quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Só não tiraram o leitinho da Miranda!

    Quando perdi a guarda de Dora para seu genitor, Jonas Golfeto, fui condenada a pagar 10 mil reais para seu advogado. Ele venceu, levou o prêmio (minha filha) e tenho que pagar por isso, assim é a Justiça, fazer o que? Não paguei e os juros cresceram até chegar em 16 mil. Em abril do ano passado minha advogada da época negociou minha dívida em 16 parcelas de mil. Fui contra essa negociação, pois meu salário era de 5 mil, mais custas processuais, honorários, minhas contas, meu pai internado numa clínica de repouso e minha filha caçula Miranda, totalmente por minha conta e risco, não sobraria nada! A advogada foi tão firme em me fazer pagar que até depositou a primeira parcela para mim (que  lhe paguei no dia seguinte, claro), disse - e quase me convenceu - de que isso seria bom, o juiz veria que pago minhas dívidas, cumpro com minhas obrigações e tenho palavra. Enfim, foi feito o acordo. Mas na semana seguinte descubro que minha filha Dora foi levada para morar na casa dos avós, em Ribeirão Preto, a mais de 500 km de distância.
    Ora, isso mudaria totalmente o cenário da história. São Paulo está a menos de uma hora de Santos, posso ir e voltar no mesmo dia com folga, mesmo que fosse só para ir ao Fórum ver processo. Mas claro que em São Paulo tenho muito o que fazer, além de trabalho, entrevistas e ver amigos queridos. Ir para Ribeirão Preto e voltar no mesmo dia é quase inconcebível (mas já fiz isso algumas vezes). Tenho lá uma grande e querida amiga de infância, Paola Miorim, que me hospeda sempre, que tem duas filhas lindas e inteligentes, o que torna minhas viagens menos dolorosas e sempre construtivas, cheias de conversas sobre todos os assuntos e lembranças íntimas e pessoais, que só sabe quem viveu uma vida junto. Santista, atleta, linda e meio nerd, Paola faz parte da minha vida desde sempre, pois nadamos e estudamos juntas. Conheço toda a sua família e ela conhece a minha. Um dia ela até tentou falar com o guardião de Dora, por telefone, para entregar uns livros e roupas preferidas da minha filha, mas ele desligou na cara dela, pois se é minha amiga,  não pode ser gente boa. Ah, quanto engano...
    Enfim, cada viagem para Ribeirão, mesmo com hospedagem garantida, sai cara. Também pago para advogados irem, tudo muito cansativo, porque quase sempre é "infrutífero". Escrevi para o advogado da outra parte, o jovem Danilo Murari, assim que soube da agressiva mudança de Dora para Ribeirão Preto e da minha impossibilidade de continuar pagando, mesmo fazendo outros trabalhos free lancer. Nenhuma resposta, só um pedido de execução da dívida. Pois o juiz executou a dívida. Meus bens foram alienados, minha conta está bloqueada, por sorte, estava negativa no dia do bloqueio. Mas eis que na manhã do último domingo recebo uma ligação da minha advogada, perguntando se eu tinha outra conta. "Não que eu me lembre". "É que saiu uma publicação dizendo que a execução foi parcialmente frutífera". 
    Isso já revirou meu estômago. No dia seguinte fui procurar saber o que havia acontecido: pegaram o dinheiro da poupança que fiz para Miranda! Está no nome dela, mas como é menor e a responsável legal sou eu, tiraram o dinheiro que guardo para minha filha! Isso é vergonhoso...
    Tão vergonhoso quanto essa família Golfeto é o que a Justiça faz com Miranda. Nunca comentei sobre o suposto pai de Miranda, até porque ele ainda é suposto, já que não registrou a menina. Quando eu contei sobre a gravidez, ele me disse que estava namorando, diante da minha surpresa, esclareceu que estava com as duas ao mesmo tempo, para decidir com qual ficaria, como se fosse a última bolacha do pacote. Me surpreendi, porque ele era um professor de natação, educação física, surfe e adorava crianças. Dizia ser louco para ter um filho, enfim, me decepcionei com a atitude, mas como já sofria com um pai obcecado por me separar da minha filha, acreditei que seria melhor sem pai (e a situação de Miranda é de longe muito melhor que a de Dora). Como o cara às vezes ligava chorando ou aparecia chorando arrependido, mas logo depois ignorava a gravidez, decidi pedir Investigação de Paternidade, ainda grávida de 7 meses, para acabar com tanta indecisão.
    O primeiro exame de DNA foi marcado quando Miranda tinha 1 ano e 11 meses! Ele não foi. Daí o segundo foi marcado quando ela tinha 3 anos e 4 meses. Nada de novo. O que acontece agora? Marca-se o terceiro exame, se o provável genitor não aparecer, daí é julgado à revelia, mas ainda pode recorrer. Depois disso é obrigado a pagar pensão retroativa, mas pode dizer que não tem dinheiro. Perguntei para a advogada dessa ação porque não o contrário: o homem é considerado pai, paga pensão até fazer o DNA, caso não seja o pai, a mãe devolve com juros e retroativo? "Ora, porque a Justiça entende que a mãe já vai ter gasto com a criança e não terá como devolver?" E a Justiça não entende que se a mãe não tiver condições a criança pode passar privações e até fome? Não, as Leis foram escritas por homens, homens que parecem que nunca tiveram mãe.
    Enfim, a Justiça para Miranda é tão ineficiente como a Justiça para Dora. Eu sustentei Dora sozinha até ser levada, nunca pedi pensão para Jonas Golfeto, até porque os avós é que seriam acionados, já que são eles que sustentam o filho e nunca quis encrenca com aquela família. Agora, além de tudo, eles querem tirar o que dou para Miranda! É de dar dó dessa gente. Não basta deixarem Dora sem mãe, eles também querem que a mãe de Dora fique à mingua e que sua irmãzinha passe necessidade.
    Eu, se fosse José Hércules Golfeto, o psiquiatra infantil "renomado", avô de minha filha, mentor disso tudo, que há quase 2 anos não permite que eu fale ao telefone com Dora, teria vergonha de sair às ruas! Lamentável tudo isso. Miranda já sofre a falta da irmã, logo mais sofrerá privações por conta de uma família tão mesquinha, que nem a conhce, mas já a prejudica, só porque ela é minha filha. Só não digo que tiraram o leitinho da Miranda porque ela ainda mama em meus seios.
 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O dia em que conheci Claudio Tognolli e Rodrigo Vianna

    Pensei que seria mais uma matéria banal sobre o movimento pró-reabertura dos cassinos, com muitos políticos e empresários. Como seria um evento no Hotel Casa Grande (um 5 estrelas conhecido na cidade de Guarujá - SP) e com show de Fausto Fawcett, da famosa música Kátia Flávia (a Godiva do Irajá), seria divertido. A canção composta por Fausto tocou muito nas rádios, o que tornou esse jornalista, autor teatral e escritor de ficção científica, uma figura conhecida.  Apesar de não concordar com o lobby dos cassinos, seria interessante um show com Loiraças Belzebus.
    No meio da multidão vi um cara com olhar agitado e óculos de grau igual ao meu, deveria ser um jornalista. Me aproximei, me apresentei como repórter do jornal Diário da Cidade, caso ele precisasse saber sobre alguém ou alguma coisa da Baixada Santista. "Obrigada, sou Claudio Tognolli" e logo comentou sobre nossos óculos idênticos. "Mas você não é repórter especial da Folha de São Paulo?". Lia as matérias do cara e achei curioso que o mandassem para fazer uma de puro lobby, isso seria coisa mais para um iniciante ou correspondente na Baixada.
    Com seu jeito rápido de falar sobre tudo, me esclareceu que estava ali atrás do bicheiro Ivo Noal, foragido da polícia há mais de 6 meses. Ele estava atrás desse cara e tinha certeza de que o encontraria ali. Eu nem sabia que esse Ivo Noal existia, mas achei o máximo poder participar dessa investigação. Então saímos pelos corredores do Hotel, dando uma de perdidos. Até que Claudio avistou o foragido! Corremos feito loucos atrás dele, eu com minha filmadora VHS, que tinha levado para gravar o show, ele com uma máquina minúscula, portátil, sem recursos, mas que deu  muitas capas para o jornal. Cheia de adrenalina e um pouco esbaforida, segui por outro lado, para tentar cercá-lo. Em vão, o cara sabia como fugir e deveria ter um carro importado esperando na saída. Perguntamos para vários dos presentes sobre o aparecimento do bicheiro, ninguém sabia, ninguém viu, como se fosse um fantasma que só nossa mediunidade avistou.
   Novamente no salão, Tognolli acena para um repórter de TV, alinhado e charmoso, com microfone em punho. Era Rodrigo Vianna, que acabara de sair da Folha de São Paulo e estava em uma de suas primeiras matérias para a TV Cultura. Narramos o acontecido e Rodrigo ficou arrasado por não ter captado essa imagem. "Mas ela tem!", apontou Claudio. Na mesma hora entreguei minha fita para Rodrigo, que adiantou que a Cultura não paga imagens, mas colocaria meus créditos como cinegrafista. Adorei! Mas pedi para devolver depois, já que também haviam imagens pessoais de shows e viagens.
    Enquanto eu fazia anotações para a matéria que só entraria no dia seguinte, vi Tognolli ligar para a redação e ditar cada palavra e vírgula do texto que abriria uma página. Sem erros, com precisão cirúrgica. Não havia internet, nem telefones celulares. Depois Claudio dispensou o táxi e eu o levei até onde estava hospedado. Mas antes ficamos sentados no calçadão da praia, ouvindo o barulho do mar e conversando sobre jornalismo, investigações e rock. Para minha agradável surpresa ele era totalmente rock, já havia entrevistado metade dos meus ídolos e tinha uma coleção de guitarras. 
   Minha matéria ficou infinitamente melhor do que eu mesma imaginei. Escrevi com muita vontade na manhã seguinte. Recebi ligações dos dois jornalistas. Claudio para trocar figurinhas, Rodrigo para passar um endereço em que ele pudesse entregar a fita e me agradacer mais uma vez. Com certo orgulho assisti ao jornal da Cultura, com as imagens do bicheiro Ivo Noal rindo e bebendo com os engravatados, depois correndo por corredores, com minha câmera atrás dele. Nos créditos aparecia Imagens Adriana Mendes.  O jovem e promissor repórter de TV deixou  meu material na casa da avó de uma amiga, em São Paulo. Dona Alice ficou encantada com a educação, beleza e gentileza do rapaz.
    Com Rodrigo Vianna não encontrei mais pessoalmente, mas com Claudio Tognolli tive a oportunidade de outros encontros e coincidências e até o entrevistei antes do lançamento de um de seus livros, O Século do Crime. Pode ser que nenhum dos dois lembre-se deste dia ou desta matéria. Mas para mim, uma foquinha de 22 anos, foi marcante. Em poucas horas aprendi mais sobre jornalismo do que em um semestre inteiro de faculdade. O espírito investigativo e generoso de Tognolli, que não manteve para si a notícia, espalhando-a para outro veículo de comunicação foi uma demonstração de como fazer da profissão um bem de utilidade pública. Ético, não iria passar para um jornal concorrente, mas por que não mostrar imagens desta fuga para uma TV? Por que não enriquecer a matéria de seu colega? Como o professor universitário que também viria a ser, não se importou de me explicar quem era o bicheiro, que eu nem sabia que existia. Também não tive vergonha de dizer que não sabia. Rodrigo Vianna, por sua vez, mostrou sua gratidão e foi pessoalmente entregar uma fita caseira, na casa de uma senhora.
    Não é por acaso que Claudio Tognolli seguiu fazendo reportagens cada vez mais investigativas, em que teve de mudar, inclusive, a identidade. E Rodrigo Vianna não era só um profissional bem apessoado e de voz bonita. Sua preocupação social, com a ética e com os direitos humanos estão explícitos em seu blog. Adoro ler Escrivinhador, no  www.rodrigovianna.com.br. Sempre tem informação, com muita opinião.
     Aquela noite foi daqueles momentos de estar no lugar e hora certas. Mas, principalmente, com as pessoas certas. Era uma noite estrelada, num Hotel em frente ao mar. Poderia ter sido só mais uma noite tranquila, com uma matéria meio boba, sobre um evento que não dizia muito. Mas tornou-se numa espécie de marco para aquela garota foquinha. Foi uma noite apenas, mas que me mostrou que investigar e perseguir a notícia é ainda mais divertido que um show de rock.
   
   

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A Menina Que Queria Ser Escritora

   Desde muito cedo já sabia o que queria ser: escritora. Ao começar ler e escrever vislumbrei o mundo mágico das palavras, suas formas, nuances e circunstâncias. Escrevia como falava e falava como pensava. Logo percebi que meus escritos materializavam meus pensamentos, então escrever tornou-se a forma mais prática e sincera de declarar minha amizade, meu amor, minhas desculpas... porque a fala pode sair alterada, embargada, mas a escrita é cadenciada, pensada, ponderada.
    Com 9 anos descobri a poesia e que sabia escrevê-la. Poesia não existe sem música, que não existe sem poesia. Daí começou a paixão pela  música. Também percebia que quanto mais triste estava, mais escrevia. Não havia muita tristeza na minha infância, talvez ser a única pessoa que conhecesse sem irmãos. Sempre quis ter um irmão. Mas sempre tive muitos amigos e primos, o que compensava um pouco. Em casa era eu, meus cadernos e canetas. Então lia e escrevia até dormir...
    Sempre senti um vazio imenso, desde muito nova, a falta de algo que não sabia o que era. Por meus pais as influências eram distintas: minha mãe esperava uma filha prendada, que lhe encheria de netos, meu pai ansiava por uma filha bem-sucedida, independente, livre. O maior problema de ser filha única é a imensa expectativa dos dois lados. Segui  mais as expectativas de meu pai, apesar de não ser exatamente a profissional que ele sonhava (engenheira), para minha mãe eu dizia que se quisesse tantos netos, deveria ter tido mais filhos.
    Realista desde sempre, constatei aos 13 anos que ser escritora, viver disso, era algo inviável. Que faculdade eu faria? Então, ao ler revistas, jornais, publicações independentes, descobri que o jornalismo era o que mais se aproximava de literatura. Não escreveria o que pensava, mas escreveria os fatos, do meu jeito. Segui decidida até o vestibular, nunca tive dúvidas do que queria ser. Continuava escrevendo poesias e diários e tomando para mim as dores do mundo. Sofria por famintos, por desabrigados, por torturados... até que comecei a sofrer por perdas pessoais. A primeira foi uma amiga de 13 anos, Ana Cristina, que nadava comigo, era da minha classe e também do Centro Cívico da escola, em que eu era tesoureira. Loira, alta, forte e de óculos fundo de garrafa, tinha um senso de humor incrível! Ficávamos juntas na diretoria preparando eventos, conversando com diretor e professores. Tenho uma foto linda com ela, nós duas com 8 anos, na beira da piscina, de maiô, dançando valsa. Essa amiga levou um tiro na cabeça, do namorado adolescente da irmã mais velha... ficou em coma 3 dias e morreu. A irmã mais velha? Enlouqueceu por um tempo. Eu? Percebi que o mundo não era um lugar seguro.
    Com 15 anos fui no enterro do amigo Alemão do Tombo, um surfista profissional de 23 anos, que morreu de aneurisma no mar, enquanto surfava. Então tive certeza da fragilidade da vida. Quando eu tinha 16, outro amigo querido foi baleado,  voltava de bicicleta para casa, um assaltante levou seus tênis, após lhe dar um tiro na barriga, com balas de chumbinho. Ademar Adelson Pereira dos Santos, ótimo aluno, nadador e vocalista de uma banda, tinha 19 anos... e seu enterro foi de música e lágrimas. Escrevi sobre os três e sobre muitos outros amigos que se foram tão jovens. Mais do que a perda, escrevia sobre suas breves e marcantes passagens. Sobre a sorte de ter participado, mesmo que por tão pouco tempo, da trajetória dessas pessoas tão queridas, tão especiais.
    As perdas não pararam por aí, algumas, não todas, já escrevi por aqui. Talvez esses fatos me tenham tornado uma pessoa mais visceral, sem tempo para desajustes, com uma pressa quase doentia de resolver tudo rápido. O jornalismo me pegou por isso, por essa agilidade, ver meu trabalho pronto no mesmo instante. Não queria escrever apenas sobre problemas, queria soluções.
    Também convivi com muitos amigos portadores de doenças crônicas: diabetes, HIV, câncer, esclerose múltipla. Nunca fui de ignorar nada, meu jeito de ajudar sempre foi buscando informação, divulgando-as. Com 13 anos a diabetes para mim era apenas um problema de alguém que não podia comer açúcar. Até que fui dormir na casa de uma nadadora,  portadora da doença. Antes de dormir ela pegou uma injeção de insulina e aplicou-se. Com 13 anos! Passei mal porque sempre tive problemas com agulhas e me achei uma idiota, naquela situação os pais dela tendo de se preocupar comigo! Essa era a rotina dela, uma garota divertidíssima e com 2 irmãos nadadores lindos! Fiz até teste de glicemia e descobri que era hipoglicêmica. Medicina preventiva sempre foi e continuará sendo a mais eficaz.
    Quando o tio das minhas melhores amigas morreu de AIDS em 1989, saí correndo atrás de todas as informações sobre essa doença cravada de preconceito. Não consigo contar quantos amigos e familiares de amigos já tiveram câncer, de quase todos os tipos. A vida é miserável? Não, ela apenas mostra o tempo todo que é frágil, delicada e que odiar, brigar e ficar mal por pouco é perdê-la.
    Nunca julguei que sou um imã de pessoas que morrem cedo, tem doenças graves, perdem membros, são cadeirantes. Penso que sou uma pessoa que tem amigos demais, que adora conhecer gente, de saber suas histórias e participar delas. Penso que quanto mais gente eu conheço, mais amor recebo e dou. E que se essas pessoas passarem por provas duras e árduas, estarei lá, sempre que puder e até quando não puder. Isso não é um fardo, é uma dádiva! Ver a superação, a grandiosidade de algumas pessoas, fazer parte dessas histórias e poder contá-las é uma honra, um privilégio para mim.

     O tal vazio que sentia na infância foi preenchido quando me tornei mãe. De alguma forma passaria minha visão do mundo, meus pensamentos, meus exemplos para alguém que, se fosse uma pessoa melhor, já faria um mundo melhor. Vi muita miséria, muita dor, como jornalista vi velhinhos abandonados em asilos, crianças morrendo por falta de leito, morrendo no leito. Mas nunca pensei que seria assolada pela maior de todas as misérias: a falta de amor. Mas também não sou única nessa batalha, quantas mães sofrem como eu? Conheço tantas que já criamos um grupo de apoio virtual e escreverei sobre isso em outra ocasião, porque hoje já chorei demais.
     Na época em que minha infância era poesia com música, essa era uma das minhas canções preferidas. Foi assim que comecei no meu inglês, cantava as músicas, lendo as letras. Mas precisava saber o que cantava e pedi um dicionário para o meu pai. Com música e poesia, afastava a solidão.
    

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Em que Dimensão eu Tenho Visitas com Dora?

   Não tenho escrito mais sobre o processo porque desde que o atual juiz - o quarto desde que a outra parte entrou com a ação de Regularização de Visitas com Suspensão das Mesmas - esperei que algo se resolvesse. Em junho esse juiz sentenciou que as visitas, acordadas em agosto  de 2011, com supervisão de uma psicóloga escolhida pela outra parte, se iniciassem "o quanto antes!" Nunca se iniciaram. Apenas em agosto a outra parte me enviou um email para entrar em contato com Fabíola Januário Martins. Liguei, ela disse que me retornaria após o feriado de 7 de setembro. Até agora nada. Escrevi para a outra parte, mais uma enrolação. 
   Estive em Ribeirão Preto no dia 23 de agosto distribuindo uma ação pedindo visitas para Miranda, no feriado de 7 setembro. Obviamenet, não esperava mais resultado disto, não para o 7 de setembro deste ano. Estive mais duas vezes em Ribeirão Preto, em setembro. Numa delas com Miranda, consegui falar com o juiz, até cair em prantos quando Miranda pediu para ver Dorinha. Ela pensava que iria ver a irmã, estava entendendo tudo o tempo todo!
    No dia 28 de setembro voltei para Ribeirão Preto. Tentei ver o processo, mas estava com o juiz, para "conclusos". Esperei, tinha que seguir viagem para Uberaba. O juiz mandou um recado que na segunda me daria uma resposta. Na segunda, dia 1 de outubro. Eleições, folga nesta segunda, ligo no cartório, ligo de novo. Houve uma conclusão, está no site. Com o coração aos pulos fui ver o que o juiz decidiu: será que hoje poderei ver minha filha por skype? Será que minha mãe poderá vê-la neste feriado? Será que o juiz deu alguma resposta sobre a ação de alienação parental que eu dei entrada há 14 meses? Não! Essa foi a sentença dele: 

A presente ação cautelar foi promovida pela menor Miranda Mendes, representada por sua mãe Adriana de Carvalho Mendes, contra Jonas Melo Golfeto, para poder visitar a irmã Dora Mendes Golfeto, também absolutamente incapaz, que está sob a guarda do requerido. Pretendia que lhe fosse assegurado direito de visitas no dia 7 de setembro, para que passassem juntas o feriados em Santos, onde mora a requerente, e acompanhadas da avó materna. Entretanto, os autos somente foram apensados aos de regulamentação de visitas no dia 11 de setembro, como vista aberta ao representante do Ministério Público no dia seguinte, quando, pois, a ação já estava prejudicada. Vieram-me os autos à conclusão no último dia 21. Esta ação, portanto, já perdeu seu objeto. E, de toda maneira, cabe notar que a cautelar não poderia ter caráter satisfativo, e nem ser tratadas as visitas de forma assim casuística, se a representante legal da requerente é que, naturalmente, exerceria também o direito de visitas à filha Dora, e se no caso há conflito intenso de Adriana com Jonas, na ação de regulamentação de visitas que a primeira propôs, e onde já há regulamentação provisória, que não poderia ser alterada assim de plano e de forma exaustiva, não podendo a genitora querer que aquele direito de visitas provisoriamente ajustado tenha alcance maior ou seja de súbito modificado, ainda que agora se valendo da irmã da criança, Miranda, pois é óbvio que quando a mãe exercer as visitas à filha Dora já estará sendo indiretamente assegurado tal direito à irmã Miranda, requerente desta ação. Sendo assim, com base no art. 267, VI, do CPC, julgo extinta a ação, sem resolução de seu mérito, determinando a remessa dos autos ao arquivo, conquanto à requerente são deferidos os benefícios da assistência judiciária gratuita. P. R. I. C.
 
  Ora, mas isso era óbvio! Eu não esperava mais nada sobre visita de Miranda! Era uma liminar urgente em agosto, se ele  não deu resposta até 7 de setembro, não precisava mais. Para piorar ainda tira um sarro da minha cara, diz que já há uma regularização provisória! Em que dimensão isso acontece? Em que planeta eu visito Dora? E ainda diz que a regulamentação de visitas foi proposta por mim! Ora, em que momento eu pedi regularização de visitas com suspensão das mesmas? Dá para ler a inical para ver quem é o requerente e o requerido? 
  Dá para imaginar a dor que eu sinto cada vez que vou até a cidade em quem minha filha está apreendida? O quanto dói não poder vê-la, pois se tentar na casa chamam a policia, se for na escola, estarei expondo-a. Dá para entender como se sente uma mãe há exatos 20 meses proibida de abraçar sua filha? Ela cresceu dentro de mim, alimentou-se no meu seio...  
   É possível dimensionar o tamanho da minha indignação com esse resultado? A verdade é que não vou fazer mais nenhum movimento. A família Golfeto venceu, parabéns, conseguiram deixar uma criança órfã de mãe viva, com toda a ajuda do judiciário. Conseguiram separar duas irmãs na infância, para evitar sentimentos maiores. Dorinha, sempre vou te amar, quando você crescer e puder sozinha procurar por sua mamãe, estarei logo ali, no primeiro clique. E farei de tudo para Miranda nunca te esquecer, porque se acontecer uma tragédia maior comigo nesse tempo, ela poderá te contar a mãe incrível que eu fui.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A Essência Impregnada

    Comecei a arrumar gavetas e caixas de Dora. Há mais de 20 meses está tudo intocado, o quarto tem movimento porque dormem hóspedes, passeiam gatos e os brinquedos e roupas de Miranda estão guardados lá. Mas nem as duas caixas de Barbies são muito usadas. Miranda prefere bebês e bichinhos de pelúcia. Tem vezes que abre as gavetas da irmã desaparecida, escolhe alguns vestidos e os veste. Não é que muitos deles já servem nela? Como é grande essa Miranda! Roda sorridente com os vestidos de Dorinha, mas começo com espirros descontrolados, devido às inúmeras alergias desenvolvidas desde que perdi minha filha mais velha. É imensurável a dor de nunca mais ver quem você gerou, pariu, amamentou e por 9 anos viu crescer... é o oco do vazio ver as roupas e imaginar de que tamanho estaria agora essa criança. Dói tão dilasceradamente que o corpo só pode reagir com aversão.

    Parece o relato da mãe de um filho que morreu, eu sei. Também sei que minha filha está viva (ao menos não fui comunicada do contrário), mas não fazemos mais parte uma da vida da outra desde que Dora foi apreendida, na busca feita em sua escola, no dia 10 de fevereiro de 2011. Minha filha foi apreendida e levada e ponto. Impedida de ver sua mãe, sua irmã, seus amigos. Impedida de usar suas roupas, brincar com seus brinquedos, expressar seus sentimentos e suas vontades. Isso não é um tipo de morte? Isso não é um assassinato? O que fazem com Dora é muito pior do que fazem comigo. Continuo sendo mãe. Ela perdeu a mãe. E também a irmã, a mesma que agora dança com suas roupas e folheia os seus livros. Há 20 meses Dora parou de ver Miranda crescer. Nem imagino quando se encontrarão de novo. Tão pouco a surpresa de ambas, ao perceberem o quanto estão mudadas. Posso ter uma leve ideia pelo que aconteceu ontem, quando Miranda viu a capa do DVD Harry Potter e a Ordem da Fênix. Me perguntou porquê os três estavam tão estranhos, expliquei que cresceram. "Será que Dorinha também vai estar assim?"
    Como se já não bastassem as tristezas e dramas inevitáveis da vida, me obrigam a suportar o absurdo de ter duas filhas proibidas de conviver, de brincar, de amar! Irmãs proibidas de crescerem juntas! Quem deveria defender os direitos das crianças? Realmente não sei o que acontece, não entendo o tempo, a demora... será que os profissionais de Vara de Família ainda não entenderam que as crianças crescem? Será que não entendem que o magistrado não nos faz favores? São todos funcionários públicos! Para quem Miranda e Dora irão reclamar quando souberem que foram impedidas de viver juntas? De participar da festa de aniversário uma da outra? Ou fazer a festa juntas, já ambas nasceram em fevereiro, com 7 dias de diferença.
    Entre minha indignação, misturada com revolta, torturada de saudade... encontro um caderno que Dora me deu, no nosso último Dia das Mães, em maio de 2010. A cada página um desenho mais lindo e colorido, com mensagens e declarações de amor, entre elas, uma que me fez chorar aos soluços: "Mamãe, você me dá tudo o que eu preciso: amor, carinho, aconchego, proteção e é por isso que te amo tanto". Também encontrei uma redação, O Cão Herói, onde conta, como uma repórter, a história de um destemido cão, que salvou 14 pessoas numa enchente na cidade de São Paulo, com datas, endereços e nomes. Então passei do choro ao riso, pensando na minha influência sobre a cria. Dora sempre gostou de escrever e fazer perguntas e sempre me viu resgatando animais abandonados. A verdade é que atos ficam muito mais impregnados do que palavras.
    No meio dos cadernos da escola de Dora caiu um cartão postal. Era de Gramado (RS), datava de 7 de julho de 1991. "Adriana, estou aqui em Gramado fazendo um curso. Tem pessoas elegantes, cultas e está tudo super interessante. Estou bebendo muito vinho. Faz frio. Saudades de você e de seus pais. Beijos para você e para a dona Laura. Do amigo, Gustavo Liedtke". A amizade com essa pessoa gentil, amável, inteligente e muito espirituosa começou em Ribeirão Preto. Nos conhecemos na faculdade Unaerp, em 1989. Adolescentes que dividiam o tempo entre estudos, inclusive da língua alemã, saídas, viagens e festas. Engraçado era quando nos chamavam de herdeiros, porque nos consideravam muito ricos.
    Nesses mais de 20 anos sempre tivemos notícias um do outro, mesmo quando esse criativo publicitário foi morar na China. Gustavo chegou a conhecer Dora quando ainda era bebê. Depois, com tudo isso que virou minha vida, nos perdemos um pouco. Por essas maravilhosas coincidências do destino, nos reaproximamos mais do que nunca no ano passado, no que posso chamar de a pior fase da minha vida. O humor sarcástico dele em muitos momentos me tirou das lágrimas. O pai dele também faleceu em consequência do Alzheimer, por isso soube exatamente o que me dizer quando o meu se foi. Gustavo trabalha hoje numa importadora de vinhos e continua bebendo com maestria, tornando o hábito, uma arte. O que tenho aprendido com ele sobre enologia é para uma futura tese.
     O que mais me emocionou neste cartão é perceber que a nossa essência continua a mesma. Quanta gentileza, carinho e amizade estão contidos nele. A delicadeza de lembrar-se de meus pais. O comentário sobre a elegância e cultura das pessoas. Assim, também a essência de Dora está impregnada nela, sua generosidade, gratidão, amor, bondade. Por mais que 20 anos se passem.
    
   

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

"Viver Não é Preciso"



   Há pouco mais de um mês voltei a nadar. O primeiro dia foi muito difícil, as pernas não batiam na velocidade que meu cérebro ordenava, os braços não puxavam a água e não lembrava como respirar em três tempos. Mas no terceiro dia o “professor” já veio perguntar se eu era nadadora, se competia... afinal, por pior que estejam as braçadas de um nadador aposentado, dá para saber quem nadou desde criancinha. Quando respondi sim a todas suas perguntas, me chamou para treinar com o pessoal de “águas abertas”, na Unimes, de Santos. Na mesma Unimes Dora fazia nado sincronizado. Eu levava Dora para o treino e Miranda ficava no carrinho dormindo, com meses de vida. Na época imaginava o dia em que Dora estaria na piscina de Saltos Ornamentais, onde treinava nado, Miranda na aula infantil de natação e eu dando umas braçadas com os adultos. 
   Meu desejo de praticar esporte junto às filhas atletas concretizou-se em parte. Levei Miranda para fazer uma aula experimental. Não só ela adorou, jogando-se na piscina destemidamente, como chorou quando a aula terminou, após 50 minutos de movimentos ininterruptos. Miranda tem DNA aquático, mas com tendência forte para a dança, o esporte/arte.
   Ainda não consegui nadar cinco vezes por semana, como é meu objetivo, mas passado um mês já consigo sentir meus braços como remos e minhas pernas já estão bem mais fortes e rápidas. Fico tão cansada que durmo junto com Miranda às 21h, mesmo se deixo luzes e computador ligados. É o melhor cansaço que existe: o do exercício físico. É tão bom fazer algo que te lembra quem você é. Natação é um esporte solitário e silencioso, em que o nadador só depende dele mesmo, ouve apenas os sons de suas braçadas e bolhas na piscina. Apesar de solidariedade ser fundamental na vida, é bom não esperar nada de ninguém e ser capaz de fazer todo o possível sozinho.
   Enquanto eu nado penso na solução de problemas, lembro dos tantos momentos que só aconteceram porque eu era nadadora, todos os amigos que tenho comigo até hoje. * “Nadar é preciso, viver não é preciso”. A primeira vez que fiz uma análise profunda desta frase foi aos 15 anos. Estava numa rede, balançando com o jovem ator Alexandre Corrêa, hoje Borges, do grupo Boi Voador. Com 19 anos, o lindo, talentoso, sensível e promissor artista lia um texto compenetradamente, enquanto me questionava sobre a profundidade da frase. Na minha visão simplista queria dizer que a vida não é precisa, não há precisão nenhuma na vida. Na navegação, sim. Como eu treinava muito naquela época, logo fiz uma analogia com a natação, esporte totalmente preciso e técnico. “Nadar é preciso, viver não é preciso”.
   Alê não queria apenas "declamar" a frase com voz potente, queria transmitir o significado daquilo. Vivia um tempo de muitas dúvidas, como quase todo adolescente, sua única certeza era que fazia exatamente o que deveria fazer: atuava. Também sentiu que “atuar é preciso, viver não é preciso”. 

   O primeiro contato com uma família muito singular e especial aconteceu em 1985. Estava no primeiro colegial e uma das minha melhores amigas de escola era Geórgia. No segundo ano tinha um garoto muito lindo e carismático, que tocava violão e cantava as músicas do Legião Urbana, falei que gostaria muito de conhecer o André, que para minha surpresa era irmão de Geórgia. Logo ela disse que ele era minha cara e nos tornaríamos amigos, mas que eu precisava conhecer o seu outro irmão, também ator, que morava em São Paulo. Realmente André se tornou um companheiro de vida, com algumas ausências por nossas agendas complexas, mas sempre presente. E, obviamente, adorei Alexandre. 
   Aos poucos fui conhecendo toda a família. O pai deles era diretor de teatro, o santista Tanah Corrêa. Alê era filho único de seu primeiro casamento. André, Geórgia e Kênia eram filhos dele com Elza Piacentini, uma mulher muito sábia, que me acolhia em sua casa como membro da família. No começo era confuso, porque o pai (Tanah) estava no quarto casamento, tinha outras filhas e eram todos irmãos, mesmo que nem tivessem mais o mesmo DNA. Como Janaína, que era irmã dos irmãos de Alexandre, mas coberta de mimos como sua caçulinha. Minha mãe achava tudo muito estranho, mas antes que soltasse alguma pérola preconceituosa sobre a família de artistas, lembrei-lhe que namorou Plínio Marcos, o mais maldito dos malditos, quando o mesmo ainda estava no circo. Mas ela nunca falou nada, ao contrário, quanto mais conhecia os irmãos, mais gostava de todos.
   Alê era fã de Elvis, e sempre que estava na casa da Elza, nas suas folgas de ensaio, dançava comigo Love Me Tender, com cara de galã e jeito de menino. Me sentia uma garota muito especial, por conhecer uma família tão grande, tão cheia de referências, tão amorosa, em que todos se respeitavam tanto. Alexandre me convenceu a fazer curso de teatro “porque eu tinha uma bela voz, rosto expressivo e cinematográfico”. Confesso que adorei o curso com Walderez de Barros, mas nadar, encenar, fazer computação e inglês fez com que minhas notas caíssem e meu pai falou para eu parar com alguma coisa. Larguei o teatro (mas o teatro nunca me largou). Continuei precisando da natação, a única coisa precisa em minha vida.
   Fui ver muitas das peças dos irmãos atores. André por um tempo tentou deixar a carreira, fez publicidade, mas o ofício nunca deixou dele, por incrível que pareça, era a atuação que lhe pagava as contas! André não poderia negar o próprio talento, seria blasflêmia! O sonho de Alexandre era fazer cinema, nunca o ouvi falando de atuar em TV, não naquela época, mas cinema era sua grande paixão... até que um dia ele estreou em Terra Estrangeira*. E com que satisfação assisti Alê engrandecendo um papel pequeno (o contraventor Miguel) com seu talento, carisma e um tanto de disciplina. Já como jornalista o entrevistei algumas vezes, percebendo que o estrelato em nada alterou sua sensibilidade e respeito aos outros. Ele sempre teve brilho próprio, portanto sempre foi uma estrela. Trabalhar no que ama, ser reconhecido por seu trabalho é uma das maiores satisfações que se pode ter na vida. Fico tão feliz em acompanhar a trajetória de dedicação, trabalho e sucesso de tantas pessoas. Uma famílias tão grande, com tantas separações e novas uniões, mas mantendo sempre o foco no mais importante: ser e fazer feliz.

* A frase Navegar é preciso, viver não é preciso tornou-se famosa como citação do escritor português Fernando Pessoa, mas a afirmação foi do general romano Pompeu, em 70 A.C. Há muitas análises para essa frase, subjetivamente também pode considerar a navegação como descoberta, portanto jogar-se na vida seria preciso. Viver por viver, não. Filosofia para horas e dias...

* Terra Estrangeira (1995). Primeiro filme dirigido pela dupla Walter Salles e Daniela Thomas, um dos meus longas favoritos, não só por ser esteticamente e de roteiro perfeitos, mas porque representou a retomada do cinema nacional após a Era Collor. É um "documentário" sobre a juventude da época.