segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Na Quebrada de Ribeirão Preto

     Fomos buscar Dora. Eu e Paola. Queríamos ver Tim Maia, mas não daria tempo de estar de volta às 19h. Lembrei de Na Quebrada, outro nacional que tinha gostado do trailer. Eu ao lado de Dora, numa sala escura, vendo pela primeira vez um filme que não é infantil. Não consigo lembrar a última vez que isso tinha acontecido. Nós juntas em um cinema!
     O filme mostra a vida de alguns jovens na favela de Brasilândia, baseado em histórias reais. Tem tiro, assassinato, presídio, órfãos e lágrimas. Mas as cenas que mais me emocionaram (e emocionaram Dora também) foram as cenas de fantasia e sonho, quando as crianças arregalam olhos e abrem bocas assistindo um filme na tela grande pela primeira vez. Quando adolescentes sem perspectivas fazem curso de cinema e conseguem vislumbrar algo além de tráfico de drogas, armas e corpos ensanguentados.
     No final ainda ficamos sentadas por algum tempo, esperando os créditos, as músicas. Dora é tão musical! Giovana soltou uma pérola: "Não gostei. Não gosto de vocabulário restrito", referindo-se ao excessivo uso de gírias da favela. É um mundo que, provavelmente, nunca conhecerão. Eu mesma só conheci fazendo reportagens policiais ou sociais.
     Dando continuidade ao nosso hábito de ver filmes, no dia seguinte sentamos no sofá e vimos Remember Me, um romance dramático. Giovana e Dora suspiraram com a fofura do casal traumatizado, que descobre o amor. O protagonista é Robert Pattinson, que eu conhecia como o vampiro anêmico de Crepúsculo. Me convenceu tanto como o jovem poeta atormentado que esqueci completamente do vampiro. No final sobrou eu e Dora na sala. A trilha sonora indicava que algo muito ruim iria acontecer. E aconteceu. E choramos muito, novamente. E falamos de muitas coisas, mas muito pouco do que queria falar. É tão difícil não conseguir falar. Até abraçar é difícil... logo eu que sempre fui tão "abracenta e beijenta".
     Quinze dias depois nos reencontramos. Não é tão fácil retomar um vínculo com intervalos quinzenais. Não levei Miranda nos últimos encontros. Queria um tempo só nosso. Mas esse tempo ainda não chegou. Queria pensar menos e dormir mais. Será que ela sabe o quanto é maravilhosa e o quanto a amo? Tenho vontade de apertar e beijar suas bochechas, mas, às vezes, sou afastada. Não é mais uma criança. Ainda tenho as bochechas de Miranda, como isso me alivia.
    As presenças da Paola, Lívia e Giovana amenizam um pouco tudo e nada fica pesado. Desta vez vimos um outro filme Ele não está tão afim de você. Dora queria ver comédia romântica e um clima muito romântico pairava no ar. Somos todas apaixonadas. É como voltar no tempo ver Dora e Giovana em segredinhos, como era comigo e Paola na mesma idade.
     Quando tentávamos convencer Lívia, de 18 anos, a dar uma chance para um moço de 21, que "faz USP", que "é lindo, um príncipe" e está muito "interessado sinceramente" nela, Giovana, na sabedoria dos seus 13 anos, solta outra pérola: "Pensa, ele escreve direito, você sabe como isso é difícil hoje em dia?". Como não rir de chorar com esses diálogos juvenis? Eu mesma não sou boa conselheira para coisas do coração. No geral aconselho a falar a verdade e o que sente, mas só os mais puros fazem isso e, geralmente, ficam machucados. Rafinha que o diga, mas essa é outra história. Mas por algum motivo místico, os adolescentes me procuram para desabafar e saber o que fazer. Isso acontecia muito quando eu tinha 25 anos e dava aula de filosofia no colegial. Mas essa também é outra história. Talvez seja porque tenho ainda uma certa fúria juvenil e uma mania de me encantar pelo novo.
   Queria que, de alguma forma, isso me ajudasse na aproximação. Talvez eu não seja mais uma referência materna. Mas posso ser uma amiga. Por fazer muitas coisas posso parecer (ou mesmo ser) superficial, por não me aprofundar em nada, por achar que já sei o suficiente e tem muito mais para saber.
   Sou uma canastrona na maioria dos papéis. Ser amiga é meu melhor papel, sou a melhor amiga que alguém poderia ter. Qualquer um pode me chamar de madrugada porque, provavelmente, estarei acordada. De dia também. Queria que minha vida fosse como um filme com Adam Sandler. Com a mesma trilha sonora. Só por um dia. Só por hoje.

http://youtu.be/G6Kspj3OO0s

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Incêndios


    Estava em Brasília, com meus amados amigos Angel Luís e Gabriela Cunha. Nossas crianças (minha filha Miranda e seus filhos Inaê e Rudá) dormiam tranquilos. Então abrimos um vinho tinto e resolvemos ver um filme. Gabriela escolhe Incêndios. Eu nunca tinha visto, nem ouvido falar. Gab afirma que vou adorar, “é um filme impactante, daqueles que precisam ser vistos duas vezes”. Gab e Angel são aquele tipo de gente que vê filmes perturbadores para dormir, justamente para afastar o sono, coisa que não lhes falta. Adoro esse tipo de gente.
   Só sei que é uma produção canadense, dirigida por Dennis Villeneuve e que foi adaptado de peça homônima. O autor libanês, Wajdi Mouawad, não achava possível sua obra ser transformada em filme. Mas Villeneuve mostrou apenas a primeira cena, que não tem palavras, só olhares e gestos, com música de Radiohead. Isso bastou para Mouawad perceber que todo o resto seria possível. Parei de saber por aí. Ao contrário de mim, Gabriela não gosta de contar as histórias, nem os finais. Melhor assim!
   Começa com tanta intolerância seguida de violência, que paro com o vinho para não doer também o estômago. Namorado refugiado assassinado na frente da moça que o ama. Bebê arrancado de mãe e levado para orfanato. Mãe desesperada atrás do filho, fruto de muito amor, tomado de seus braços na hora do parto. Crianças aprendendo a atirar, tendo como alvo outras crianças. Menino com ódio no olhar e lábios trêmulos, controlando a vontade de chorar. Radiohead arrebentando meu coração. Aliás, a trilha sonora inteira do filme é brilhante. Não exagera, nem exclui, só aumenta a dramaticidade de todos os incêndios, reais ou metafóricos.
   Uma mulher está em estado de choque e há 5 anos parou de falar. Após sua morte, um grande amigo e advogado, chama o casal de filhos gêmeos e entrega uma carta para cada. Pede para um procurar o pai. E o outro procurar o irmão. Os gêmeos olham-se confusos. O pai estava morto e não tinham conhecimento de nenhum irmão. Assim começa a busca pelo desconhecido. Desvendam toda a verdade sobre o passado de sua mãe. Prisioneira, torturada, sobrevivente. Nada disso sabiam. E a cada nova pista, algo mais estarrecedor. Sinto que o final será surpreendente. E foi...

   Volto a tomar vinho e conversamos sobre o filme. Nossas impressões sobre como a falta de amor pode transformar uma criança indefesa em um assassino cruel são as mesmas. Tudo é terrivelmente triste. Só consegui chorar deitada, esperando o sono que nunca vem, com as cenas se repetindo em minha mente, um roteiro tão bem amarrado, montagem perfeita, interpretações tão realistas. E esse tema que sempre me intrigou, sobre a razão em tanta guerra (religiosa, política, social, pessoal). Queria tanto ter um cérebro capaz de entender e de explicar.
   No dia seguinte falamos muito sobre Incêndios. E na outra semana. Também no mês seguinte. É uma película apenas para quem tem estômago e ao mesmo tempo sensibilidade de ver beleza em escombros. Mas considero um filme fundamental. E como gosto de trilogias, segue mais uma dica de um que me tirou o sono. Se é para ficar acordada, que seja por algo que realmente me afete.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A Solidão dos Números Primos

  Passava da 1h30 e eu já estava deitada. Mas meus olhos se recusavam a fechar. Não gosto de ficar condenando meus pensamentos, tentar freá-los ou contê-los. Sou uma, mas estou sempre dividida. Nunca faço uma coisa de cada vez. Parece que existe um duplo, o tempo todo. 

   Tento ser prática, já que não consigo nem fechar os olhos como vou dormir? Vou fazer alguma coisa porque não adianta lutar contra a insônia ou amaldiçoá-la, ela vence e depois se vinga durante o dia inteiro. Vou fugir para dentro de um livro! Mas não deveria, já que o que preciso é escrever dois livros! Um até final de dezembro, outro com prazo curto, porém estendido. Vou escrever! Mas minha tendinite está latejando um pouco. Uma dor que me acompanha há tanto tempo, que quando diminui sinto até falta. O pescoço dói mais.
  Tento me iludir.  "Ah, vou ligar a TV, quem sabe uma comédia romântica inofensiva". Sei que nenhum filme me devolve ao sono. Dona insônia maldita venceu. Levanto, vou até a sala e vejo um filme já começado, italiano, que me prende na primeira cena.
    Duas adolescentes de 13, 14 anos falam de meninos. Uma delas, Alice, nunca beijou, a amiga lhe ensina a beijar e pergunta qual garoto ela gostaria de beijar. Alice diz que gosta do menino Mattia. Aquele que se esfaqueou na sala de aula.
   Mergulhei na história de Alice e Mattia, naquele tipo de roteiro que vai e volta, decifrando traumas, comungando com os desajustes dos personagens. Torço por aquele beijo que Alice tanto espera. Não sei nada sobre o filme, no que vai dar, nem a sinopse, só reconheço a atriz, que admirei no também italiano, A Bela Adormecida. 
    Penso que está acabando, mas acontece um salto no tempo e surge Alice, visivelmente atormentada e assustadoramente doente. Estremeço. Me abalo com a cena e a interpretação. Agora tenho necessidade de saber tudo sobre essa atriz que tanto me impressionou. Nem sei seu nome.
   Sigo sentindo uma mistura de náusea e angústia. Além da expectativa romântica em saber se Mattia, agora um físico genial que mora na Alemanha, irá salvá-la. Ela sabe que está se matando e pede socorro a quem esteve ao seu lado por toda vida, sem nunca tocá-la. Eu choro. Como pode tanta crueldade consigo mesma e ternura com o outro?
      Parece ser a cena final. Abraço, por favor, aconteça! Beijem-se, nem que seja por necessidade! De repente, o sinal some. Como assim não vou saber como essa história termina? O sinal volta. Nem letreiros mais estão passando. Como assim não vou saber nem o nome do filme?
     

      Passava das 3h e eu precisava saber algumas coisas antes de dormir. A pista era que Alice foi construída pela mesma atriz que incorporou Maria, de A Bela Adormecida. Descubro outros vários filmes da brilhante Alba Rohrwacher, que só em 2010, atuou em quatro. Começo a ler sobre todos eles, num site italiano. E lá estava A Solidão dos Números Primos (2010, dirigido por Saverio Costanzo), adaptação do romance La Solitudine Dei Numeri Primi, de Paolo Giordano. Pronto, agora tenho mais um livro para ler. Quero muito ler esse livro. Como eu não sabia de nada disso?
   Tento não pensar em toda a singularidade de Alice e Mattia, enquanto indivíduos. Mas em todas as similaridades, enquanto casal.
     Passa das 6h e agora só o que eu preciso é dormir. Fecho os olhos e durmo pensando no romance, no amor que não se basta. Logo tenho que acordar.

      Um pouco disso tudo http://youtu.be/uwdfCce8Yfk