terça-feira, 24 de março de 2015

Por um Mundo com Mais Beijos

   Não vi nenhum capítulo da novela global Babilônia, mas sei do beijo entre as personagens das brilhantes atrizes Fernanda Montenegro e Nathalia Thimberg, logo no primeiro capítulo. Impossível não saber. Meus amigos gays adoraram. E alguns parentes de parentes postaram coisas em redes sociais do tipo: "que nojo, que decadência essas duas grandes atrizes se submeterem a isso". Não sou do tipo de excluir ninguém em facebooks, twitter ou coisa que o valha. Acho sempre bom saber o que pensam os radicalmente diferentes de mim. Mas continua sendo incompreensível o que motiva tamanha aversão a beijos. Afinal beijo é beijo, entre homens, mulheres ou homens e mulheres. Se não gosta de beijo, não beija. O que tanto incomoda o beijo alheio?

   Daí hoje estava numa loja no Gonzaga, em Santos. Enquanto escolhia o produto ouvi o diálogo entre as vendedoras: " - Meu sobrinho foi na casa de uma tia e quando voltou perguntou para a mãe se duas mulheres podiam se beijar!". "Nossa, mas a tia beijou a namorada na frente dele?". "Já pensou como vai ficar a cabeça desse menino? Só tem 3 anos!". " E o que a sua irmã fez?". "Ah, agora nunca mais vai dormir na casa da tia". Depois dessa conversa de me embrulhar o estômago, uma delas virou-se e perguntou: "Precisa de alguma coisa?". "Me viro sozinha, mas preciso de menos preconceito, por favor". E saí andando sem ouvir o que as homofóbicas tinham a dizer.
   Infelizmente, mulheres também são homofóbicas. Minha vontade foi perguntar se elas também achavam que o tal garoto deveria parar de brincar com armas de brinquedo, parar de ver filmes e desenhos violentos e assistir lixo televisivo. Também senti vontade de dizer que a tara de 9 em cada 10 homens é ver duas mulheres se beijando (e muito mais). Que ele cresceria achando isso normal e não se tornaria um daqueles namorados escrotos que fica o tempo todo perguntando para a parceira se aceita uma segunda mulher na cama (porque homens adoram pedir uma segunda mulher na cama, mas ficam deveras ofendidos quando a resposta é: por que não um outro homem na cama?).

    Daí numa tarde de Carnaval, também em Santos, dia do aniversário de 6 anos de Miranda, dois rapazes beijavam-se com paixão, às 15h, em um ponto de ônibus. O beijo era tão ardente que chegou a ser constrangedor. Mas não porque eram dois homens, se fosse um casal heterossexual também acharia exagero, porque ali haviam crianças e idosos e cachorros. Enfim, não sou beata (bem longe disso), mas considero haver lugares apropriados para beijos tão intensos, tipo balada, calçadão da praia à noite, quarto, casa...
   Entramos no ônibus e uma outra garotinha, também com a mãe, seguindo para uma matinê, falou para Miranda: - "Nunca tinha visto dois homens se beijando". Respondi que era melhor ver dois homens se beijando do que brigando. Ela refletiu um pouco e completou: "Ou se matando". A mãe da menina me deu um sorriso de agradecimento, porque acho que não saberia o que responder para a filha. Imagino que essa criança já deva ter visto filmes em que as pessoas se matam com tiros, facadas ou requintes de crueldade, porque os filmes mostram isso o tempo todo.
    
    Já é comum ver casais homossexuais andando de mãos dadas e abraçados pelas ruas. Isso não deve chocar. O que me choca é ver casais se agredindo e xingando na rua, como presenciei no último domingo. Uma garota veio enfurecida para cima de um garoto e começou a socá-lo, repetindo "viu o que você fez?". Não sei o que o rapaz fez, mas tive pena de vê-lo levar tanto soco, com cara de perplexidade e vergonha. Só olhava incrédulo e dizia "pára, o que foi?". O detalhe é que a garota era bem mais forte do que ele, um magrelinha vestido de preto. Vai ver era emo e gosta de sofrer. Mas não deixa de ser uma cena chocante. Ainda bem que minha filha não estava junto, seria muito mais difícil explicar isso do que um beijo gay. 

   Beijo gay? Não, beijo é beijo e dizer que o beijo é gay só aumenta o preconceito. Eu quero um mundo com muitos beijos. Entre homens, mulheres, pais e filhos, mães e filhas, avós, tios, primos e amigos. Eu quero um mundo em que as pessoas fiquem chocadas com violência e não com beijos. Mesmo que só ao meu redor eu possa criar esse mundo de muitos e amorosos beijos e sem violência.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Me Abstenho Porque Eles não Valem Nada

    Apesar da crise irreversível que o País vive, da última eleição tão disputada e do meu histórico de participação política e ativismo ambiental, me abstive de escrever sobre tudo isso. Mas me sinto compelida a discorrer sobre as causas que me levaram à desilusão total, pragmatismo político absoluto e desesperança por um mundo melhor e mais justo. 
    Aos 12 anos me juntei à turma do Greenpeace para impedir a construção de três prédios de 30 andares, no Costão das Tartarugas, no canto da praia da Enseada, Guarujá. Cheguei a ver tartaruguinhas correndo para o mar na minha infância feliz e a aberração desses prédios iria fazê-las migrar e continuar migrando até não haver mais mar para migrarem. Não teve jeito. A Prefeitura do Guarujá, duvidosa desde sempre, liberou a construção em troca de milhões. Chorei muito por isso. Um ano depois tive minha primeira grande briga com meu pai, que trabalhava na construção civil e vendeu todo o cimento e cal para a obra abominável. "Se eu não vender, outros irão vender, é assim que acontece", me explicava, sem paciência para tanta ideologia juvenil. Hoje entendo o quanto tinha razão. Esse dinheiro todo talvez fosse para alguém mercenário e explorador de trabalhadores, coisa que meu pai não era.
   Na minha primeira eleição, em 1989, após os anos da ditadura, votei em Mario Covas e iria me abster no segundo turno, não conhecia Collor, não acreditava em Lula. Mas amigos petistas me convenceram que Lula seria menos pior. Votei nele. Quando o presidente caçador de marajá, Fernando Collor de Melo, convocou a população para apoiá-lo vestindo verde e amarelo, fiz carreata na avenida da praia de Santos, com carro preto e vestida de preto. Tinha esperança de mudar, tinha o frescor das ideias da juventude. Tinha endorfina e sangue nos olhos.
   
   A última vez que votei foi em 2002, no próprio Lula. Tinha esperança que o Partido dos Trabalhadores no poder daria também poder ao proletariado, que o MST, movimento que sempre admirei e apoie, ganharia força, que o desmatamento na Amazônia diminuiria, que haveria mais igualdade nos direitos civis. Eu não era proletária, graças ao capitalismo do meu pai tive muitas oportunidades e queria que os menos favorecidos também tivessem.
    Em 2003, com minha primeira filha prestes a completar 2 anos, sem apoio nenhum do pai dela (nem físico, emocional ou financeiro), fiquei realmente preocupada com seu futuro. Infelizmente não tenho o tato para vendas e negócios como meu pai e sinto muito por não ter seguido seus passos e decidido ser jornalista, uma carreira difícil, cansativa, para poucos. Na época eu tinha 20 mil reais sobrando (sim, já houve um tempo na minha vida, quando não havia processo, nem advogados, nem juízes, nem outras partes, que dinheiro me sobrava) resolvi fazer um investimento. Em novembro de 2003 procurei o gerente do meu banco para escolher uma aplicação que rendesse, nos próximos 16 anos, o suficiente para pagar a faculdade da minha filha ou comprar um pequeno apartamento, caso ela entrasse em Federal. Concluímos que o melhor seria investir na Previdência Privada, porque Lula havia sancionado uma lei que não descontava em imposto para bancos nesse investimento. Achei ótimo, até porquê sei, há décadas, que na minha velhice não poderei contar com aposentadoria. O País não tem como sustentar uma população que cresce e envelhece cada vez mais. Só pago INSS quando sou obrigada pelo holerite.  Não pago há mais de 10 anos porque jornalista contratado, com carteira de trabalho assinada, é bicho em extinção.
   Então em janeiro de 2004 recebo um documento em que meus 20 mil se transformaram em 17! O gracinha do presidente revogou a Lei, justamente entre Natal e Ano Novo, quando ninguém presta muita atenção em mudanças políticas. Pode parecer muito individualismo e talvez seja, afinal, nem o Partido dos Trabalhadores pensa no coletivo, porque eu iria pensar? Passei a ter muita raiva de Lula e sua corja.
    Em julho de 2005 estava no Chile e acompanhando as notícias do Brasil, ao lado de Francisco Javier Cabezas, meu querido Chico, vimos estarrecidos a notícia dos dólares na cueca de José Genoíno. Mandei um email na hora para Carla Stoicov, porque isso não poderia ser real, ela poderia me esclarecer melhor, talvez. Mas era! Carla, que foi petista e é uma das pessoas mais politizadas que conheço, estava em choque. Chico, que veio para o Brasil aos 6 anos, com a família, fugindo da ditadura de Pinochet, diretamente para Santo André, no ABC paulista, berço do PT e dos movimentos sindicais, quase chorou de desgosto.
      Lula não parou de me surpreender com sua soberba e egocentrismo. Houve outro caso, que poucos se lembram, mas eu, enquanto jornalista de memória privilegiada, não consigo esquecer. O correspondente norte-americano do Washignton Post escreveu que o então presidente Lula estava sempre alcoolizado em todos os eventos que participava. Lula simplesmente deportou o trabalhador para seu País, numa atitude ditatorial e que acaba com a liberdade de expressão. Se fosse uma pessoa justa levaria o caso aos tribunais, exigiria indenização. Mas não, agiu como agem pessoas sem razão e com poder ilimitado.
     Tive uma depressão arrasadora em 2004 e muitos foram os motivos que me levaram a isso. Nenhum deles foi desilusão amorosa, embora seja a pergunta que todos os homens (arrogantes) me façam. Não! Existem bilhões de homens no mundo e se um me magoar e me ferir posso chorar algumas noites, sentir dores no peito, mas sei que sempre haverá alguém melhor para mim. Como há hoje. Mas foi difícil demais ver minhas ideologias afundarem-se, não ter esperança em nada, ver meu pai morrendo em vida, cuidar sozinha de uma criança e ser desdenhada pelo pai dela, ouvindo coisas como "você quis ter, que cuide sozinha!". Foi muito difícil tudo isso, mas eu superei. Meu pai morreu e eu o enterrei. O pai da minha filha me tirou a filha e eu, finalmente, aceitei. E nunca mais votei!
     Em 2014 quase mudei de ideia, votaria na Luciana Genro no primeiro turno, mas não deu tempo de chegar na minha zona eleitoral (acho que não é coincidência o lugar onde votamos ser chamado de zona). Não votaria em Dilma para dar aval em continuar fazendo o que fazem. Não votaria em Aécio, pois parece que todos se esqueceram da tonelada de cocaína em sua propriedade. Já teve até uma ex-amiga que me disse que não acredita que ele trafique, "é para consumo próprio". Nossa, mas é cocaína para consumo próprio e para consumo de todas as futuras gerações de familiares e familiares de amigos!

    Aproxima-se 15 de março e rumores sobre impeachment. Seria o primeiro País da história a derrubar dois presidentes por clamor popular. Não estarei lá, não participo, não quero mais Dilma, mas vocês sabem quem é o vice? Michel Temer, o temerário! Seja quem for que assuma, não se iludam, nada irá mudar. Sou egoísta? Posso ser, posso ter me tornado essa pessoa amargurada e descrente, não quero mais resolver os problemas dos outros, porque muitos outros me encheram de problemas porque apenas quis ajudar. Estou onde estou e como estou porque eu escolhi ser quem sou. Não consigo nem me ajudar, nem resolver meus problemas pessoais. Como posso defender os direitos iguais se lá no Planalto está cheio de Bolsanaros dizendo que mulher tem que ganhar menos, que homossexualismo é doença? Eles não valem nada! Nem essas palavras gastas e desgastadas que vocês acabaram de ler valem alguma coisa.

quarta-feira, 4 de março de 2015

O Sarro que Fortalece e o Bullying Destruidor

   Quando eu era adolescente também existia bullying. Eu usava óculos e me chamavam de "quatro olho", mas eu nem ligava porque desde a tenra infância gostava de óculos. Depois começaram a me chamar de Velma, do Scooby Do, porque eu era metida a saber tudo e parecia mesmo com ela. Adorei tanto o apelido que nem pegou. Na natação começaram a me chamar de Fanta por causa da cor do meu cabelo. Fiz até pulseirinha com o nome, não pegou. O que eu detestava mesmo era o apelido de "mosquitinho" dado pelo meu primeiro professor de natação. Detestei tanto que nadei muito para ficar forte e grande e não fazer mais sentido o tal apelido. Aliás, o professor Roberto dava apelido antes que qualquer engraçadinho pensasse em dar. Nos ensinou cedo que o sarro viria e teríamos de ser fortes para encará-lo de frente e sem medo nem de chorar.
    Mas quando eu via que o sarro chegava na cor, no peso ou na falta de dinheiro ou habilidade dos meus amigos, eu partia para cima, literalmente. Cresci e fiquei grande cedo, então até os meninos respeitavam meus braços e tamanho. Na escola, eu levantava o punho e ameaçava, caso não parassem de tirar sarro de quem já estava chorando. Depois me tornei um pouco mais diplomática...
     Então penso que o bullying sempre existiu e talvez tenha tornado muitas pessoas mais fortes. Os nerds de ontem são os vencedores de hoje. E as bonitonas e bonitões de ontem podem ter sofrido mudanças drásticas com a perversidade do tempo. Se não há nada de muito sólido no coração ou não se tem cérebro privilegiado, sinto dizer, caso não saibam, beleza acaba. E nem sempre as cirurgias plásticas dão certo.

   No final dos anos 80, quando estava no terceiro colegial e era popular entre atletas e nerds, bonitões e magrelinhos, via com tristeza um grupo ser chamado de "bicharada", porque eram visivelmente afeminados. Um outro garoto, dos mais ricos, que já tinha carro aos 16 anos e, para mim, muito bonito e inteligente, começou a passar o intervalo com eles, indo junto comer pastel. Perguntei se não se importava de ficar com os meninos na frente de todos. "Não, pelo contrário, combinei de irmos estudar lá em casa, porque vão me tirar umas dúvidas de química e física". Sim, os meninos da "bicharada" eram ótimos alunos. Passados quase 30 anos, conversei sobre isso com o tal amigo rico. Nunca imaginei, mas ele também sofria bullying, justamente por ser tão rico e sempre chamado de playboyzinho. Se achava fraco e franzino e que as garotas se aproximavam dele pelo dinheiro, não pelo que era realmente. Me disse também saber que eu não era uma dessas garotas e também por isso nunca me esqueceu. Acredito que nunca esqueceremos quem nos defendeu ou nos defenestrou.

   O que vejo hoje é tão pior. Porque existe internet! Não é só o sarro que nos fortalece. É o sarro que humilha, rejeita, coloca abaixo do cocô do cavalo do bandido! Deixa adolescentes deprimidos sem sair da cama. Fiquei muito mal quando vi uma garota linda, que era pura doçura e gratidão, me mostrar na internet fotos da "menina mais feia do colégio", rindo. Fizeram até página com fotos dela, só para todos comentarem e "zuar". Não consegui disfarçar meu repúdio. Quis parar de ver e cada vez mais fotos que a pobre menina mesma faz e coloca no facebook. "Mas ela pede para ser zuada". Não, ela não pede, ela não se acha feia e tem pais que a amam muito e a aprovam. Ainda tentei persuadir a parar com aquilo, dizendo que ela poderia se tornar a garota mais linda e popular em um futuro próximo, dando exemplos da minha adolescência. "Mas você viu como os pais dela também são feios?". Fui dormir triste pensando em como os jovens são cruéis.

    Nessa semana, uma moça passou mal, teve diarreia no meio de uma balada em um dos lugares mais badalados de Ribeirão Preto. Não procurei saber quem é essa coitada, mas já deve estar mudando de cidade, porque a história espalhou-se viralmente pela internet. Nem eu sei o que quero dizer com esse texto. Só sei que dói em mim ver isso o tempo todo de forma arrasadora. Não é mais uma brincadeira de mau gosto, entre amigos, como há 20 anos. Hoje é uma maldade generalizada com quem não se conhece. É uma inconsequência tão grande que pode acabar com a vida de um jovem para sempre, com traumas que nunca serão superados. Tenho medo e pena, ao mesmo tempo, de quem trata o outro dessa maneira. Pode me faltar tudo, mas nunca me faltará humanidade. Nessas pessoas, falta.

   Essa é uma canção (Sounds of Silence) que ouvia muito na adolescência, quando aprendia inglês sozinha, traduzindo músicas. Sempre me ajudou muito nos momentos de solidão. Aprendi também que estar sozinho é bom e que os outros são só os outros, nunca saberão o que somos realmente, o que temos por dentro. Nosso lado mais sombrio ou mais amoroso só nós mesmos conhecemos profundamente e mais ninguém. E se algum adolescente que sofre estiver lendo esse texto, saiba que isso também vai passar. Você será sempre você o os outros, apenas os outros.

* Coloquei a música traduzida porque não quero causar bulliyng em quem não sabe inglês.

http://youtu.be/-BO_6luBp34