o garoto do filme, converso comigo e conto histórias para mim. Sou uma amiga que gostaria de ter. 
    Penso em momentos que mudaram tudo. Esse dia na Paulista foi um. Hoje percebo que foi fácil me envolver com alguém tão diferente, porque algumas coisas em comum nos uniram. A superfície pode ser alterada, maquiada, mas o íntimo não. Foi fácil conquistar uma mulher da praia, que adora cinema europeu, após assistir Prefiro o Barulho do Mar. Mais fácil ainda após beber demais.
     Tiro lições de tudo, mesmo que repita o erro por teimosia ou burrice. Nunca devemos iniciar um relacionamento sob o efeito do álcool, ele deixa as pessoas, as festas e os lugares mais interessantes. Por isso é bom esperar o dia seguinte para tomar uma decisão mais séria. Já tinha aprendido isso nos livros que li do Charles Bukoswi****, mas sou muito empírica.
        Tento não me arrepender desse dia e não esquecê-lo, porque foi bonito e porque não vou mais beber tanto assim. Não com um homem pelo qual não esteja apaixonada. Tento imaginar que minha filha foi concebida nesse dia, com paixão, com esperança e em película.



* Prefiro o Barulho do Mar (2000/Itália). Direção: Mimmo Calopresti, com Silvio Orlando, Michele Raso, Paolo Cirio, Mimmo Calopresti.

** Perdi o contato com o João, já pedi para ele me adicionar no facebook, mas talvez ainda não tenha visto ou então foi tomado pela parcialidade. Gostaria que esse texto chegasse até ele. Sempre admirei sua inteligência e humor, sempre o recebi de braços abertos em minha casa, tenho várias fotos dele com minha filhinha bebê. Sou imensamente grata por todos os convites para assistir peças e espetáculos de dança no Teatro Alpha. Fiquei muito feliz quando começou a dar aulas em Mato Grosso. João Carlos Gomes tem muito o que ensinar. Mas mais do que tudo isso, queria muito essas imagens do curta, porque a Célia não tem e meu primo Jr nunca viu o trabalho dele, que ficou ótimo.

*** Conheci Sérgio Galvani há quase 20 anos, quando começou a namorar a Fernanda. Esse casal nem sabe, mas a história deles me faz acreditar no amor.

**** Bukowski é um autor contemporâneo, tipo maldito. Li vários de seus livros no início dos anos 90, sobre submundo, álcool, sexo, vazio, filosofia. Uma delícia ler seus textos, embora o tema seja sempre o mesmo. Mas é um jeito de entender porque a genialidade enlouquece as pessoas. Talvez o escritor bebesse tanto para tornar tudo mais interessante. Os poemas do Bukowski são maravilhosos.

sábado, 5 de outubro de 2013

A Espuma dos Dias*

     Após alguns dias de reclusão voluntária e necessária, aceito ir ao cinema. Só sei que é um filme francês lindo, segundo meu amigo Marcelo Santos. No elenco Audrey Tautou, o que já me faz querer vê-lo. Quando alguma atuação me toca aproveito todas as oportunidades de ser tocada novamente. Sua personagem desenvolve uma doença rara: começa a crescer uma flor de lótus em seu pulmão. Pronto, bastou para entrar na pequena sala, com ar condicionado congelante, numa sessão para 30 pessoas 
    O realismo fantástico é cheio de metáforas, o cenário parece de sonhos. Mesmo começando colorido e alegre, o filme é angustiante. O tímido, rico e despreocupado Collin tem dois amigos, um intelectual obcecado pelo filósofo Jean Soul-Partre (paródia rasgada) e um chefe de cozinha, carismático, simpático, talentoso. Collin tem uma vida fácil, abundante, onde o desperdício chega a ser repugnante. A angústia pode estar nesse vazio, mas tudo se transforma quando conhece Chloé, mulher encantadora, cheia de vida, que exala poesia. A timidez do homem quase impede o namoro, tem medo de errar no que poderia ser sua única chance de conquistá-la. Mas a leve Chloé diz que o acerto depende dos dois, se não der desta vez, podem tentar outra e outra e outra. Temos sempre outra chance de acertar.
   Apaixonam-se e casam-se. Logo após o casamento, a jovem descobre a doença, a tal flor de lótus em seu pulmão, para tratá-la toma remédios que lhe fazem passar mal. Precisa fazer com que a flor murche, para então tirá-la de seu corpo, mas ela floresce rápido dentro de Chloé. O marido perde o restante de sua fortuna com o tratamento da esposa. Trabalha pela primeira vez na vida, distanciando-se fisicamente da mulher. E tudo que era colorido e lúdico vai escurecendo, as cores vão saindo do filme. A casa vai mofando, o amigo cuidador se entrega nos cuidados e adoece junto, o obcecado se afunda em sua paranoia. 
  A metáfora é clara para quem conhece ou conheceu uma pessoa com câncer. Por algum motivo desconhecido (ou não*) a doença ataca. A pessoa que é cheia de planos, vida, esperança, amigos, fica prostrada, surpreendida, com dificuldade de tomar decisões, precisa de rumo e de muito apoio. Precisa ter suporte emocional, financeiro, físico. Muitas vezes os que estão ao seu lado também precisam. A doença pega todo mundo desprevenido. Ninguém está preparado para uma flor de lótus crescendo do nada em seu corpo.
    É como enfrentar o desconhecido diariamente, que nada mais é do que a vida de todos nós. Mas é também sentir dores físicas e emocionais por tempo indeterminado. Os que sentem a flor crescer realmente tem de aguentar. Os que estão do lado podem desistir, abandonar, ignorar. Cada um sabe a sua dor, o tamanho da sua resistência, paciência e amor. Alguns não aguentam. Outros podem superar os limites físicos e mentais, doando-se inteiramente, mesmo que no final a pessoa morra. Todos irão morrer mesmo. É a única certeza. A diferença é como cada um morre e o que deixará de bom no coração e nas mentes das pessoas. E quanto mais pessoas puderem dividir histórias, de dores e alegrias, mais leve e mágica segue a vida.

*Alguns motivos são conhecidos e relevantes, como genética, consumo de cigarros e álcool, exposição excessiva ao sol. Há várias maneiras de prevenir o aparecimento de alguns tumores, com exames preventivos simples. 

*Filme francês (2012), direção de Michel Gondry, adaptado do livro surrealista L'ecume des Jours (1947), do escritor francês Boris Vian. Com Audrey Tautou e Romain Duris.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Feliz no Rito de Passagem

    Sei que não deveria escrever isso por aqui, mas escrevo mesmo assim. Sei que a outra parte vai adorar ler tudo isso e levar para o processo. Tudo bem, sei reconhecer uma derrota. Perdi minha filha para a Justiça, para os avós, para o novo mundo dela, do qual não faço parte. Estou velha para o mercado de trabalho, decadente e saturado, dificilmente conseguirei emprego decente como jornalista. Afinal é só dar uma busca no google e logo será encontrado a edição feita pela outra parte, que piora o que já era horrível. "Pô, saiu na Globo, então é verdade! Essa mulher é uma louca, sequestradora!". Não tenho mais credibilidade nenhuma.
    Nunca entendi tanto ódio! Certa vez já estávamos separados e ele me chamou de escrota porque pedi para ficar com Dora. Eu só queria sair com um amigo para conversar. Ficou 3 meses sem ir ver a filha depois disso. Mesmo assim o mantive como dependente no meu plano de saúde Sul-América Top, embora vários amigos tenham dito que eu era boazinha demais. "Não, ele é um babaca, mas é o pai da minha filha e se sofrer um acidente na estrada quero que tenha helicóptero para socorrê-lo e o melhor atendimento".
     Estou muito deprimida, muito mesmo. Tenho um monte de amigo otimista dizendo que não posso ficar assim, tenho outra filha para criar sozinha... e isso me deprime mais ainda! Tenho outra filha para cuidar totalmente sozinha e não estou acertando nesse trabalho. Luz no fim do túnel? Pode ser um caminhão na contramão. Ontem fiquei conversando pelo computador com a Simone Raia: "Dri faz isso, faz aquilo". Não conversamos há tanto tempo que ela não sabia de várias coisas ruins que aconteceram. Me sinto chata e repetitiva. Acho que só a Marcia Abad sabe como foram meus últimos 3 anos. Acho que só ela entende realmente o que sinto e o que tenho enfrentado, porque tem sido a pessoa mais próxima de mim nesse período obscuro que não clareia nunca. Olha que eu tento, mas ninguém vê o tanto que eu tento.
      Minha mãe, com quem sempre discordo, mas não me imagino sem, levou a Miranda ontem para a casa dela, atendendo meu pedido confuso. Miranda me deixa exausta, mas me ocupa e me faz rir e adora qualquer vitamina ou arroz sem sal que eu faça. Porém me sentia mesmo aniquilada, querendo assistir Roma e não Peter Pan. Elas foram, mas não conseguia me concentrar em nada e comecei ver a imensidão de fotos que tenho guardadas. Iniciei essa função desde que reencontrei uma irmãzinha da infância, a Pimentinha. Prometi que lhe mostraria todas as nossas fotos, de maiô adidas e tudo. Mas a Regina Pimentinha é uma história que merece um texto, um livro só para ela. Estou até agora mergulhada num mar de fotos, espalhadas pela casa.
      A fotografia sempre fez parte de mim. Quando eu nasci meus pais não tinham onde morar, cada um morava com suas famílias, e moramos por meses no estúdio fotográfico dele, no centro de Santos. Não tenham dó imaginando um bebê pobrezinho, acho essa história muito singular. Quando minha mãe descobriu que estava grávida meu pai estava viajando. Não eram casados, ele só voltou 3 meses depois. Casaram-se no civil quando eu já era um feto de 4 meses. Apesar do namoro longo e da idade dos dois (Laura 34, Abel 32) ainda não tinham nada programado. Então nasci assim, numa véspera de final de Copa do Mundo, sem saber direito para onde ia. Vai ver por isso sou tão nômade. Meu pai sempre fotografava tudo e quando eu tinha uns 7 anos já me deixava fotografá-lo, pois nunca tinha foto dele em lugar nenhum. As fotos mais lindas dele são minhas. E eu era sua modelo favorita, uma das vantagens de ser filha única. Talvez por isso eu saia tão bem nas fotos, já sei meu melhor ângulo, sorriso...
     E quanto mais eu via as fotos mais lembrava de como era feliz e como poderia continuar sendo. Mas minha felicidade não depende mais de mim, não nesse momento, não nos últimos anos. O que fazer para ser feliz? Tentei encontrar naqueles momentos eternizados alguma resposta. Ainda estou tentando. Me vi atleta nas fotos de natação e o medo que tomou conta de mim quando parei de nadar e mudei para Ribeirão Preto. Tinha tantos amigos no colégio e nas piscinas, será que nos afastaríamos? Será que eu seria aceita em outros grupos? Com apenas 17 anos mudei para a cidade que chamo, carinhosamente, de Sucursal do Inferno, porque lá faz 30C no inverno. Tudo bem que fui para a casa do Paulo Miorim, amigo de meu pai e pai da Paola, Marcelo e Rodrigo, meus amigos desde sempre. A ideia, acho, era ver se me comportava bem até poder mudar para uma República. Parece que deu tudo certo, em alguns meses já estava procurando uma para dividir.
     Lembro exatamente do dia que vi uma garota baixinha, de cabelos cacheados e sorriso imenso perguntar: "Alguém sabe quem queira dividir um apartamento?". Eu! E fui me apresentar. Era a Giselle Bastos, de Campinas, que já dividia um apê de um único quarto com a Soraya Caldana, outra campineira. Essas duas foram muito importantes para mim, inclusive na minha mudança de estilo. Tinha acabado de parar de nadar e minhas roupas eram camisetas, moletons, tênis, minissaia, bermudas e poucos vestidos.
    A Gigi, estudante de Publicidade, era gerente da Ellus e a Soraya, da Alcachofra, logo fiquei linda e moderna e bem vestida, embora nunca tenha ligado muito para isso. Para completar chegou mais uma, Helena Couto. Formada em Física pela Unicamp estava meio perdida, vendo sua genialidade ser pouco aproveitada no mundo prático. Foi também trabalhar numa loja, a Zeppellin, daí eu tinha os sapatos e botas mais modernos da época. Heleninha era uma figura, acordava de mau humor, mas ia melhorando até o final do dia e acabava sempre com risadas e euforia. Tenho histórias impublicáveis sobre ela. Como eu só tinha 18 anos e as meninas entre 23 e 25, me achavam muito criança para participar de certos assuntos. Aos poucos viram que eu tinha um pouco de maturidade e experiência (não tanto quanto elas, claro).
     Fiz muitos amigos em Ribeirão Preto que trago comigo até hoje: Gustavo Liedtke, meu confidente, que me faz rir e chorar e sabe tanto de mim há tanto tempo. Fábio Diegues, que é santista, mas que fui conhecer lá na Sucursal do Inferno. Cristina Dalto, que eternizou nossa amizade em sua filha Bruna, que é minha afilhada. Célia Payão, que depois ainda foi morar comigo em São Paulo. Claudia Rubio, que tive a felicidade de reencontrar há pouco tempo e perceber que nunca deixamos de ter afinidades e seguimos um percurso parecido na vida.
     Para celebrar os novos amigos decidi fazer meu aniversário de 19 anos no tal apartamento minúsculo, além da comemoração posterior, com os amigos de Santos, que nunca deixaram de ser amigos. Meus pais foram, óbvio, levando doces, quitutes, a amiga Simone Raia e minha priminha Luaine, que sempre tive como uma irmã, de tanto que ficava em casa desde os 2 anos. Amo demais essa prima! O apartamento ficou lotado, tinha gente até na área de serviço. Também apresentei meu namorado da época, o Siquila, mas só como amigo, porque estávamos juntos há menos de um mês. A grande surpresa para a pequena Luaine, então com 9 anos, foi conhecer a Magali de Souza, a personagem das histórias em quadrinhos. Magali morava em Ribeirão e era amiga das meninas de Campinas, logo, minha amiga. "Como assim? Ela existe de verdade?" Sim, ela, a Mônica, o Cascão e o Cebolinha. Mais engraçado é que a Magali não saía do lado da mesa, nem a Simone, em todas as fotos está comendo ou pegando algo para comer. E minha mãe é especialista em preparar quitutes gostosos. Magali é mesmo uma comilona e não engorda, a danada! A Lu ficou encantada e tem várias fotos ao lado dela.
      Foi tudo perfeito! Mesmo os que beberam demais foram comportados, nem vomitaram, quem fumava ia para a sacada. Meus novos amigos foram totalmente aprovados por meus pais! Um bando de estudantes de Jornalismo e Publicidade, que falava pelos cotovelos, atropelando conversas e histórias.
      Penso que essa passagem, muitas vezes dolorosa, da adolescência para o mundo adulto, foi bem fácil para mim. Fui feliz e sabia o que queria quando muitos se sentem perdidos. Nunca tive problemas em conhecer gente, em enfrentar o novo, em mudar de cidade, casa, em manter os amigos. Talvez tudo tenha sido muito fácil para mim, por isso não consigo entender como suportar tudo que é tão difícil. Sei que há dores iguais ou piores do que a minha. Sei porque sofri muito as dores dos outros também. Mas não consigo encontrar uma saída. Não consigo.
     
http://youtu.be/nvaaX-pP4aI 
     

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O Fantasma do Alzheimer

    Quando meu pai já estava muito estranho, já até perdendo-se pela cidade, um dia foi até o meu apartamento. Eu ainda estava de camisola, jogada, pensando na minha filha de 3 anos, que eu via no Visitário Público de São Paulo todos os sábados, das 10h às 16h. A tortura era tanta que eu demorava até a semana seguinte para me recompor. Isso em 2005. O interfone tocou e pedi para mandar subir, meu pai nem me ligava mais, achei curioso ir me ver. Voltava da casa do único irmão, meu tio Filipe*, que foi-se para sempre de maneira rápida, dia 17 de junho deste ano, do coração. O porteiro teve de subir com meu pai, que não acertava o número 10 no elevador.
      Estava tão deprimida que não consegui me trocar e descer para buscá-lo. Ofereci água, conversamos um pouco e disse que tinha ido visitar a mãe, minha querida Maria do Carmo Brites, a vovó portuguesinha de 1m45cm, de cabelos branco total e olhos imensos e azuis. Mas ela havia morrido no final de 2004... foi o primeiro grande alarme: meu pai poderia ter Alzheimer. Mesmo pensando tudo isso, não conseguia agir. Pouco depois ele saiu, confundiu o elevador com a porta do vizinho. Não tive forças para seguir com ele. Olhei pela janela meu pai quase ser atropelado ao atravessar a rua, já não dirigia, ia pegar um ônibus. Nunca esqueço esse dia e não ter seguido com ele nesse momento é o maior arrependimento da minha vida. Ter deixado a tristeza me dominar ao ponto de não ajudar quem sempre me guiou nessa jornada inglória. Sempre lembro deste dia e choro.
        Certa vez chegou nervoso porque tinha perdido o dinheiro que estava em seu bolso, era o aluguel da casa da minha avó, em São Vicente. O irmão dele não acreditou que tinha perdido o dinheiro. Na verdade era difícil para todo mundo acreditar que aquele homem não conseguia realizar tarefas antes tão simples.
         O diagnóstico preciso veio em 2006. Estávamos juntos com a médica. Ainda em momento de lucidez constatou: "Quer dizer que vou morrer de Alzheimer?". "Se você tiver sorte, pai, pode ter antes um avc (acidente vascular cerebral)", respondi com o humor sarcástico que herdei ou aprendi com ele. Mas o Mal de Alzheimer não tem graça nenhuma. Hoje fiquei sabendo que Gabriel García Márquez, um dos meus autores favoritos, está com Alzheimer também. Talvez hajam tantos com essa doença porque nunca a população mundial foi tão longe na vida. Também porque os diagnósticos são mais precisos. Não há nada mais triste do que perder quem você ama a cada dia. Meu pai, meu exemplo em quase tudo, minha referência na tolerância, no diálogo, na mente aberta, nas explosões iradas seguidas de pedido de perdão, disse que nunca esqueceria de mim. Mas esqueceu. Nem se reconhecia no espelho.

      Como essa doença é genética, tenho de 20 a 40% de chances de desenvolvê-la. Como sou muito parecida com ele, acho que as chances são muitas mesmo. O perfil do paciente, antes de desenvolver a doença é de uma pessoa extremamente ativa, falante, inteligente. É tipo um excesso de produção das células nervosas, inflama tudo na cabeça, é muito neurônio. Por isso devoro todas as publicações a respeito, quero evitar ao máximo a dependência absoluta. Minhas filhas não merecem isso. Entre as formas de prevenção (ou adiamento) estão praticar esporte, conhecer lugares novos, aprender novos idiomas, ler muito, exercitar e oxigenar o cérebro ao máximo, ou seja, é preciso ter muito tempo e dinheiro, coisas que não tenho. Me resta escrever para quando eu esquecer todas as minhas histórias, minhas filhas possam lê-las.
      Meu pai também era um grande contador de histórias incríveis, teve uma vida cheia de viagens e fatos interessantes, até se afogar no trabalho para deixar algo de bom para mim e minha mãe. De nada adiantou, já com Alzheimer, foi perdendo todos os seus bens, os bancos levaram carros, imóveis, terrenos, comércio... mas o que ele tinha de melhor ficou comigo. Parte de seus livros também estão comigo. Mas não consigo me concentrar suficientemente para lê-los.
      Sobre a doença li também que estresse contínuo e profundo aceleram o processo. O que eu vivo há anos mesmo? Mas tenho um alento, se eu tiver a doença será uma forma de esquecer de tudo e todos, desse círculo vicioso de erros que se tornou minha vida, dessa dor de ter perdido uma filha para a Justiça, de ser mãe pela metade da outra filha, de não conseguir me reerguer, de ser detonada o tempo todo por gente que nunca me viu. Os que amo serão os últimos a serem esquecidos, porque o Alzheimer é assim, vai restando o que importa, até não restar mais nada.
      Coincidência ou não hoje é Dia do Idoso, se você tem alguém que ama com Alzheimer, abrace muito, as palavras perdem o significado, os gestos não.

    * Filipe Correia Mendes era meu único tio por parte de pai. Numa internação em que seu irmão ficou na UTI e só sairia de lá usando fraldas geriátricas e numa cadeira de rodas, não quis acreditar, repetia que "o Abel não está em condições de sair assim".
     Meu tio era um homem muito inteligente, apesar da diabetes que estava lhe tirando a visão, tinha plenas condições mentais, mas não conseguia aceitar ver seu irmão assim. Nesse dia no hospital, me contou coisas dos dois que me emocionaram muito. Achava meu tio arrogante, mal humorado, mas tinha uma razão forte para isso, da infância, que eu só soube depois.
     Quando vieram para o Brasil ele tinha 12 anos e meu pai 10. Minha avó detestou o mangue da praia de Santos e foi com o "Abelito" para a Argentina, onde morava parte de sua família. Deixou Filipe com o pai, Manuel, porque se levasse os dois, certamente o marido galã arrumaria outra mulher. Me coloquei no lugar daquela criança de 12 anos, em um País distante, com idioma igual, mas fala diferente, longe da mãe e do irmão e, pior, sentir-se o preterido. A arrogância nada mais era do que sua forma de defender-se do mundo. Custei a entender mas, felizmente, nos últimos anos, ficamos próximos, até me ajudou resolvendo uma pendência jurídica no início deste ano (era advogado).
      Numa de nossas últimas conversas falou muito da infância em Portugal, das brincadeiras na neve, de como o Abel era o preferido da turma. Estava me preparando para voltar de Ribeirão Preto quando recebi  a ligação de Filipinho, meu primo mais velho, sobre o falecimento. Nem dormi na viagem, me arrumei e fui direto para o velório. Estávamos nos três: eu, Filipinho e Ana Maria. Meu pai só teve a mim, meu tio só teve os dois. Ana não teve filhos, Filipinho tem uma filha, Izabela, que mora em Rondônia. Nós três ali abraçados éramos a família Mendes. Senti ali como é bom ter família, por menor que seja. Espero que o meu fantasma só assombre a mim.

"Raiva é Energia", Já Dizia o Velho Punk

   Estou sentindo uma urgência muito grande em escrever. Tive mais uma noite de insônia e escrevi um pouco de uma história linda de amor e música, que sempre me inspirou. Não pensei em tocar tão profundamente quando escrevi, deixei meu amigo Clayton Martin em lágrimas, pedi desculpa, mas ele agradeceu, disse que foi uma mistura de tristeza, alegria e orgulho e que isso fez com que se sentisse mais vivo. Lindo isso, não? Só poderia vir de alguém com sensibilidade que transborda.
    Fico num turbilhão de pensamentos e só consigo melhorar escrevendo, é tanta coisa pra dizer que não digo, penso como tem gente na minha vida que não mensura sua importância. Foi assim dia desses também, com minha inesquecível professora do primário, Lea Eloi.
     Tem vezes que penso em parar de escrever nesse blog. Não poder mais escrever sobre o processo me deprime, porque esse era o fundamento, eu só tenho minhas palavras para defender minha figura pública, amplamente detonada em rede nacional. Mas tudo que escrevo engrossa os 9 volumes do processo, porque a outra parte vai e coloca tudo lá. Se ao menos o juiz lesse... mas eu tenho tanta vontade de escrever o que vem acontecendo desde dezembro, sobre todas as dificuldades impostas por brechas da Justiça, o não cumprimento de prazo por parte do magistrado. As perícias que nunca terminam, porque a minha loucura deve ser tão genial que nenhum perito conseguiu defini-la! Ainda vão inventar um nome novo para os meus "transtornos psiquiátricos". Não sou bipolar, não tenho depressão crônica, não sou boderline, não tomo nenhum tipo de remédio, nem aspirina. O que eu tenho então? Tenho raiva, muita raiva.
       Tenho muita raiva de ser julgada o tempo todo por gente que não me conhece e nem juízes são. Hoje logo cedo me vi numa conversa de facebook que eu já tinha saído, de um desses grupos de Pais que Sofrem Alienação Parental, que culpam as mulheres e blábláblá. Já parei de culpar a outra parte, que iniciou isso tudo em 2005. A culpa é minha que transei sem camisinha e com o cara errado, fiz repouso absoluto por 7 meses e meio para minha filha nascer, não quis ir numa clínica de aborto quando o cara errado procurou uma. Não lhe dei um chute quando disse que não tinha coragem de contar para os seus pais que eu estava grávida. A culpa é minha que acreditava em Justiça.
     A culpa é, principalmente, do Judiciário, que mantém o litigio por décadas. E nesse grupo um cara vai e posta a matéria do Profissão Repórter e ainda escreve algo mais ou menos assim: "Olha o que essa artista fez, deu dois tiros, um no pé e outro na cabeça, não, foram dois tiros na cabeça" e outras coisas que embrulharam meu estômago com gastrite nervosa. Ora, meu caro desinformado, sou jornalista, o pseudo artista é a outra parte, se acredita mesmo na Globo, a alienadora oficial do País, só posso sentir pena de você e desejar que sua ex continue mantendo a guarda da criança!
    Antes eu havia escrito que sou mãe solteira e queria que o genitor reconhecesse porque preciso da pensão. Nossa, fui achincalhada! Como se as mães vivessem das pensões de seus filhos! Que o mais importante é a presença, é o amor! Se o genitor nunca quis conhecer, registrar e fugiu de exames de DNA como posso obrigar a dar amor? Agora pensão eu poderia... poderia se a Justiça não protegesse tanto os homens. Mãe solteira ainda é vista como uma devoradora, homens que não assumem filhos são amplamente aceitos na sociedade.
      Tenho raiva e muita raiva desses advogados que sugam até os ossos de seus clientes, fazendo de tudo para manter o litigio, que escrevem qualquer coisa sem provas porque sabem que levará anos até provar o contrário. Tenho muita raiva de mim, que só queria ser uma anarquista inofensiva, uma punk do amor, com meia dúzia de furos na orelha e de tatuagens pelo corpo, que só extravasava a raiva pelo mundo todo errado em shows de rock, mas me tornei uma vítima desse sistema de tortura psicológica. E tenho raiva porque o papel de vítima  nunca me caiu  bem.

Cacos de Barcelos

     Nunca gostei muito de agressões físicas, mas as pessoas que escurraçaram o Caco Barcellos durante sua tentativa frustrada de acompanhar as manifestações de junho, me representam. Agradeço a todas. Foi a prova de que esse arrogante jornalista não é o que pensava que todos pensavam dele: um sinônimo de imparcialidade e profissionalismo.
     Foi reconfortante ver o Barcellos aos cacos, com aquela cara de "sou muito melhor do que todos vocês", tendo de ouvir em uníssono uma multidão gritando "pede pra sair". Que ele não dignifica a profissão já estava claro na matéria sobre guarda, quando ele, literalmente, baba de raiva ao negar que a foquinha emotiva me contasse onde minha filha estava. Imparcialidade ali passou longe, porque foi uma jornalista para cada lado, Eliane Scardovelli ouvindo minha versão, Gabriela Lian ouvindo a da outra parte. Quando eu aprendi sobre jornalismo, diziam que o repórter deveria ouvir os dois lados, três ou quatro se preciso fosse.
    Tem o presidente da Ong APASE também, Analdino. É um advogado que adora explorar sofrimento alheio, a Ong  não tem nem endereço. Ficou super interessado no caso, pois viu ali uma forma de ter visibilidade na mídia. Me ligou, ligou para a outra parte. Disse que conheceu o Caco Barcellos, estudaram juntos em Campinas e que Caco foi afastado de seu filho, quando a criança tinha 4 anos, por isso tinha raiva das mães. Não me contou em off, portanto, posso escrever isso aqui. Verdadee ou não foi o tal Analdino o relator da história. Disse ainda que a outra parte do meu processo lhe contou que levou minha filha para Ribeirão Preto porque não daria conta de cuidar dela sozinho em São Paulo e que ficava muito mais em São Paulo mesmo. Quando perguntei se diria isso em juízo... não, claro que não. Mas como não pediu off, está aqui também.
http://youtu.be/pC9npjmGvNM

Adriana e Fernanda

    Tem um monte de gente que não me conhece, não sabe a criança fofa que eu fui, a adolescente cheia de amigos, estudiosa, atleta, cooperativa, participativa, que sempre pegou bichinhos nas ruas, que perdeu muitos amigos na juventude de mortes trágicas, que continua perdendo, mas continua amando todos eles, todos os dias vida. Muita gente não sabe que lembro de tudo porque me interesso por tudo, quando leio um livro, estou dentro do livro, quando escuto uma música, separo os instrumentos, sinto cada batida, porque bate junto do meu coração. Quando escuto uma história é com o coração também, por isso lembro de tudo, eu vivo, não fico de expectadora, eu me envolvo, eu sofro junto, eu vibro junto. Eu sou assim e sempre fui e acho que continuarei sendo e essa gente que não sabe nada de mim me critica porque "se perdeu a guarda coisa boa que ela  não é".
    Mas ao mesmo tempo tem outras pessoas que se identificam de cara, só pelo texto. E tive a sorte de conhecer pessoalmente e me tornar amiga de duas delas: Adriana Abujanra e Fernanda Vicente.
     A Dri leu o blog, me mandou um email que chorou e não conseguiu parar de ler, isso há mais de 2 anos. Quando vi Dora pela primeira vez, em Ribeirão Preto, ela foi a primeira a ligar e choramos tanto ao telefone que nem dava para conversar. Como ela mora com suas duas filhas lindas, Sof e Manu, em São Carlos, próxima a Ribeirão, fui com Miranda para lá, dias antes do Natal de 2012. Empatia imediata. Inteligente, feminista, cuida das duas filhas sozinha, numa batalha diária. Cheia das tatuagens, terna e doce. A vida lhe dá tapas e ela retribui com sorrisos, aliás, um sorriso lindo! A Dri é toda linda! Estive semana passada com elas de novo, foi ainda melhor, mesmo eu doente, imunodeprimida... a Miranda já é amiga de infância das filhas dela e isso é tão especial. As meninas nunca viram o mar e virão para cá em novembro. E quero que elas vejam como é lindo o oceano e quantas possibilidades podem trazer.

    Um dia recebi uma mensagem de Fernanda Vicente, que lia meus textos, se identificava, era jornalista, santista, mãe solteira e feminista e me apoiva. Olhei seu perfil no facebook e adicionei. Ontem, domingo, fui no Centro dos Estudantes de Santos, um lugar muito underground, fervilhante de ideias e juventude. Fui levada por meu primo, meu amor, Osvaldo Gonçalves Jr, que daria uma aula aberta de teatro infantil. Foram várias atividades infantis, com música do Palavra Cantada, gente linda, disposta no coletivo. Tinha bolo, salgados, pipoca... tudo para as crianças, até apresentação de palhaços, Miranda disse que parecia uma festa. E de certa forma, era. Coloquei uma foto da Miranda feliz da vida na internet e a Fernanda mandou uma mensagem e apareceu, com o filho Davi, um menino de 4 anos enorme, cheio de energia!
    Ela me reconheceu e nos apresentamos. Nossa! Amiga de infância! Olhos vivos, fala rápida, pensamentos claros, ideias definidas, feminista ativista mesmo, daquelas que dá orgulho de ser mulher. Trocamos até confidências íntimas. Eu não estava nos melhores dias, com a garganta doendo, que não me deixava falar muito. A Fer é tão cheia de ânimo e alegria, já combinamos outros programas com nossos filhos e já sei que será uma grande amiga. Essas duas mulheres e os acontecimentos recentes me deram um impulso no ativismo. Feminismo não é o contrário do machismo, é a luta contra ele. Difícil mudar o pensamento dos machistas, mas é possível fazer com que as mulheres se livrem deles e criar crianças sem sexismo e essa será, daqui para frente, uma das minhas principais bandeiras.

     Então alguém como eu atrai e repele. Mas ainda não sei qual é o meu problema de fato. Qual psiquiatra seria capaz de descobrir? Queria tanto ter uma resposta para tanto transtorno... que me dá muita raiva!

http://youtu.be/zN-GGeNPQEg