sábado, 12 de dezembro de 2015

Estudantes: Assim Nascem os Anarquistas

  No final de 2013 recebi um email de Mayara Queiroz, uma estudante que precisava defender o Anarquismo numa aula. Me disse que não sabia nada sobre o tema, estava perdida e chegou até minha pessoa por meio desse blog. A defesa seria como um tribunal, cada grupo defendendo um sistema político (presidencialismo, monarquia, parlamentarismo, socialismo, comunismo, capitalismo). Ela queria respostas minhas, o que achei interessante, já que não se contentava com googles e wikipedias da vida. Respondi o que pude, indiquei livros, autores e passei o contato de um amigo anarquista, Jonatas Nunes, que passou ainda mais informações.
   Eu disse ser um prazer disseminar ideais anarquistas. Mayara agradeceu: "Muito obrigada, o tribunal já acontecerá semana que vem e eu ando vendo uns filmes para me informar e tals, tudo o que souber e lembrar e puder me ajudar avise aqui, por favor". Uma semana depois recebi uma linda resposta:
  "Venho agradecê-los por toda a ajuda que me deram, a base e os ensinamentos. Sou muito grata e graças a vocês vencemos no tribunal! Arrasamos! Acabei com a vida daqueles que eram contra o anarquismo. Critiquei tão bem o capitalismo que não tinha como eles vencerem. Convenci muito bem o júri, me desconheci rsrs. Então, muito obrigada, gente!
 
  Fiquei muito emocionada, mais ainda quando soube que era uma garota de 16 anos, ainda no colegial. Nem tinha perguntado nada, pois "deduzi" que era estudante de Direito, pelas perguntas, por como escrevia bem. Me deu muita esperança porque ela disse que todo o grupo virou anarquista e os outros grupos se interessaram pelos livros e filmes que viram.
  Estava há 2 anos para escrever sobre esse acontecido, mas fui deixando, deixando e agora parece ser muito pertinente o assunto. A maioria das pessoas pensa que anarquia é bagunça, é vandalismo e em momentos como o que vivemos, com a ocupação dos estudantes nas escolas paulistas, o que mais escuto é que estão fazendo uma anarquia, mas no sentido pejorativo. Sim, esses jovens estudantes estão em um sistema anárquico ocupando as escolas. Eles estão dividindo tarefas, cozinhando, limpando, fazendo leituras, dormindo, acordando de forma anárquica, organizada.
   Pacificamente estão lutando contra o opressor, no caso o Governo do Estado de São Paulo, que impôs uma "reorganização" fechando quase 100 escolas. O Governo pensava que essa garotada era alienada e iria aceitar facilmente ser transferida para escolas geograficamente distantes, causando transtorno diário na família toda e até causando o abandono escolar. É muito antagonismo querer reorganizar fechando escolas ao invés de construir escolas novas. Os alunos conseguiram em um mês o que a APEOSP (Sindicato dos Professores de Ensino Oficial do Estado de São Paulo) não conseguiu em 20 anos: negociar e vencer a negociação com o Estado. E ainda tem gente que chama esse movimento estudantil, a mais revolucionária manifestação no Brasil neste início de século, de baderneia anarquista. Sendo que uma coisa nada tem a ver com outra.
    O mais sensato a fazer é mandar quem não entende nada de anarquia estudar um pouco de história. Seria capaz de escrever um tratado sobre anarquismo, mas vou apenas em um ponto, deste sistema que chegou ao Brasil no final do século XIX, pelos imigrantes europeus, principalmente os italianos. Primeiro uma definição simples sobre o que significa anarquia, que é a"ausência de governo". Representa o estado da sociedade ideal em que o bem comum resultaria da coerência entre os interesses de cada um. A anarquia é contra a divisão em classes e toda a espécie de opressão de uns sobre os outros. O anarquismo rejeita o poder estatal e acredita que a convivência entre os seres humanos pode ser determinada pela vontade e razão de cada um. E o ponto que quero chegar é sobre a Educação Libertária proposta pelos anarquistas, que consideram a educação uma maneira de emancipação do indivíduo e dessa forma pode nascer a base de uma nova sociedade. E é justamente essa emancipação que não interessa aos políticos e governos. Quanto mais sabemos, mais questionamos.
   Parece utopia? Sim, parece. Mas esses estudantes paulistas estão provando que não. Eles podem ser os donos das suas escolas, lutar contra o Estado opressor, que não media balas de chumbo e spray de pimenta contra esses meninos. A coisa estava ficando tão violenta que logo haveria um mártir assassinado por algum policial militar do Governo paulista. Ainda bem que o apoio dos pais, sociedade e Jornalistas Livres mostraram o que estava realmente acontecendo. Minha esperança nasceu em Mayara e continua agora nos milhares de jovens nas escolas.



sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O Corpo é Meu

   Há algum tempo vem circulando nas redes sociais do Brasil coisas do tipo #meuprimeiroassedio e #meuamigosecreto. Para quem não entendeu: é uma forma da mulher liberar um assunto muitas vezes sufocado, engasgado e esquecido em algum lugar sombrio da mente. Sempre houve assédio forte e precoce e o tal "amigo secreto" é alguém que teve confiança das mulheres e traiu essa confiança, usando-a.
   Tenho incontáveis amigos homens que são muito participativos na causa do feminismo. Mas jamais poderão ser feministas, pois não são mulheres. Assim como sou partidária contra a homofobia e racismo, mas jamais poderei lutar verdadeiramente pela causa, já que não sou homossexual, nem negra. Sinto o racismo de outra forma, como senti ao ter um namorado negro. Sinto a homofobia quando percebo olhares que recriminam meus amigos gays. Então só as mulheres sabem o que é andar na rua e ouvir todos os tipos de "gracinhas", como se fossemos feitas para isso, como se fôssemos objeto de prazer. Só nós sabemos o que é ter que puxar a saia para baixo ou diminuir o decote para não sentir-se um pedaço de carne suculenta perto de ser devorada.
   Fiquei peituda e cheia de formas muito cedo. No ambiente aquático que frequentava sempre me senti completamente feliz e a vontade com meu corpo. Acredito que os meninos que nadavam, cresceram com a gente, viam tantas garotas (claro que o número masculino era bem maior), que nunca me senti devorada. Sempre me senti respeitada. E hoje percebo a sorte que tive. Às vezes penso quantas mulheres já foram estupradas e quantas vezes voltei sozinha para casa tarde da noite e nunca passei perto disso. Nem com pessoas próximas, que é como acontece o maior número de estupros infantis. É triste pensar que tive sorte, até porque tenho duas filhas e temo muito por elas também. E ainda temo por mim. E por todas as mulheres.
    Meu primeiro assédio, que me lembro, assédio pesado, veio do pai de uma amiga, uma grande amiga. Eu tinha 13 anos, um corpo de 18 e estava no quarto dela. O pai se aproximou da cama onde eu lia um livro. Passou a mão nos meus cabelos. Não senti nada de diferente, pois meu pai me tratava assim, com muito carinho, com afagos. Mas o pai da minha amiga me puxou para beijá-lo na boca. Fiquei tão confusa que só consegui gritar pelo nome dela, que em pouco tempo veio da cozinha. Ele saiu. Não contei nada a ninguém e nunca mais dormi na casa dela. Esta é a primeira vez que comento o assunto. Nunca esqueci, mas não se tornou um trauma. Foi um jeito de me tornar mais esperta quanto à maldade e covardia de certos homens.
     Não sei se foi a partir desse dia que fortaleci ainda mais meu desejo de ser reconhecida por minhas ideias e histórias e não por meu corpo e pele macia de nadadora (o cloro diário tira toda a camada de células mortas da pele, por isso, ao contrário do que se pensa, atletas aquáticos não tem pele detonada e sim, muito macia). Usava óculos e nunca pensei em colocar lente de contato, nunca tratei meu cabelo mais do que com shampoo e condicionador. Eu mesma faço as unhas e muitas vezes corto o próprio cabelo, um jeito punk de ser, do tipo "faça você mesmo". Também cortava o cabelo das minhas amigas da natação. Corto cabelo de amigas até hoje. Ontem mesmo cortei o cabelo de uma amiga.
     Tive alguns namorados muito ciumentos, que não aceitavam eu ter amizade com outros rapazes ou mesmo com ex-namorados. Acontecia que o namoro sempre acabava. Não sou de provocar ciúmes. Mas ninguém pode ser meu dono, a não ser que eu queira ser de alguém. E já quis e quis muito. Mas, geralmente quando eu quero ser só de alguém, esse alguém não quer.
    Enfim, tentei ao máximo ser reconhecida pelo que sou e não pelo que tenho ou tive. Mas nunca teve jeito. Os garotos e os homens sempre falavam dos meus seios fartos, da pele, do cheiro... aceitei. Hoje meus seios são pequenos, "murchos". E me intriga que ainda, aos 45 anos, me sentindo bem acabada fisicamente, continue atraindo pelo corpo.
     Aceitei que o interesse começa pelo corpo, pelo que é visto por fora. Mas só dura e vale muito mais o que cresce com os sorrisos, a intimidade, as histórias de vida, as caminhadas pelas ruas, as idas ao cinema, os mergulhos no mar, a amizade que fica quando o amor romântico acaba. Então decidi que o corpo era meu e que eu faria o que quisesse com ele. Sexo casual, quando você não espera, mas dá vontade e acontece. Sexo com amor, aquela coisa sublime e rara, que é maravilhosa e depois te faz sofrer. Sexo por compaixão, quando você nem está com muita vontade, mas sente tanto a vontade do outro que cede e acaba sendo muito bom também. O corpo é tão meu que digo não, mesmo com muito desejo, porque penso e sei que o depois vai ser um vazio de abismo. Não quero ser só um pedaço de carne. Não sou, nunca fui e nem serei.
      E o dia mais feliz para mim será quando todas as mulheres tiverem poder absoluto sobre o próprio corpo, sem medo de serem atacadas pela roupa que estão usando (embora muçulmanas de burca também sejam estupradas), sem agradecer por nunca ter sido violentada fisicamente. E também sei que, se esse dia chegar, não estarei mais aqui.

sábado, 14 de novembro de 2015

O Mar de Lama


    Desde o rompimento das barragens em Mariana (MG), no último dia 5, tento escrever sobre essa catástrofe ambiental, a maior da história do País. Mas eu esperava mais notícias e meu instinto curioso e investigativo não cansou de procurar fora das grandes mídias nacionais. Porque se fosse depender de Rede Globo ou Folha de São Paulo para manter-me bem informada, só saberia como o brasileiro é solidário, como foi o resgate da cadelinha após 3 dias soterrada. O sofrível apelo ao sentimentalismo, sempre. Não que os desabrigados de Mariana não mereçam receber doações de todos os cantos do Brasil. Mas se a barragem rompida pertence à Samarco/Vale do Rio Doce, essas deveriam enviar todos os donativos, providenciar hospedagem às vítimas, tratar dos funerais.
   O que eu previa, no meu não acadêmico conhecimento ambiental, é que a contaminação seria grande e inevitável e o curso do rio Doce seguiria levando a tabela periódica inteira até desaguar no mar. Alguns dias depois, lendo mídias locais, soube que Governador Valadares estava sem água e a previsão é que esse cenário caótico se estenderia por um mês. Um mês sem água! O que acontece em uma cidade sem água nos hospitais, escolas, casas e ruas? Vi imagens de pessoas recolhendo água de esgoto.
    No dia 12 de novembro, enfim, saiu o resultado de análises laboratoriais de amostras da água do rio Doce, encomendadas pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), de Baixo Guandu. Foi detectada a presença de metais pesados como chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e mercúrio. O Rio Doce está morto! É aterrador, não serve mais para nada (irrigação, animais e pessoas). Fora o tanto de animais e plantas mortos pelo caminho. O mar de lama foi devastando todo o ecossistema que encontrava pela frente. Só no dia 12 de novembro o Governo Estadual solicitou ao Federal o apoio do Ministério da Integração Nacional e do Exército Brasileiro para “amenizar” os problemas que serão enfrentados pela passagem da lama pelo território do Espírito Santo. A principal preocupação é com o abastecimento de água. Alguém sabe o que acontecerá quando essa lama chegar ao mar? Já estão sendo tomadas providencias quanto a isso?
   E tem mais: o rompimento dessas barragens não foi acidente! Não é possível tratar como tal. Há mais de dois anos foi feita uma perícia e o resultado é que as barragens estavam condenadas. Foi uma tragédia anunciada, como tantas no Brasil. Não foi abalo sísmico! E a imprensa não cobre como deve cobrir um acontecimento desses. Seria porque a Vale do Rio Doce é grande anunciante? Será porque esqueceram de fiscalizar tudo o que foi privatizado nesse País desde os anos 90 e as grandes corporações de comunicação se negam a denunciar mazelas do PSDB?
   E onde estava esse Governo desgovernado que nem para sobrevoar de helicóptero o local? Onde estavam presidente Dilma, ministros do Meio Ambiente e Minas e Energia? Estavam tentado limpar e encobrir a própria sujeira? Reunião de cúpula para decidir qual a melhor desculpa a ser dada?
   Esse mar de lama dá menção a várias metáforas. Eu mesma tenho vivido num mar de lama, tenho me sentido um lixo físico, mental e moral. E não é possível nadar na lama, nem enxergar nada. É uma cegueira absurda, que faz com que eu conheça o pior de mim, porque não vejo horizontes, porque fecho meus olhos e sinto o que há no meu coração. Há indignação e dores da alma. E a dor é bem maior do que as dores do corpo. Porque Justiça aqui tarda e falha. Porque a Direita quer nos ver de novo nas trevas. Perde tempo em retrocessos como criminalizar o aborto para estuprada! Isso na mesma semana em que considera família apenas um lar com homem, mulher e uma criança. Então o que dizer para o filho do estupro? Porque há pouco tempo queria a Cura Gay. Isso nada mais é que desviar a atenção do que realmente importa. Porque não temos mais esquerda.
   Sei que ainda há muito para investigar sobre a tragédia que começou em Mariana e segue até o mar. Quanto mais procuro, mais acho. E quando começava a escrever esse texto aconteceu o atentado em Paris. Prato cheio para a grande mídia brasileira, que jogou os holofotes para lá, desviando a atenção como se desviam nossos milhões para bancos suíços. Tenho amigos em Paris. Falei com um por longo tempo ontem mesmo, Jamiro Oliveira. Ele está bem e contou um pouco do caos de lá. Mas isso eu escreverei em outro post. Porque o mar de lama aqui é grande, é um reflexo do nosso desgoverno. Como bem escreveu meu colega jornalista e poeta, André Argolo:

Toda barragem tenta conter
o que não se quer contido
e quando vaza, é enlouquecidamente

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Precisamos Falar Sobre Suicídio

    O que tem de gente se matando não pode mais ser ignorado. No último mês soube de cinco suicídios cometidos na Baixada Santista, mais precisamente em Santos e Guarujá, três deles na última semana, de pessoas entre 20 e 50 anos. Duas mulheres, um garoto lindo. Amigos de amigos meus. Penso que não exista uma pessoa que não conheça alguém que se matou. Se for falar em conhecer quem já tentou se matar, esse número quadriplica.
  Acontece que esse assunto é um dos maiores tabus que persiste na humanidade. Talvez o maior. As famílias não falam sobre isso, evitam dizer a verdade sobre a morte do ente querido. A mídia não divulga, pois há uma "estatística" de que quando alguém "famoso" se mata ou quando se publica, aumenta o número de suicídio. Quando trabalhei no Governo do Estado de São Paulo fiquei estarrecida com o número de suicídios cometidos nos metrôs paulistanos. Não era divulgado.
   Dói falar nisso? Sim, dói bastante, é triste saber que alguém com saúde física, com família, amigos, se mata. Li em algum lugar que o desespero é o amor desgovernado. Então penso que as pessoas que cometem suicídio estão desesperadas, sem esperança de nada. Elas tem amor dentro delas, tem o amor dos outros, mas não sabem governá-lo. 
   A depressão é algo que se instala aos poucos e as pessoas próximas precisam estar atentas, muito atentas. Pode começar com falta de apetite, falta ou excesso de sono, desleixo com tudo. A depressão é uma falta que não tem explicação. Há culpa, medo de pedir ajuda e não ser ajudado, paúra de se tornar um estorvo para os outros. Quem tem depressão pensa que ninguém o quer por perto, pois realmente é muito difícil ficar perto de quem está longe de si mesmo. Como disse Gustavo Liedtke, um amado amigo meu: "quando você fala em suicídio, eu morro um pouco também". Acredito nisso e penso que todos os deprimidos também, por isso não falam.
   Muitas vezes o deprimido não quer morrer, quer mudar de vida. Muitas vezes acredita que há algo melhor depois da morte. Muitas vezes é só um ato alucinado, onde não há real intenção de morrer, mas de chamar a atenção para sua dor. 
   Quando alguém que parece ter tudo (amor, família, dinheiro, profissão, carreira) se mata, fica uma indignação em volta, uma certa frustração dos que ficaram, não tem nada disso, mas seguem alegres. Mas é preciso pensar que pode haver um buraco tão grande dentro dessa pessoa que a mesma se perde dentro dele e não consegue sair. Não consegue olhar em volta e ver todas as coisas lindas que existem nesse mundo. Também há guerra, ganância, capitalismo selvagem, destruição. Para haver o bem é preciso haver o mal, senão, como saberíamos diferenciá-los? 
    Sempre fui do tipo que sofre pelos outros, que sente a dor do outro, sou de uma compaixão exagerada. Na maioria das vezes em que me machucaram, guardei para mim a dor, evitando sempre a briga, o conflito. Guardar tanto machuca ainda mais. Então fico parecendo aquela pessoa tão boa e abnegada que aceita tudo. Mas não sou assim e decidi mudar. Não quero partir para brigas inúteis, mas não quero mais deixar parecer que está tudo bem. Porque não está bem. Resolvi mudar e apagar tudo do passado que possa me deixar triste. Quando lembranças ruins chegam, eu parto. Quando lembranças boas chegam para lembrar que são só lembranças, mudo a estação. Quando fico sabendo que alguém jovem, com uma vida inteira pela frente, matou-se, sinto compaixão. Sei que tentou até onde conseguiu. Sei que será julgado. 
    Os que tentam se matar e não conseguem são, da mesma forma, muito julgados. Como se as pessoas próximas não o deixassem esquecer de tal desatino. Isso machuca demais. Deixem que a pessoa fale quando quiser falar. Digam que estarão sempre quando ela precisar, mesmo que não consigam estar. Talvez por ter essa compaixão com suicidas, me chegam sempre pensamentos autodestrutivos um dia antes de alguém próximo se matar. Parece que os pensamentos das pessoas chegam até mim. Sinto como se os pensamentos não fossem meus. É um dom de presságio que eu não gostaria de ter. Preferiria que viesse a imagem da pessoa, para que eu pudesse ligar para ela, correr até ela e abraçá-la. 
     Aconteceu isso no ano passado. Eu estava com uns pensamentos mórbidos, pensei que era pelo período de mudança, de tentativa de mudança que eu passava. Tive insônia. E no dia seguinte veio uma trágica notícia. Nesta semana também me senti muito mal, sem dormir, sem comer. Dias depois, trágica notícia. Seguida de julgamentos, apontamentos, injúrias. E a pobre moça, linda, cantante e cheia de vida pela frente, não poderá nem se explicar. Há explicação?
     As religiões abominam o suicídio. Pregam o inferno para quem os comete. Há culpa o tempo todo, arrependimento. É uma decisão tão pessoal, como julgar o que o outro sentia para fazer isso? Não pensou nos filhos? Não pensou nos pais? Nos amigos? Óbvio que não! A pessoa não pensa nem nela mesma, como pensar nos outros?
    A pessoa está em desespero, que é o tal do amor desgovernado. Só não entendo porque esse medo em falar sobre suicídio. Admiro quem conta suas experiências, as torna públicas. Admiro quem tem coragem de falar a verdade, a sua verdade, pois sabemos que a verdade tem dois lados.
     Se você, que lê essas linhas confusas agora, conhece alguém com os sintomas acima citados (falta de fome, de sono, desleixo, apatia), não pense que é preguiça, falta de vontade, desânimo. Quando é passageiro, pode ser apenas uma melancolia sobre coisas da vida, mas quando o estado de paralisação não passa, ajude quem você ama. Talvez só precise colocar o seu amor nos trilhos.
   

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O Cientista

   Em alguns momentos da vida consigo sentir a força de algo maior, não sei se posso chamar de Deus, mas é uma satisfação e certeza de  que estou no lugar certo, fazendo a coisa certa ou com a pessoa certa. No meu último relacionamento senti isso, uma alegria tão grande durante a união física que só poderia ser decorrente da vibração da alma. Sentia algo sublime, uma felicidade imensa em estar manifestando o meu amor. Esse êxtase espiritual superava a alegria do encontro físico. Sabia que vivia a pior fase da minha vida, sabia que era difícil colocar alguém na montanha russa em que me encontrava, mas não conseguia evitar um sentimento tão puro. Comecei a pensar que o amor verdadeiro só pode ser uma manifestação de Deus. Uma forma de atingir a perfeição por meio da união com o outro. Todos os meus momentos com ele foram perfeitos.
    Mas ele rompeu comigo. Primeiro disse que era um afastamento, um tempo para que eu me estruturasse, resolvesse meus problemas maiores, filhas, contas, trabalho. Ao terminar disse que me amava, mas eu era uma repetição das mulheres do seu passado e precisava mudar isso em sua vida. Chorei por seis horas seguidas, assim que ele se foi. Por semanas não conseguia dormir. Porém, ele não sumiu da minha vida, teria sido muito mais fácil esquecer, cheguei a pedir para que me dissesse que estava em outra, mas negou, chegou a jurar por Deus. Me escrevia diariamente falando do tamanho da sua saudade, que sofria, que me amava. Por três meses agiu assim. Só quando escrevi de forma um pouco mais dura, porque não aguentava mais tanta enrolação, admitiu que me deixou porque conheceu uma mulher como ele queria. Nas palavras dele: “bonita, chefe de cozinha, sem filhos, “trilhardária”, nunca terá problemas de dinheiro na vida”. Disse que não se apaixonou, mas achou interessante. E decidiu me deixar para aprender “coisas” com ela. Talvez já tivesse aprendido o que precisava comigo. A vida e o amor são aprendizados.
     Isso foi uma apunhalada no meu peito, das mais profundas. Eu pensava que era alguém cheio de amor e espiritualidade, mas não passava de um materialista. Isso lá é forma de descrever uma mulher com a qual se relacionou? Cadê características mais profundas, menos superficiais? Nos três meses em que me cozinhou (deve ter tomado gosto pela culinária) estava com ela. Viajou para outro País, inclusive, numa espécie de lua-de-mel, em lugares paradisíacos, comida excepcional (segundo as próprias palavras dele) e de lá me escrevia diariamente. Garantiu que ela sempre soube. Da minha parte, duvido. Nem eu, na pior fase da minha baixa estima, me sujeitaria a tal humilhação. .E eu nunca soube, nunca me contou Mas disse que havia terminado, porque o amor com ela não vinha e que todo o sentimento dele era por mim. Sei que o amor supera tudo e eu teria superado. Mas a verdade é que o amor puro e verdadeiro só existia da minha parte. Não tenho raiva. Ao contrário, continuo sentindo amor. Porque amor é isso, quanto mais você tem, mais você recebe.
   Sofri demais, porém desejo que ele tenha encontrado o amor puro e verdadeiro, sobre o qual ele tanto fala e escreve, nessa mulher. Porque é deveras triste passar a vida em busca de algo e nunca encontrar. Depois de uma certa idade, parece que algumas pessoas se desesperam nessa busca. Encontrar o amor numa pessoa “trilhardária” deve ser algo mágico, porque une o sublime ao vil metal, essenciais para se ter uma vida plena e feliz.

Mas onde entra o cientista nessa história?

   Há cerca de 4 anos conheci um rapaz, um bioquímico que trabalha em pesquisa. Tem perfil de nerd, mas conhece muito bem cultura pop, esportes e é capaz de conversar sobre todos os assuntos. É de uma inteligência e pragmatismo ímpares. Não fosse uma década e meia mais jovem, seria um par perfeito. Embora algo que aprendi na minha última desilusão é que idade nada tem a ver com maturidade ou estrutura emocional.
   Enfim, esse jovem cientista, apesar do trabalho pesado, do compromisso com a ciência, está sempre disposto a conversar com os amigos e, provavelmente, só não tem uma vida social mais intensa porque a distância entre moradia e trabalho não permite. E nos falamos, ora esporadicamente, ora constantemente. Há pouco tempo me perguntou se eu estava com alguém. Respondi que não e resumi o ocorrido, perguntei: “Dá para acreditar no amor?”. “Não, não dá”, foi a resposta direta e objetiva, do jeito que eu gosto.
    Então, há cerca de uma semana, soube que aquele a quem tanto me entreguei, está numa “união estável” com a tal “trilhardária” - gosto de repetir essa palavra, pois nem acho que exista e é como um motivo para lembrar o porque da desilusão. É um superlativo desnecessário. Sim, o cara que tanto amei casou-se com uma mulher que pode oferecer tudo o que não posso. Talvez eu fosse mesmo só uma migalha. Fiquei surpresa e triste, tanto que não conseguia nem chorar. Então fui nadar, porque já estava de mochila pronta para ir. Antes mandei uma mensagem para o tal cientista: “Tudo o que eu queria agora era estar com alguém como você”. E gravei mensagem de voz sobre a notícia bombástica.
   No treino encontrei meu querido e grande amigo Marcelo Santos, resumi a história. “Olha, o bom de nadar é que você pode chorar bastante, encher o oclinhos de lágrimas e ninguém vai perceber. Além do mais, o amor é uma flor roxa que só nasce no coração dos trouxas”. Não tive como não rir.
   Algumas horas depois chega a resposta daquele que, apesar de distante, diferente e tão jovem, eu sabia que poderia me dar uma luz de forma didática:
    “Desculpa meu bem, só parei agora. Vamos aos fatos: Ele não merece um pensamento seu. E uma coisa desse tipo aí é o sinal que ele está no relacionamento errado e vai acabar se fodendo. Então, somando mortos e feridos, você venceu a guerra”.
      Como não abrir um sorriso, mesmo que amarelo, com um resumo tão conciso? Adoro a objetividade nas pessoas. Talvez ele só quisesse me animar, mas sei de sua sinceridade e admiro muito essa qualidade no ser humano. É cada vez mais difícil de encontrar. Não acho que venci guerra, pois nunca fui adepta de lutar pelo amor. A gente já luta por tanta coisa na vida. O amor deve ser algo natural, simples e sem sofrimento. Sofrer de amor é um luxo que não me dava há 10 anos. E não me darei nunca mais nessa vida. Contei toda essa história para minha filha Dora. E passei a resposta desse cientista para ela. Disse que devemos levar essas palavras como mantra para o resto da vida. Assim, quando ela tiver sua primeira decepção amorosa, já saberá como pensar. “Mãe, esse cara aí é simplesmente genial!”.

domingo, 25 de outubro de 2015

Dora e a Dança

  Quando minha filha aprendeu a andar, aos 11 meses, foi na ponta dos pés. Na hora pensei: “Vai ser bailarina!”. Não foi uma viagem de mãe que adora dança, que escrevia sobre dança em caderno de cultura, viu vários espetáculos dos melhores grupos do Brasil e do mundo (como eu gostava desse trabalho e ainda ser paga por isso!), que foi jurada por duas vezes no Prêmio Imprensa de Dança. Não era delírio, era apenas a identificação de uma vocação do espírito.
   Durante a gestação eu ouvia muito Mozart, para me acalmar quando sentia medo de perdê-la (tive uma gravidez de risco, com repouso absoluto), mas também porque li sobre inteligência intrauterina, que música clássica desenvolve o aprendizado do feto. Verdade ou não, Dora tem uma inteligência acima da média. E ouvir música clássica, certamente, não faz mal algum.
    Quando morávamos em Boiçucanga (litoral norte de SP), Dora começou a educação infantil na Escola Raízes. Pouco antes de fazer 3 anos, a bailarina Juliana Andrade, que acabara de sair do Ballet Stagium (de São Paulo) para viver uma vida simples na praia, me chamou pedindo para que colocasse Dora no ballet. “Ela corre na ponta dos pés. É uma bailarina nata!”. Concordei, mas disse que assim como eu também iria nadar, porque assim como meu pai, considero saber nadar uma questão de sobrevivência, ainda mais para quem vive na praia. “Isso é ótimo, futuramente poderá fazer nado sincronizado”, profetizou Juliana, já que Dora, posteriormente, fez nado sincronizado na Unimes, em Santos, e mandava muito bem!
     No período em que moramos em Paraty, coloquei numa aula de dança, mas era uma professora tão ruim, que mais brincava com as meninas do que ensinava. Então a tirei de lá, pois dança é como esporte, precisa de disciplina, treino e muito suor. Foi quando Dorinha aprendeu a nadar. Gostava muito das aulas, não faltava e pegou o jeito fácil, mas via nela a suavidade da bailarina clássica, não a força aliada à técnica e a competitividade de uma nadadora.
    Em Santos me pediu para fazer ballet novamente, queria dançar no Municipal, mas já havia passado o processo seletivo. Fomos tentar uma bolsa na Rosely Ballet. No dia do teste, Miranda tinha apenas 15 dias! Enquanto Dora ficava na sala com outras várias meninas fazendo a aula, eu amamentava minha pequena gigante. Então as mães foram chamadas ao tablado, todas no canto e as meninas ao centro. Rosely, a dona da escola de dança, perguntou: “Quem é a mãe dessa menina?”, apontando para Dora. Levantei a mão. “Parabéns! Ela será uma grande bailarina!”. Precisei soltar o ar para não flutuar de orgulho. E então Dora e Raquel, sua melhor amiga da classe, ingressaram juntas na mesma escola de dança. A junção dessa dupla fez crescer uma grande amizade entre as mães também, eu e Cláudia.
    Passaram um ano bailando com muita dedicação, a apresentação do final do ano foi linda. E então inscrevi Dora para o teste no Ballet Municipal de Santos. Passou! Ficou radiante, mas não tanto quanto eu. Eram mais de 400 meninas para 40 vagas! Aos 7 anos, Dora não tinha dimensão do que isso significava. Em menos de 2 meses no Municipal, recebo a ligação da coreografa, me pedindo para deixar Dora fazer parte do Corpo de Baile Infantil. Das 40 novatas, apenas duas foram  chamadas para o CBI. A maioria termina os 9 anos de Ballet sem nunca integrar o Corpo de Baile.
    No dia 10 de fevereiro de 2011, fomos ao Municipal, fazer a inscrição para o segundo ano. E ver que sua melhor amiga Raquel também tinha passado de primeira no teste. Foi tanta alegria. Mas nesse mesmo dia Dora foi levada para Ribeirão Preto (narro essa história no primeiro texto desse blog).
      O que me alivia é que em Ribeirão Preto, Dora continuou dando vazão à sua grande paixão. No ano passado ficou meio desmotivada, pois não participava de todos os festivais que desejava, já que muitas vezes não havia elenco. Mas no início deste ano, Dora, além de fazer clássico, sapateado e jazz, entrou para a dança contemporânea. Então formaram um quinteto lindo. Numa seletiva de um Festival em Ribeirão Preto, classificaram-se para o de Salto, ficaram em décimo oitavo lugar, entre 40 coreografias. Em julho fez um curso intensivo de dança em São Paulo. Isso mudou seu conceito e a fez querer dançar mais e mais.
   Quando estávamos de férias em julho, em Boiçucanga, chegou a chorar porque pensava que não dançariam bem em Salto. Disse para não pensar negativo, que era para dedicarem-se mais, limpar a coreografia, melhorar. “Nossa mãe, como você está otimista!”. “Não, minha filha, o otimista diria: imagina, vai dar tudo certo. O pessimista diria: não vamos conseguir. O realista analisa o que foi dito e faz o que tem de fazer”. Daí ela se acalmou. E as cinco meninas ensaiaram e melhoraram muito. No Festival de Salto eram quase 500 coreografias, as três primeiras coreografias classificadas estariam automaticamente selecionadas para o Festival de Los Angeles, no ano que vem. Dora também dançou o sapateado, uma coreografia linda, chamada Chaplin. Teve pouco mais de um mês para ensaiar. Resumindo a ópera, minha talentosa filha está no quinteto de contemporânea, no clássico e no sapateado. Estará no palco de Los Angeles por três vezes, dançando, que é sua grande vocação desde sempre! Como é lindo saber do que mais gosta tão nova.
    No dia do resultado me ligou exultante, radiante. Talvez eu não tenha conseguido expressar o tamanho da minha satisfação. Agora, essas meninas lindas e dedicadas, além de aulas e ensaios seis vezes por semana, também estão atrás de dinheiro para a viagem, inscrição e estadia. Sei que irão conseguir, porque a motivação é grande. Do meu lado, ajudarei no que puder e até no que não puder. Felizmente, as coisas estão melhorando para mim no lado financeiro. Dizem que o dinheiro não compra felicidade, mas acho que manda trazer. Como me disse Miranda dia desses: “Mãe, nada é impossível”. Começo a acreditar que nada mesmo é. Somos nós que criamos no pensamento o nosso destino. E tenho certeza que daqui para frente o meu destino e das minhas filhas será de muita união, realização e felicidade.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

O Outubro das Minhas Rosas

    O mês de outubro sempre foi de festa para mim. Duas pessoas maravilhosas nasceram nesse mês: minha eterna amiga Claudia Figueiredo e minha maravilhosa prima e amiga Keila Gonçalves. Ambas se foram também no mesmo ano: 2013. E posso garantir que não há um dia que não lembre dessas queridas. Também foram levadas pela mesma doença. Coincidência ou não, nasceram no mês do Outubro Rosa.
   Sim, mulheres, temos de nos prevenir, nos cuidar, temos de lutar sempre para continuar seguindo saudáveis. E se acontecer um câncer na vida da gente, seja no nosso corpo ou no corpo de quem amamos, devemos continuar lutando, continuar amando. Não é fácil para quem está do lado, mas é muito mais difícil para quem passa pelo tratamento. Não é fácil viver com quem está morrendo, mas é mais difícil para quem sabe que tem pouco tempo. 
   A verdade é que estamos todos morrendo um pouco a cada dia, mas vivemos como se a morte nunca fosse chegar. Muitos passam a vida correndo atrás de dinheiro, estabilidade, fortunas e perdem momentos de amor, de comunhão, do que realmente vale na curta vida. Sim, a vida é absurdamente curta, mesmo que fiquemos nesse planeta por 100 anos, ainda é muito pouco.
    E como ouvi esses dias, "já que a minha vida é curta, não quero que seja banal, nem pequena". Quero uma vida de amor, de amigos, de sensações profundas, de aprendizado. Quero ser importante para quem importa para mim. E olha que me importo com pessoas que nem conheço. Quero ser importada para o coração das pessoas, assim como levo no meu coração todas as pessoas que amo (e são tantas).
     Tem muita conta para pagar? Todos tem, inclusive os mais ricos, quanto mais dinheiro, mais conta, sei bem disso porque já estive dos dois lados (dos endinheirados e dos sem dinheiro). Seu grande amor não lhe quer mais? Não era tão grande assim e tem tanta pessoa linda no mundo para conhecer. O amor é maravilhoso, quanto mais você tem, mais você recebe. Não consegue realizar seu grande sonho? Perceba quantas pequenas dádivas acontecem enquanto você tenta alcançar seu objetivo. A vitória pode estar no caminho e não na conquista. E se a angústia da dúvida apertar seu coração, olha o mar. E se você não mora na praia, olha a montanha. E se os prédios não te deixam ver a paisagem, olha para o céu, mesmo com poluição e nuvens, imagine que o Sol está sempre lá brilhando. Os grandes amigos reconhecemos no sorriso. Os grandes amores sentimos no abraço. A grande paz que procuramos está em nós mesmos. 
    Queria ter braços maiores, ser mais forte. Queria ter um sorriso mais largo que convidasse sempre à felicidade. Queria ter um olhar mais profundo para atingir sem palavras. Mais não sou perfeita, estou muito longe disso, com meus temores e angústias e passionalidade. Mas sigo tentando fazer o melhor, mesmo que da pior forma. Queria ter dito mais o quanto amava Claudia e Keila. Queria tê-las abraçado mais, queria ter feito muito mais por elas. Porque sempre fizeram tanto por mim. E mesmo não estando mais aqui, continuam fazendo. Porque o amor que tive ainda tenho e estará sempre em mim. A vida é o que acontece ao redor, enquanto as pessoas ficam olhando para os celulares. Em comum, essas duas tinham um certo repúdio à tecnologia. Keila mal usava o celular. Claudia nem entrava em facebook. Viveram intensamente e amaram muito. E deixaram filhos e amores. Deixaram sementes em vários corações. O meu vive germinando por elas. 
    Cada um lida de um jeito com a saudade. O meu jeito é chorar... e quando nem as lágrimas me aliviam, meu jeito é escrever. Que todas as mulheres que se amam, se toquem. E vivam plenamente o amor.
    E outubro continua sendo um mês de festa para mim. Minhas rosas nunca irão murchar.


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

As Transformações Afetivas


    As relações afetivas passaram por uma mudança radical nas últimas duas décadas. Eu, que as vivo antes da revolução digital, sinto na pele a angústia da transformação. Antes apaixonava-se por alguém através do olhar, pelo som da voz, pelo cheiro que inebria, pelo toque inesperado que arrepia. Hoje abre-se o coração para estranhos, em assuntos profundos, antes só ditos para os amigos mais íntimos, fala-se de melancolias existenciais, busca da espiritualidade, desejos, indecisões. Pessoas agora apaixonam-se pelo que leem sobre o outro e o que o outro diz sobre si mesmo. Então passam do virtual para o real e vivem uma paixão, que logo acaba. Ou dura para sempre. Conversas virtuais podem ser as mais sinceras ou as mais falsas, cheias de sortilégios. Há uma dificuldade enorme em se criar vínculos, proporcional a de quebrá-los. Há antagonismo em tudo.
    Não nego que muito antes da internet, a escrita já me seduzia. Como viajava muito e conhecia nadadores pelo Brasil afora, era comum e um imenso prazer escrever cartas, levá-las ao correio, esperar a resposta. Numa dessas competições conheci um menino, ainda mais novo que eu, então com 12 anos. Era gentil e falante, um tanto precoce, lia bastante, quebrava recordes. Escrevíamos cartas e eu ficava admirada com o português sem erros, a narrativa do seu cotidiano, de suas aflições. Mas o contato se perdeu porque não havia nem e-mail e mudei de categoria (de Infantil para Juvenil).
Uns três anos depois nos reencontramos numa outra piscina. Ele já maior do que eu no tamanho. As cartas voltaram. Me apaixonei. E quando as cartas pararam e quando parei de nadar, as notícias cessaram. Foi mais fácil esquecer.  Era muito mais fácil desligar-se de alguém, ao menos mentalmente. Sem ter notícias, sem procurar notícias, o esquecimento vem, mesmo que as impressões do amor fiquem eternizadas no coração.
   Antes, se você quisesse mesmo escapar de alguma relação torturante, daquelas que você sabe que não tem mais jeito, mas não consegue esquecer, era só frequentar outros lugares ou, em casos extremos, mudar de cidade. Hoje você está em outro País e sabe como e o que o outro está fazendo. E a confusão é para os dois lados. Quem decide terminar não consegue se desligar, quer saber se o outro está bem, se já encontrou alguém. Quem foi “terminado” também quer saber se o outro está bem ou se já tem outro alguém. E um procura saber do outro, pela mesma razão, mas com sentimentos distintos. É muita energia e tempo perdidos. Há falta de autocontrole.
    Assim como é difícil levar, é também tão fácil trazer. Aquele que estava esquecido ou guardado com carinho em algum lugar do seu inconsciente ou coração, aparece na sua timeline como sugestão de amizade, você convida, você aceita, você começa a ler o que escreve, constata que sua narrativa é ainda mais cativante, que sua personalidade é humanista, que seus hábitos são saudáveis. Pensa em tudo que poderia ter sido e não foi.
    Você deixa tudo como está. Não quer mais começar ou terminar nada. Quer seguir resolvendo seus problemas e tentando salvar o mundo. Quer lutar por causas nobres e pessoais. Tenta controlar a curiosidade, para de mostrar o quanto está bem ou sofrendo. Sumir virtualmente agora parece uma espécie de morte. As pessoas começam a ficar preocupadas com você. Mas ao contrário, sumir deste mundo, é um abraço na vida!
    E num dia ensolarado você pode reencontrar alguém que atravessou décadas de transformação, como você. E percebe que as palavras escritas são mesmo sedutoras, são tocantes, emocionam, divertem e podem causar muita admiração. Mas nada supera olhar nos olhos, enquanto ouve. Olhar nos olhos enquanto fala. É a melhor forma de resolver qualquer situação. Falar e ouvir, sem intermediários, sem edições. Com o coração aberto e a mente tranquila.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Seremos Todos Individualistas?



  Queria muito escolher algo para me dedicar completamente. Acredito que a repetição, a busca, o aperfeiçoamento levam perto da perfeição, do inteiro. Mas são tantos os interesses e possibilidades, que me perco e acabo desconcentrando, achando sempre algo que pode me mover mais. Nunca soube se é melhor conhecer algo profundamente ou tudo, superficialmente. A segunda opção sempre me pareceu mais atraente, ampla e útil. Ainda tenho dúvidas e a dúvida é péssima conselheira. Mas é impossível não ter dúvidas no mundo de incertezas e escolhas que é a vida. Penso que seja um efeito, um mal (ou bem) do século.
   Dia desses conversava com o amigo Gustavo Lidtke sobre a rapidez com que tudo acontece, inclusive os relacionamentos, as paixões. Nos tempos de internet está se tornando comum começar e terminar algo por mensagem. Falta muito o “olhos nos olhos”, o abraço derradeiro de despedida, uma explicação, se é que isso existe, para o que era bom e não é mais. Fica mais fácil e pode doer menos não ter contato nenhum, não ouvir nem a voz do fim, como se o fim não existisse. Vai ver não existe.
   Em outra conversa, com outro amigo, daqueles que não dormem e te ligam porque sabe que muitas vezes você também não dorme, tomei uma bronca e ouvi duas horas de verdades só porque disse que voltei 10 casas no Jogo do Amor. “Como assim jogo? Você me decepciona tentando ser tão racional, quando sei que você não é. Não é possível que ainda não tenha entendido que não temos controle sobre tudo, que o orgulho não serve para nada, a não ser afastar quem realmente importa”.
   Voltar a nadar foi uma das melhores decisões deste ano. Talvez a única certeira. Porque enquanto nadamos, esvaziamos a mente, para depois reabastecê-la, livre de lixos existenciais. Para retornar tive alguns empurrões, de pessoas que encontrava por acaso, e incentivo de outras, que via sempre. É como dizem: “você precisa de motivação para começar, mas só o hábito te faz continuar”. No começo dói. Você pensa que nunca mais será o mesmo, não conseguirá fazer como fazia antes. A verdade é que não conseguirá mesmo. Nada será como antes, nem nadar. Os músculos demoram mais para ficar fortes, a resistência pode não ser igual, mas estar lá todos os dias (ou todos os dias possíveis) traz o progresso gradativo. E o mundo está tão imediatista que poucos tem a paciência da melhora gradual. Eu mesma sou muito imediatista, mas as bordoadas judiciais que tenho tomado, me fazem tentar pensar a longa distância. Posso ter tudo de novo. Posso fazer tudo outra vez. A única coisa que não quero nunca mais ter na vida é ilusão. Nem iludir. Com o tempo aprendemos que aceitar dói menos. Que quando mais nada pode ser feito e o desespero parece tomar conta do coração e da mente, ainda posso mergulhar e nadar e chorar. Encher os oclinhos de lágrimas sem que ninguém perceba. As lágrimas vão para a água e tudo flui, liquidamente. Liquidando o sofrimento.
    Eu já queria nadar de novo, principalmente para dormir melhor. Um dia encontrei a Nana (Luciana Uechi Martins), com quem nadei no Vasco da Gama, nos idos dos anos 1980. Agora ela é remadora, mas também nada e me disse para ir na Unimes/Fefis. Eu já tinha nadado lá há alguns anos, Dora fez nado sincronizado lá, Miranda deu suas primeiras braçadas lá. Fui conversar com um professor da Equipe de Competições, Matheus Nascimento, expliquei que sou uma nadadora/competidora, que não nadava há mais de três anos, que precisaria de paciência e que tentaria acompanhar os treinos. Fui recebida de braços (e quantos braços) abertos por toda a equipe e professores. Para completar, o coordenador é Fabrício Madureira, com quem dividi muitos treinos, no mesmo Vasco da Gama de Santos. Um dos nossos passatempos favoritos é lembrar como era dura a vida dos nadadores dos anos 80, quando as piscinas eram geladas e os treinos nunca eram inferiores a 8km por dia. E ai dos que reclamassem! Fabrício é mesmo um mestre, dia desses me disse, que quando está com problemas que considera muito grandes, vai para a emergência de algum hospital, fica lá por meia hora, assim percebe que seu problema não é tão grande assim. Que não é nada. Achei isso genial!
    Hoje é tudo mais fácil, mesmo assim parece difícil treinar 6 dias por semana. Quando me desanimo por algum motivo cotidiano, penso no pessoal que treina para triatlon e IronMan. Na equipe temos uma IronMãe, Rose Amorim, que treina 7 vezes por semana (entre corrida, ciclismo, natação, pilates e musculação), tem dois filhos, trabalha e nunca deixa de treinar, em diferentes períodos do dia. Nas conversas de vestiário que tivemos só penso como alguém é capaz de fazer seu tempo valer tanto. Eu sempre perguntando tudo, com essa minha vontade incontrolável de conhecer as pessoas, fico cada vez mais admirada. Ela sempre tranquila, com endorfina exalando por todos os poros, me mostra seus dedos dos pés machucados, suas unhas perdidas.
    No final da última competição, eu, absolutamente cansada, após nadar quatro provas quase simultaneamente, já estava planejando a viagem para a próxima (que acontecerá em Ribeirão Preto, 19 e 20 de setembro) e comentei com a Rose, no vestiário, sobre esse “bichinho da competição” que morde a gente. Então ela me disse que no seu último Iron Man, quando corria, com mais de 9 horas de prova, pensava: “Por que eu faço isso? O que estou fazendo aqui?”, tamanho era seu estado de fadiga e exaustão. Mas ao cruzar a linha de chegada, com suor por todo o corpo e sorriso indescritível no rosto, só queria saber quando seria o próximo.
   Em outro papo de vestiário, com a Ângela Couto, uma nadadora pequena de tamanho, mas gigante de performance, fiquei sabendo que fizeram uma pesquisa com nadadores e que chegaram a conclusão de que somos individualistas. Que esse negócio de ficar horas a fio olhando azulejos, sem falar com ninguém, pensando nos próprios movimentos e nos resultados, nos faz individualistas. Discordamos, porque outro fato é que os melhores resultados individuais, geralmente são dados em revezamentos, diga-se de passagem, a prova mais emocionante de uma competição. Ou talvez sejamos individualistas, já que é um conceito de afirmação e liberdade do indivíduo, diante de um grupo, sociedade ou Estado. Desde o Renascimento apoia-se a competição, que o homem pode tudo, se tiver vontade, talento e capacidade de ação individual. Talvez sejamos todos individualistas e a natação tenha nos preparado para esse mundo impessoal em que vivemos. Mas não vejo em qualquer grupo palavras como “só falta um”, “vamos lá”, “é pra acabar”, “amanhã tem mais”, “parabéns pelo ótimo treino”. Não vejo em qualquer pessoa o interesse genuíno pelo progresso do outro.

   O que move o atleta? Talvez seja o amor. O amor que acredito, que é o amor de desejo, não de necessidade. A atividade física é necessária para a saúde. Mas o treino de atleta não é. Ele ultrapassa o necessário. É uma vontade, um desejo de ser, de estar, de completar, de superar. O amor que sinto é o desejo de estar pelo prazer da companhia, porque me faz feliz, sem condições, sem exigir nada, apenas quero estar lá. E se for para construir algo junto, que seja por vontade e não necessidade. É um compromisso que queremos ter, mesmo abdicando de muitas coisas, não nos sentimos divididos ou incompletos. É uma escolha, é uma renúncia. É o amor que move cada braçada, passo ou pedalada.

domingo, 9 de agosto de 2015

O Sol Dentro de Mim

   Sempre me viram como uma pessoa ensolarada. Desde pequena na praia, na piscina, cabelos dourados, pele bronzeada e sorriso no rosto. Mas por dentro eu era como uma música do Violeta de Outono: "nada explicará meu sentimento, está em meu coração o frio do outono". Se por fora eu era verão, por dentro tinha um inverno que não acabava. Nunca consegui expressar muito bem o que sentia falando, por isso comecei a escrever. Muito, muito cedo. Escrever sempre foi um jeito de não enlouquecer, de não morrer.
   Nos relacionamentos não foi diferente. Até hoje tenho uma dificuldade danada em começar e em terminar. Porque nada é para sempre, sabemos. Espero que o outro termine, muitas vezes até peço que me deixe, mas não consigo explicar o porquê. Parece que quero antecipar o sofrimento. 

   Na adolescência tive uma história complexa. Eu amava o garoto, mas não conseguia dizer isso. Achava que era cedo demais. Comigo ele era apaixonado, espirituoso, na sociedade era um playboy que nada tinha a ver com a minha pessoa. Queria ficar com ele sem ninguém por perto. Terminamos de forma conflituosa, ele achando que o tinha traído, ficamos sem nos falar por anos, décadas. Nos dois anos que se seguiram após o término, sempre que podia, deixava uma carta (não havia celular, nem internet) na portaria do prédio dele. Escrevia o que sentia, o que pensava sobre as atitudes infantis dele, sobre a saudade que me acometia sem trégua, da minha mania de não falar de amor quase nada, da falta dolorosa primeiro do corpo, do cheiro, depois das conversas, da amizade. De como ele tirou o inverno de dentro de mim. 
   Foram dois anos sem conseguir esquecer aquele amor, mesmo namorando outro. Ainda bem que o destino maravilhoso nos reuniu novamente. Agora sabemos dizer o que sentimos e podemos rir da nossa juventude rebelde. E pensar no que poderia ter sido e não foi. Nem nunca será. 
   
    Daí quase 30 anos depois me vejo em situação parecida, inclusive com um homem do mesmo nome do tal garoto. Passei uns meses amando sem conseguir dizer que amava. Acho sempre muito precipitado sair dizendo que ama, parece exagero, pode espantar a pessoa. Mas ao mesmo tempo acho que o amor é assim, inesperado, inexplicável, acontece rápido, não é uma coisa que ficamos esperando que aconteça. Eu também sabia que ia acabar e me faltou coragem para acabar antes que acabasse. Depois quis dizer muitas coisas sobre as atitudes dele, repetitivas, egocêntricas, tal como o garoto da adolescência. Comecei a achar tantas similaridades além do nome. Parecia uma repetição. Embora sejam extremamente diferentes. Não gosto de comparações, não gosto de ser comparada com as ex. Não gosto de histórias de ex.
    Mas conforme a idade passa nossas histórias aumentam, não dá para negar o passado. Por um motivo que não sei, meus ex não me esquecem, porque foi bom demais ou ruim demais, tenho receio das respostas. Mas sei que demorei muito para amar de novo. E por mais que surjam novas pessoas, descomplicadas, de corpo sarado, sei que o amor é algo raro. Não adianta ficar com alguém para esperar que surja o amor. Nunca é assim.
     O que concluo é que por mais que a idade pese, o coração ainda é uma criança de alma pura, que enxerga mais fundo e além. Não escolhemos quem amamos, jamais escolheremos. Hoje pareço mais inverno, mas tenho um Sol que brilha o tempo todo dentro de mim. Estou num conflito tão grande entre razão e coração que mal posso dormir. Não haverá vencedor, preciso encontrar enfim um equilíbrio entre essa mente calculista e esse coração passional. E quanto mais amadurecemos, mais difícil se entregar para o amor.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A Magia do Lugar e das Pessoas

   Tanto aconteceu nesses 2 meses que não escrevo por aqui e não tem muito por onde começar a não ser pelo fim. Passei férias com minhas filhas e, ao contrário da última temporada trágica em Boiçucanga (litoral norte de SP), desta vez deu tudo mais que certo. Não gosto de carregar traumas e voltamos ao mesmo lugar, porque tinha certeza de que seria diferente.
   O principal foi encontrar todos os amigos e, mesmo tendo passado anos, perceber que nada mudou. Quando vi Laurinha, Serena e JoJo abraçando Dora com toda a força, me deu vontade de chorar. São amigas desde os 2 anos de idade. A primeira foi a Laurinha, o abraço com olhos fechados, longo, apertado, me encheu de lágrimas nos olhos. Serena, filha dos queridos Alê Poveda e Luciana Mesquita, amiga de Dora desde os tempos das nossas barrigas de grávida, primeira amiga a dormir na casa, o grude de infância... estava igual. Dora dormiu  na casa dela e na de JoJo (Joana, filha da Pri e Fábio) e adorou tudo. Lembro bem quando eu tinha 13 anos e tudo o que eu queria era ficar até de madrugada conversando com minhas amigas.
   Ficamos na casa da Myrian Bemerghi, minha amiga do surf, linda, guerreira, espirituosa e sempre de boa com a vida, filha da querida Renata Melo, que não pude ver porque estava se tratando em São Paulo. My é mãe da espertíssima Ana Lys, que Miranda adorou e brincou. Me deu um baque danado passar esses dias em Boiçucanga, um lugar mágico, que faz parte da minha vida desde sempre, que meu pai me levava para passear, que comprou um terreno grande em que construí uma casa do jeito que queria. Lá, onde passei férias e feriados com amigos de todos as partes do mundo. Ainda acho que voltarei para lá, quando as crias crescerem e eu passar parte das minha noites escrevendo livros e parte dos dias nadando naquele mar maravilhoso. E quem sabe, acompanhada de um grande amor na terceira idade.

    O que mais surpreende é que encontramos todos que queríamos sem marcar. Eu até tinha mandado mensagem para o Duda, pai de Tomás e Thales e marido da Camila Carrasco, que estava em Londrina. Não precisei marcar nada, nos encontramos na rua, enquanto ia para a praia com os dois filhos lindos, loiros e bronzeados. Dora e Tomás eram grudados na infância. Miranda adorou o Thales, virou fã do menino de 8 anos (que é mesmo encantador). Pensei que meu esperado encontro com a Camila fosse virar lenda, daí soube que ela voltou antes da hora. Estava no shopping com Dora e Miranda e ainda comentei, enquanto ia ao mercado: "Dora, fique atenta, a Camila pode passar aí a qualquer momento". E passou! Com Thales, a amiga Rafa (mais uma agregada no meu coração) e o filho José. Fomos todos para um bar pé na areia, ver o pôr-do-sol único daquela praia.

   E foi como se tivessemos tomado um café com bolo na tarde anterior. As histórias, afinidades, músicas, risadas... a felicidade está em momentos como esse, perpetuados na memória. Na mesma noite uma festa de aniversário, da Aline que eu não conhecia, na casa de outra pessoa incrível que tive o prazer de então conhecer. Casa linda, noite de lua prateada, fogueira e som dos "meninos" Alê, Fábio e Duda. Com direito a fogueira, com direito a conhecer um poeta na fogueira, que falou sobre ballet russo com Dora. E Miranda meio decepcionada porque "o filho dela não veio", referindo-se ao Thales, sua nova paixão.

   Em Santos não foi diferente, Dora e Maria Eduarda, filha da minha amiga de sempre, Simone Raia, passaram dias e noite conversando o tempo perdido. Maria é uma garota pra lá de inteligente e divertida, que estuda enquanto fala de guerras mundiais e teorias da conspiração e fim do mundo. Agora tornou-se fã da natação brasileira, assim como Dora, já que os nadadores são os caras mais bonitos do mundo. Fui ao cinema como sempre, várias vezes, ver todos esses filmões arrasta quarteirão. O último dos filmes que vimos foi o "terror" Sobrenatural, um dia antes de levar Dora, com Marcia Abad, minha amiga e companheira de filmes e livros e séries. Dublados que é uma porcaria, mas como é bom estar num cinema com Dora e suas amigas. Encontramos Raquel, sempre tão popular e com o sorrisão no rosto, filha do Fernando e da minha para sempre amada Claudia. O tempo não parou, mas a semente do amor e da amizade germinou. Nada será como antes, mas continuamos sendo o que sempre fomos, um peito aberto pronto para dar e receber.

   Nos dias de chuva ficávamos assistindo todos os jogos do Pan Americano, com o comentarista especialíssimo, Marcelo Santos, aquele amigo que poderia ser meu irmão. Dora estava com muita saudade dos comentários ácidos dele, que como bom educador, professor de Educação Física, explicava todas as regras de todos os jogos. Foram dias lindos, que antecipam os dias mais lindos que virão.

  

quarta-feira, 17 de junho de 2015

De Doer os Olhos

   Será que a vida de todo mundo é um looping infinito? Ou será só a minha? Por que aqueles que estavam lá no meu passado, num lugar guardado com carinho, com lembranças que só causam suspiro leve, voltam para embaralhar tudo? Por que continua sendo tão presente e tão real? Talvez seja o medo de me entregar para o novo, já que o antigo conheço bem, sei como lidar, o tamanho do que pode ser essa dor. Ou melhor, a esperança de um recomeço, sem dor nenhuma.
   Minha vontade era não ser eu por um dia. Ser um pássaro que voe bem alto, um condor sobre os Andes, sobrevoando a Cordilheira, no branco das montanhas de doer os olhos, em direção ao céu de azul infinito. E quem sabe com a visão ampliada, pudesse compreender os mistérios dos sentimentos. Porque tem vezes que o que sinto é tão forte que arde. E é tanta coisa que penso o tempo todo, que queima.
    Para parar essa ebulição eu mergulho e nado. Nadar é minha única forma de meditação, o modus aquático, como diz a grande amiga Paola, aquele que você não ouve ninguém, não fala nada, apenas roda os braços, bate as pernas, respira e expira.
    Quando penso que a vida está pesada demais, sempre tem um mar salgado ou uma piscina clorada para deixar tudo, literalmente, mais leve. Nosso corpo fica tão leve que flutua. Da água viemos. Somos 70% líquido. Como é bom poder nadar nua. Lembro de uma noite de verão na praia de Paúba (litoral norte de São Paulo), vazia, deserta. Eu e duas amigas, Flavia e Ana Paula, tiramos a roupa e nadamos nas águas calmas e sem ondas. Em cada braçada a iluminação vinha com os planctons. Parecia um filme de aventura com efeitos especiais. Me senti mais iluminada. Me tornei mais luz.
    Não sei bem o que estraga quando tudo parece perfeição. Pensar demais estraga. Minha mãe me dizia desde criança que eu tenho resposta para tudo. Não, eu sempre tenho pergunta para tudo. Procuro respostas. E talvez questionar demais também estrague. A perfeição existe, a virtude absoluta, na arte, na natureza, no esporte e em pessoas. Conheço pessoas virtuosas e magnânimas. Aprendo com elas, tento agir como tal. Tento buscar a perfeição, mas buscá-la nem sempre é alcançá-la, porém não consigo desejar menos que a perfeição. Me conformar com o que sou e faço é me sentir medíocre. E se há algo que me apavora, é a mediocridade.
    Queria uma trégua nessa batalha que tenho travado. Queria mais tempo para mais abraços apertados. Queria uma luta que não fosse inglória. Eu deprimo, mas nunca por romances fracassados. Eu deprimo pela impossibilidade de mudar as coisas, por esse mundo que evolui de forma caótica. Por ter cinco acontecimentos ruins para cada acontecimento bom. Pelas pessoas que vão e não voltam mais. 


 Submersa

A paz que procuro
muitas vezes encontro no quarto escuro
Ainda acordo com falta de ar e choro
não ignoro esse sentimento imenso
nem mesmo quando racionalizo e penso
que rompi o pacto que fiz comigo
de em outros braços não procurar abrigo 

porque sozinha estarei segura
sem anseios, sobressaltos, devaneios

a estrada é longa, a alma é pura
sou parte da poeira cósmica do universo
estou perto do estado inerte e submerso

dentro de mim vive a espera
vai e traz de volta o que já era

A paz dos teus olhos tão vermelhos
meu amor, minha vida, meu espelho
Esse vazio que ficou porque nunca mais voltou
em mim tudo mudou
já nem sei mais quem sou
porque nada será como antes foi
e não quero deixar mais nada pra depois



  

quarta-feira, 3 de junho de 2015

A Dor e a Flexibilidade

   Fazia tempo que não sentia tanta dor, daquelas de acordar com falta de ar no meio da noite, com dor forte no peito, sensação de abandono. Mas não era infarto, era amor. Há 10 anos não me apaixonava de verdade, desta forma física e metafísica. Sempre mantenho no racional, ou tento. Queria parar de sentir essa dor que não me habituo. Me disseram que amor sem sofrimento é capricho, penso justamente o contrário: sofrer de amor é um capricho, um luxo que não tenho, nem me permito.
  Então me deu vontade de sentir uma dor muscular, uma dor real. Então fui nadar, depois de três anos parada. Afinal nadadores são todos uns masoquistas, que gostam de sentir dor, de ficar cansados e olhar para aquele monte de azulejo o tempo todo. Nadar é repetitivo. É muito técnico, é silencioso. É introspectivo demais.
  No primeiro dia foram 1.800 metros que pareceram 18 km. Mas voltei no dia seguinte para uma equipe que me recebeu com palmas e sorrisos. Os braços pareciam que não rodavam, não puxavam água. E quando o técnico falou 3 séries de 3 de 200 metros progressivo, achei que era três demais e que nadaria do jeito que desse, porque não poderia progredir naquele momento.
    Á noite estava tão esgotada que adormeci às 21h30, junto de Miranda. Acordamos a tempo de ver o sol nascer na praia de Santos. Foi lindo. E a dor nos braços, que pareciam inchados, era muito maior que a dor no peito. Passei parte da manhã que começou tão cedo, me alongando. Lembrei dos tempos de treino pesado mesmo, 4 horas por dia, 7 dias por semana. Nos alongávamos longamente antes de entrar na piscina. Constatei que a flexibilidade alcançada na força é  importante para toda a vida. No alongamento forçamos ao máximo os músculos e articulações e paramos o maior tempo possível na mesma posição. Pensamos que atingimos o limite. Mas na segunda vez o corpo estica mais. E mais ainda na terceira. O limite é uma questão de treino. Passar do limite é questão de paciência. 
    Dói alongar, mas depois que acostuma, a dor cessa e é quando podemos esticar ainda mais. E no terceiro dia de piscina os braços doíam menos. Ser flexível é saber parar no seu limite, respeitar o limite do seu corpo. Depois perceber que pode ir mais longe. É poder virar para todos os lados. Uma pessoa flexível aceita o limite do outro. Aceita suas dificuldades, divergências e limitações. Entende que é preciso saber a hora de parar e ceder.
      Muitas vezes fui questionada, por quem nunca foi nadador ou atleta, o que eu ganhava nadando tanto, já que eram só medalhas e não tinha salário. Eu ganhava  e continuo ganhando viagens, novos lugares, força, flexibilidade, disposição e, o melhor e mais importante de tudo, amigos.
    Hoje a série principal foi 1 de 500m, depois 400m, 200m e 100m, progressivo, pegando a frequência cardíaca. Consegui fazer, apesar da frequência ter chegado 190 por minuto. Meus braços acostumaram ou tiveram a tal memória celular, que um dia me explicou a querida nadadora Cyntia Higa, e já conseguiram puxar mais água. Como sempre digo, melhor que doam os braços do que o coração. 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

O que Ouvem, O que Pensam, O que Sentem

    Ainda criança, quando já voltava da escola sozinha de ônibus, naquela  paisagem que nunca mudava, comecei a prestar atenção nas pessoas sentadas, em seus rostos, imaginava suas histórias, criava acontecimentos. Conforme fui crescendo e passei a ter minha própria trilha sonora nos ouvidos, comecei a tentar adivinhar o que está no ouvido dos outros. 
     Dos ônibus passei a exercitar essa adivinhação nos metrôs, nas filas, nos hospitais. Eu mudo (e creio que todos mudem) o estado de espírito conforme a música. Tem dias que a gente está mal e parece que quer ficar pior, daí ouve aquela canção triste, melancólica e nostálgica para ir até o fundo do poço. Quando minha amiga Márcia Abad passou músicas para o meu celular, ainda brincou: "Coloquei Love Hurts também, porque nunca se sabe quando vai precisar". Acabei escutando essa música nas minhas várias subidas de Serra do Mar, achando divertida... mas não é que comecei a lembrar dos amores que me machucaram e até chorei! E não é que o amor continua machucando!
    Uma vez estava atravessando de barca, uma tarde linda, com aquele céu colorido, uns navios no Porto de Santos e na minha frente uma garota mais linda que a tarde, bem gorda, de seios fartos apertados na blusa, moreníssima, de olhos verdes, mareados por uma dor que parecia profunda. Ela suspirava, prendia o ar e tentava disfarçar as lágrimas. Me deu vontade de colocar The White Stripe para ela ouvir, só para mudar as batidas daquele coração que estava sofrendo. Mas quando ela percebeu que eu percebi, só consegui levantar as sobrancelhas com aquele olhar de Everybody hurt, everybody cry, sometimes...
      Sempre que ando pela avenida Paulista ouço essa música https://youtu.be/NuSbELCNloc do Arcade Fire. A melodia é incrivelmente alegre, tenho vontade de sair dançando e cantando como a vocalista, mas a letra... ah, que letra mais profunda! Fala dos dias em que nossas vidas parecem sem propósito, mas que na noite os sentimentos nadam até a superfície, porque é lá que encontra luzes. Fala das luzes e prédios da cidade que surgem como montanhas atrás de montanhas e se é impressão ou se o mundo é mesmo tão pequeno, que nunca alcançará a expansão desejada. É muita poesia numa música só. Pede para apagar as luzes e ficar na escuridão, porque os beijos acontecem na escuridão (penso que dos olhos). E eu passo pela avenida mais movimentada do Brasil com vontade de cantar essa canção e dançar essa melodia. Na verdade muitas vezes canto, coloco no repeat até chegar ao lugar combinado. Músicas inspiram. Ouço tão alto que o celular avisa que posso danificar meus ouvidos. Ora, já é tanta coisa danificada mesmo...
      E de uns tempos pra cá, coisa de um mês, está acontecendo uma nostalgia louca musical, eu que sempre fui tão "novidadeira", não sei se é coisa da Lua, das constelações, dos planetas, do inverno e do frio que já chegaram, ou saudade das pessoas que prematuramente partiram. Aceito sugestões de músicas que alegrem minha alma, que mudem meu dia, que ampliem minha percepção da realidade. Aceito poesias musicais e sorrisos mesmo que com lágrimas.
      
      

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Das Coisas do Amor - Que não Explica Coisa Nenhuma

   Sempre penso na explicação das coisas, uma razão de ser para o tal fato bizarro que aconteceu ou porque não ter evitado algo que estava na cara que iria acontecer. E quase tudo tem explicação física, química, matemática ou alguma ciência específica. Procuro lógica para o que parece irracional ou incompreensível. Sei que tudo começa e acontece e muitas vezes acaba, antes mesmo de acontecer, ou do parece que aconteceria. Quase sempre. Ou sempre. 
   Ainda não achei sentimento, leis, opiniões, ideias que sejam imutáveis ou infinitos. Talvez o amor. Mas penso que o amor muda, ele cresce, é mutante, mas não se nunca acaba. E só posso crer no amor infinito se deixar de acreditar na finitude do ser. É preciso ser para amar ou basta estar?
    Tudo que somos e sentimos começa na questão filosófica. Até o amor. Mas é muito mais do que isso, é tão complexo racionalizar o amor, quanto destrutivo. Escolhemos a quem amar na maioria das vezes. Porque amamos o que somos no outro ou para o outro. E de tanto pensar no amor, ele acaba porque não era amor, era o reflexo do que queríamos ser e que vemos quando estamos com o outro. Porque o amor não pode ser tão simplesmente filosofia e literatura. O amor é muito maior e ancestral nisso tudo. Nisso tudo que é a vida e o Universo.

  Se somos todos iguais por que só algumas pessoas causam ebulição nas outras? Há o coração que acelera não pelo movimento do corpo, odores que causam náuseas ou sons que estouram os ouvidos. Apenas pela lembrança o coração já vibra diferente. E o corpo estremece, de calor ou de frio. Um rosto que parece a junção de todos os rostos que já passaram. A sinergia de todos os músculos e órgãos no mesmo objetivo, na mesma dança, tão lúdica quanto primitiva, tão suave, quanto intensa.
  Isso não deve ser apenas química, física quântica e biologia. Teria algo de muito mais espiritual no amor  do que químico, muito mais inexplicável do que plausível. Seria espiritualmente tão forte que passaria do metafísico para o físico. Assim como os laços químicos e biológicos que unem mãe e filho. Esse amor também tão visceral.

   Há quem diga que ninguém morre de amor. Penso ao contrário, que todos morremos de amor. O amor mata sempre uma parte de nós que precisa ir embora, ou porque o tempo acabou ou para nos deixar mais livres, mais leves. Com mais espaço para o amor. E talvez por isso eu pense que o amor pode mesmo ser infinito, porque nos mata, nos leva embora do que somos, mas nos deixando vivos, nunca morre em nós. 
   O amor traz todas as questões de todas as áreas, em todas as vidas. O tanto que a gente pensa e sente quando o filho nasce, o tanto que a gente pensa e sente quando percebe que está mesmo apaixonado. As mudanças químicas transformam o corpo, alteram percepções, ludibriam sentidos. Eu perco a fome, o sono, o foco, mas de alguma forma, ganho o que não costumo ter, fé. Acredito em cada abraço que dou, faço apertado e prolongado. Sincronizar a respiração e as batidas cardíacas, sentir o cheiro, afagar os cabelos. Demonstrar o amor.
  Não há nada que expresse mais amor do que o abraço. Não precisa de palavra nenhuma, nem falada, nem escrita, sem verbalizações ou questões que nos roubam o agora. Nas vezes que me senti próxima de algo divino, que pode ser deus, estava envolvida por braços. Os delas e os dele.

terça-feira, 28 de abril de 2015

O Amigo do Menino João

    Quem acompanha esse blog sabe que presenciei uma tragédia pessoal no início do ano. Estava com minhas filhas em Boiçucanga (litoral norte de São Paulo), em férias esperadas há mais de 4 anos. Conheci numa manhã um garoto fora do comum, em vários sentidos. Em menos de uma hora ele me conquistou absurdamente. E no mesmo dia sofreu um acidente fatal na cachoeira de Boiçucanga. Desde esse momento não há um dia em que eu não pense em João.
   Ele tinha 14 anos e era lindo. Não era só o físico, o sorriso e os olhos brilhantes, tinha uma beleza cheia de vivacidade e vontade de saber sobre todas as coisas. Uma inteligência espetacular. Eu tinha a certeza de que esse menino faria parte da minha vida, mas nem deu tempo de trocarmos o número do celular, faríamos isso na noite de fogueira e violão, que nunca aconteceu.
   Mas o que mais me faz lembrar dele não é a fatalidade, não é me sentir de certa forma culpada por indicar o caminho em que o levaria à morte. Penso nele todas as vezes que vejo adolescentes enredados no computador, que não olham para os lados nas ruas porque preferem olhar o virtual do celular. João olhava nos olhos, perguntava sem medo e tinha uma admiração pela mãe, sem a menor vergonha de dizer que era sua "ídola", que a amava e seguia seu exemplo. Um amor nos olhos quando olhava para ela que não vejo na minha filha adolescente. Uma energia e vontade de fazer tanta coisa que não vejo em quase ninguém.
     E mais estranho ainda é que muitas vezes escuto alguma música e penso se João gostava ou conhecia tal banda. Muitas vezes eu ainda choro pensando nele. Na noite seguinte do acidente, fiquei horas conversando com Dora, que chorou falando dele. Sensível que é me disse com voz engasgada: "Se nós, que conhecemos o menino em um único dia estamos assim, imagine os amigos da escola, do esporte, da música e toda a família". Não, eu não conseguia mensurar isso.

      Mas numa tarde em que eu estava particularmente triste, quando perdi a confiança em mais pessoas e em mim mesma, vi um comentário no blog, justamente no post sobre o menino João. Era um amigo dele, que não imagina o quanto me confortou e como me fez de novo acreditar no amor e na bondade das pessoas. Talvez seja uma prova que João não era mesmo deste mundo, talvez fosse um anjo mostrando que a vida é o agora e só o agora é realmente importante. Ele cantou "que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se parar pra pensar, na verdade não há". E não houve amanhã para nós, não houve nem a noite combinada. Mas ele demonstrou o amor no tempo em que esteve comigo. Um amor que tenho a certeza que espalhou nos seus 14 anos de vida. E acho que não só ele era um anjo, mas fazia parte de uma legião angelical e fez seu amigo Arthur Henrique chegar até mim e me tocar com as palavras, que dividirei com vocês. Porque só o amor e a morte são capazes de modificar tudo.
    


Adriana, Não sei se acredita em Deus ou em destino, mas temos diversas coisas em comum:

.Sou estudante de jornalismo e amo esses "relatos do cotidiano"
.E conheço João, sou vizinho e amigo bem próximo dele.

Pulando de blog em blog acabei achando o seu e não acreditei no que vi: "Um texto sobre o João", pensei. Me recusei a acreditar até lê-lo...

Sabe, conheci João na escola. Não estudávamos na mesma classe, mas sempre nos "esbarravamos". Uma partida de futebol foi o suficiente para começar uma efêmera, porém significativa amizade. Sempre conversávamos sobre Fórmula 1, Rock e Guerra Mundial (assunto que ele entendia muito bem, por sinal).

Quando me formei em Dezembro de 2013, ele me perguntou se eu o abandonaria quando fosse à faculdade. Disse para ele parar de falar besteira e falei que nunca abandonaria meu irmãozinho (ele sempre me chamou de manão). No decorrer do ano passado, sempre nos falávamos e nos encontrávamos quando dava, nossa amizade foi crescendo muito e sempre o considerei demais, se tornando inclusive meu confidente (e vice-versa).

No dia 8 de janeiro, estava comemorando o aniversário da minha irmã quando recebi a ligação do acontecido. Nunca chorei e fiquei triste na minha vida como naquele momento: "Deus tirou meu maninho de mim", dizia.

Adriana, Não sei se acredita em Deus ou em destino, mas eu ter encontrado este texto "por acaso" não foi para mim coincidência! E não sabe o quão estou agradecido... Você, em pouquíssimo tempo que o viu, o descreveu perfeitamente. O menino que nunca tirava o sorriso do rosto, sempre tentando alegrar. Falante (demais kk) e no meu ver uma das almas mais puras que o Mundo teve...

Estou tentando agradecer, mas acho que estou escrevendo demais... é que amava tanto meu amigo que quero que saiba que o ocorrido não foi sua culpa ou de ninguém...Era pra acontecer e poderia ter ocorrido comigo, com suas filhas, com qualquer um...

Acredito em Deus e agradeço muito por ter chegado aqui e ler seu maravilhoso texto...Quero que saiba que deixou um amigo do menino que descreveu muito feliz e relaxado. E quero que saiba que Joãozinho foi um menino espetacular e ele está eternizado em minhas lembranças e em meu coração...

Muito Obrigado, Adriana

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Confiança

   Lá no começo da década de 1990 conheci a obra de Hal Hartley. Entre seus curtas e longas, me encantei com o filme Confiança (Trust, 1990), se fosse cineasta, roteirista ou escritora, queria ter feito algo parecido. Seus filmes são perfeitos na estética, na montagem, nos personagens filosóficos, desajustados e apaixonantes que cria. E nas trilhas sonora que escolhe, com todas as bandas dos anos 90 que gosto (Pavement, Sonic, P.J. Harvey). Nesse filme conheci o ator Martin Donovan, por quem arrastei uma paixão platônica anos a fio. Confiança é uma história de amor improvável. Uma adolescente é abandonada grávida pelas pessoas mais próximas e que mais confiava. Encontra estrutura e amor no homem mais velho (Donovan) que o acaso coloca em seu caminho. Toda essa introdução para falar que confiança é a base de tudo. Sem confiança não há amor, não há amizade e poucas chances de haver vida.
   A primeira vez que perdi a confiança foi aos 13 anos. Tinha um diário onde colocava os fatos da minha vida, as relações, as aspirações, os sentimentos e treinava a escrita. Um dia, numa discussão banal entre mãe e filha, minha mãe disse que mesmo eu não contando nada, sabia tudo o que eu fazia e pensava, pois lia meu diário (que eu guardava numa gaveta, bem escondidinho). Rasguei todas as páginas, indignada, fato que lamento muito, porque lá haviam muitas pérolas e histórias incríveis. Depois perdi a confiança em alguns namorados que não me contavam a verdade, mesmo eu sendo tão sincera. Então tive uma filha com alguém que eu não amava, mas que tinha amizade e carinho. Esperava ter uma relação saudável para criar uma filha saudável. Daí essa pessoa acabou de vez com minha confiança, inclusive em mim mesma. Porque uma mãe pode esperar até o abandono do pai do filho, mas jamais que invente calúnias para tirar o filho. Jamais que afaste indeterminadamente o filho.
   Talvez depois disso eu tenha me tornado uma pessoa que não se apega, que aceita tudo, não exige nada. Mas que não aprende. Ainda esse ano fui enganada por uma suposta amiga, que também era minha advogada. Agora eu sei porque minha ação demorou tanto. E outras ações estão em meu nome, sem eu nem sequer ter assinado nada.  Mas a justiça é feita, de um jeito ou de outro.
    
   Incêndio - Santos está pegando fogo há quase uma semana e não há previsão para conter as chamas. A imprensa não deu muita importância ao fato nos primeiros dias, afinal era feriado e morreu o filho do Governador (não diminuo a dor de seu luto, até porque conheci dona Lu e seus filhos e, mesmo se não tivesse conhecido, respeito a dor de qualquer família nessa situação). Mas foram três dias para criar uma equipe para administrar essa crise. No começo nem se falava em desastre ambiental, mesmo com o mar recebendo dezenas de milhares de peixes mortos. As partículas de gases poluentes se espalham pela Baixada Santista, haverá chuva ácida. Há risco para a população sim e o que está sendo feito é resfriar os barris ao lado dos que pegam fogo, para não haver uma explosão em cadeia. Já se fala sim em evacuar a área dos bairros próximos.
    O Governador está em luto, mas há uma equipe inteira no Governo que deixou a cidade, que tem o porto mais movimentado da América Latina, como um nau sem direção, uma pequena embarcação perdida no meio do oceano sujo de petróleo. O prefeito fez selfie entregando ovo de Páscoa para os bombeiros!
   Não confio na imprensa, não confio nos administradores da crise, nem no Governo. Confio no trabalho incessante dos bombeiros e na boa vontade das pessoas que acreditam que tudo vai dar certo. Mas eu, infelizmente, não sou uma dessas pessoas. Perdi a confiança em quase tudo. E acho justo que as pessoas também não confiem em mim.

Trailer de Trust https://youtu.be/pIgv4Tvx3V0 
   
  

terça-feira, 7 de abril de 2015

Caronas Perfeitas, Explosões, Reencontros e Rock

   No último feriado de Páscoa os planos não saíram como desejado, mas deu tudo certo no final. Para começar saí de Santos rumo a Ribeirão Preto de carona com um cara muito legal, advogado, que conheci por um grupo de Santos-Ribeirão. No carro estavam também três universitárias que estudam em Santos e tem família em Ribeirão Preto. A viagem foi longa, porém cheia de descobertas e confissões íntimas. Não lembro se foi Bruna ou Isabella quem viu primeiro a imagem das chamas e fumaça dos barris de combustível que explodiram em Santos. Uma faz Engenharia do Petróleo, a outra Ciências do Mar. E a outra moça, que passava mal de enjôo, Biologia. Todas sabíamos, ou pelo menos imaginávamos, a tragédia ambiental que se formava. Esse acidente já colocou abaixo meu plano de almoçar, após tantos anos, com minha mãe (avó de Dora) e Miranda (a irmã sempre saudosa).

   Após 5 horas de estrada cheguei para almoçar com as duas adoráveis filhas da minha amiga Paola (que estava viajando em alguma trilha ou montanha), tomei um banho e fui buscar Dora no ballet. A volta foi com outra carona ligeira de Ribeirão para a Capital. Em São Paulo ficamos na casa do amigo Gustavo Liedtke. Cinema e gastronomia, tipicamente paulistanos, foram os programas. Passeios com William Tagata, um adorável professor universitário. Foi bom Dora conhecer e rever meus amigos. Da trajetória cinematográfica, um filme em particular, foi emblemático: A Terceira Pessoa tem como tema pais e filhos e uma mãe que perde a guarda do menino e não o vê há tempos e o pai a proíbe de vê-lo. Não era nada disso a sinopse. Se soubesse não teria entrado. Chorei menos do que tive vontade, porque precisava me controlar. Foi difícil. Depois lembrei que Gustavo tinha me falado deste filme, porém não liguei nome a roteiro.
  Inesperadamente, uma derradeira festa no Aeroanta (sim, ele ainda existia, porém não funcionava), com show de seis bandas, antes da demolição para construir uma nova casa noturna. Eu e Dora, dançando ao lado do pessoal bongando, junto ao querido Fábio Diegues, como nos velhos e bons anos 90. Mas engana-se quem pensa que lá haviam apenas saudosistas. Sim, não teve como não lembrar das btandas que vi nascendo e crescendo por lá, mas a maioria dos presentes, tinha menos de 30 anos, logo, não deve ter participado de nenhum show, imagino.

   A volta foi ainda mais maluca (fisicamente falando). Saímos domingo 15h30 de São Paulo, e deixei minha filha na casa dos avós às 19h15. Menos de uma hora depois já estava em outro carro de volta para São Paulo, com um advogado muito bem humorado na direção, um jovem estudante de de Ciências Sociais ao lado e um casal de arquitetos comigo atrás. Apesar da chuva e do trânsito de fim de feriado, a viagem foi muito bacana, com assuntos dos mais variados e muito politizado, assim como foi a ida, com um estudante de Direito da USP de Ribeirão. Vítor é um garoto muito inteligente, que vai terminar o curso porque é bom ter um diploma de Direito, porém, não vai exercer, porque já está enojado com o sistema judiciário. Eu disse para não fazer isso, porque é de pessoas como ele que esse sistema precisa. Mas depois de me despedir, olhando-o afastar-se, pensei que talvez nunca mais o veja e ele precisa ser feliz e não fazer o que a sociedade precisa que ele faça. Infelizmente, nossa missão poucas vezes está relacionada com felicidade. Mas nunca é tarde para mudar o rumo dessa missão.
    Cheguei em São Paulo de madrugada, cansada, exausta, caindo diretamente nos braços do amor.  Porque como diz o título do filme O amor não tira férias e eu não me canso de amar. Mal me recuperei da quilometragem percorrida, mas já me preparo para a próxima viagem de surpresas e novas pessoas.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

A Vida Imita a Pop Art


   Conjecturando com meu primo Junior, o primeiro salvador após uma súbita perda financeira de carteira abastecida, cartão de banco e documentos, passei do choro ao riso, há um mês atrás. Quando esses roubos ou assaltos acontecem (e comigo acontecem, em média, uma vez por ano) dá um vazio interior, uma dor de estômago, um pesar profundo ao pensar em todo o tempo despendido em PerdeTempos, RoubaTempos burocráticos, uma sensação de idiota. Ficar sem cartão, sem carteira não é tão charmoso quanto sem lenço e sem documento.
   Daí eu e meu primo tentávamos analisar porque essas coisas acontecem e entender a razão e reação, como uma troca de energia. Sua teoria é que “assombrações” só costumam aparecer perto de cemitério e lugares sombrios. “Você nunca ouviu dizer que apareceram espíritos em festas, onde tem gente dançando e se divertindo”. Filosofamos sobre as energias negativas das coisas e pessoas.
   Então tentei afastar meus pensamentos negativos e imaginar algo engraçado nisso. Me senti um episódio de Two Broke Girls, em que uma patricinha falida mora numa kitnet com uma garçonete vulgar. Essas séries ficam no inconsciente quando há uma identificação, acho. Então ouvi mensagens positivas de “somos fênix”, “acalme-se que tudo se resolve”. Mas penso que fênix ressurgir das cinzas é uma lenda e quando tudo se resolve, algo acontece para complicar. De novo pensei nas amigas Max e Caroline, as garotas quebradas. A cena inicial mostra quanto dinheiro as amigas iniciaram o dia e a última, a cifra de quanto conseguiram aumentar ou diminuir ao final do episódio. Pois eu comecei o dia perdendo uma nota na máquina de lavar e encerrei o dia recebendo o mesmo valor do primo Junior. Não vou dizer quanto é para não causar dó ou piedade nos mais abastados, nem indignação ou tornar humilhado o menos favorecido. O incrível foi ele, meu primo, ter o valor idêntico e ser a pessoa mais próxima, geograficamente. Nós dois, tão céticos, começamos a elucubrar sobre algo que não seja só o caos.

  A dor no pescoço me despertou cedo demais. Lembrei que continuava quebrada e, após levar Miranda na escola, sem capital para consumir nada além do necessário, resolvi ler algo que fosse útil: Dor nas Costas, como Tratar e Evitar. Vi que evitar não tem mais jeito e é ilusão de quem pensa que natação é um esporte que só faz bem. O que mais conheço é nadador (de competição) com problemas em joelhos, ombros, coluna. Mas os pulmões, olha, esse está sempre bom, podem acreditar!

   Estava procurando um apartamento para alugar em Santos. Enquanto isso, me hospedei na casa da grande amiga Marcia Abad, outra garota quebrada. Mas nossa situação chegava a ser pior do que de Max e Caroline, porque tenho uma filha de 6 anos e ela um de 16, totalmente por nossa conta e risco. Marcinha, uma engenheira florestal, que chamo de amiga google porque sabe de todos os assuntos, é só chamar, também andava quebrada e desanimada, pois não conseguia achar mais emprego em sua área e o que via estava muito abaixo do salário merecido. Sim, vivemos uma crise como nunca vista em nossas vidas e começamos a tentar driblá-la com risos e nos chamando de Max e Caroline. Eu sou Max, apesar de não ser uma garçonete vultar, mas pelo volume dos seios. Marcinha é Caroline, apesar de nunca ter sido patricinha, mas pela falta de volume nos seios. Assim como as duas personagens, também nos trolamos com essas características.
   Outro seriado de comédia que gostamos (aliás, é o meu favorito desde a primeira temporada) é o The Big Bang Theory. Percebemos que os mais nerds e estudiosos, também são os mais falidos. Será coincidência? Sendo ou não, chega um tempo em que o dinheiro é mais importante do que o prestígio e precisamos fazer até algo nem tão prazeroso, mas que dê grana. Da tristeza dos apertos passamos a nos divertir com pouco e ficar felizes com banalidades. Não esperamos um prêmio Nobel como o Dr Sheldon Cooper, mas queremos ser reconhecidas em nossa área, por mérito. E se um dia vierem prêmios (e pagos em cash) serão muito bem vindos.

   Então olhando no calendário vi que terei alguns feriados com minha filha Dora e as idas e vindas para Ribeirão Preto, seguidas de outras viagens e estadias e passeios, ficarão bem caros. Ontem mesmo avisei Caroline: “Não sei se você percebeu, mas não mudarei daqui antes do final de maio”. Tudo bem, já está se tornando uma sátira essa vida dividida. O pior era a convivência entre Miranda, de 6 anos e Dionísio, de 16. Mas como ele tem uma irmã de 7 anos, por parte de pai, e Mi tem uma de 13 que pouco vê, é uma forma de perceberem como seria esse convívio entre crianças e adolescentes. Dio joga esses jogos cheios de histórias da Era Medieval, Miranda virou sua assessora para armaduras e garotas bonitas. Fez até que ele tivesse dois filhos no mundo virtual, muito a contra gosto. "Miranda, pra quê ter filho? Você não vê como nossas mães tem trabalho?". Dionísio é um bom garoto. Sabe das coisas.
   
  No fim a vida não passa de uma imitação da arte. No nosso caso, é imitação dessa cultura pop que não temos vergonha em admitir o quanto gostamos. Mas Marcia está há um mês em novo emprego, como engenheira florestal... mas essa é história para outro post, já que a militância na defesa do meio ambiente é outra motivação que nos une. Seguimos quebradas, porém com remendos cada vez mais fortes.