sábado, 10 de maio de 2014

Que Nossos Filhos Continuem Nos Amando

    Dizem que é apenas uma data comercial e que dia das mães é todo dia. Não, não é. Para uma mãe proibida pela Justiça de exercer a maternidade, nenhum dia é dia de ser mãe.  E essa data comercial passa a ser de uma dor incomensurável. Imagino que o mesmo aconteça para crianças sem a presença da mãe viva. O que pensam? Nem sei mais qual o valor desse dia (e dos outros dias) para minha filha.  Esse será o quarto ano consecutivo que ela passará sem mãe.
    Espero (só o que tenho feito é esperar) que no próximo ano esse quadro mais surreal que uma obra do Salvador Dalí, mude. Será que o juiz conseguirá decidir alguma coisa nos próximos 12 meses? Nem que seja uma negativa, para que eu possa recorrer?  Será que algum dia das mães terei minhas duas filhas juntas, comigo?
   Tento imaginar o que a família da minha filha tem falado para ela nesses anos. Não a vejo desde dezembro, numa visita pedida pela minha advogada, pela proximidade do Natal. Deixei de ir nas visitas em outubro, por um mês, e perdi o direito. Agora se quiser ver de novo, tenho que fazer novo pedido. E isso pode atrasar ainda mais o processo. Como em novembro fizemos vários pedidos, minha advogada concordou que seria melhor esperar e ter 10 dias de férias. Passaram as férias. Esperei o aniversário dela. Esperei o Carnaval, depois a Páscoa. Logo chegarão novas férias e se continuar assim, não a verei o ano inteiro. Ou então vou ter que pedir de novo visitas monitoradas no Fórum. 
   Quando eu tento explicar para ela, por mensagem, os trâmites legais, numa linguagem menos burocrata, diz que não quer saber desse papo. Resta deixar que falem o que quiserem falar.Espero que não falem que a esqueci, como sempre, só espero. Como explicar que visitas de 2h, numa segunda-feira, a 500km de distância, é algo muito complicado? Talvez eu deva mudar para lá. Miranda já me sugeriu isso. Miranda diz muitas coisas que me impressionam. Dia desses falou do nada: “Tenho certeza que quando a Dorinha fizer 18 anos vem morar com a gente”. Me deu vontade de chorar, mas não choro mais na frente dela. Apenas a abracei. Se Dorinha seguir meus passos estará morando em república e fazendo faculdade com essa idade. Morar de novo com a gente é um sonho que eu deixo Miranda continuar sonhando. Derrotista eu? Não, é só usar a lógica: se em 3 anos 4 meses não consegui nem um fim-de-semana... 
    Sei que todas as mães proibidas pela Justiça de estarem com seus filhos estão sofrendo mais neste mês. Falo com todas. Mais duas me procuraram na última semana. Uma delas tem o perfil tão parecido com o meu, respondi o primeiro email, mas nessa semana não consegui responder nada sobre o assunto. Não quero que percam antes de lutar. A outra tem um bebê de meses. Como dizer para ela que já vi uma mãe amamentando um bebê de meses em um visitário público? 
    Minhas amigas Adriana Botelho e Luciana Mendonça já escreveram sobre o dia das mães. Sei que outras irão escrever. Sei o quanto sofrem e o quanto sentem. Sei que pensam em desistir e muitas vezes tentam esquecer. Sei que não conseguem. Sei que as mães que tem outro filho tentam preencher o vazio e a falta daquele que foi levado. Sei que também não conseguem. Mas tenho uma certeza intuitiva que, de alguma forma, esses irmãos serão capazes de juntar os cacos e montar um mosaico muito lindo. Sinto que serão capazes de retomar o vínculo e contar as histórias que foram proibidos de viver juntos. 
    Nas minhas noites de insônia imagino minhas filhas encontrando-se com os filhos dessas mães minhas amigas, formando um grupo de apoio, contando suas experiências pessoais, fazendo um trabalho de reforma judiciária, mudando Leis. Porque nós, as mães, vivemos um lado da história. Tem a outra parte que conta o que quiser. Só eles, nossos filhos, quando crescerem, serão capazes de avaliar o estrago que seus pais e o sistema judiciário fizeram em suas vidas. O buraco que deixaram. Espero que superem tudo isso e façam muita diferença nesse mundo caótico. E que continuem amando muito suas mães. Cazuza, meu querido poeta, errou ao afirmar que “só as mães são felizes”, mas nós merecemos sim “todo o amor que houver nessa vida”. 

terça-feira, 6 de maio de 2014

Jornalismo de Internet: Linchamento e Idolatria

    Ontem assisti ao telejornal local e fiquei chocada com o linchamento de uma mulher aqui onde estou morando. No meu último post fiz um parágrafo inteiro de críticas ao Guarujá – descaso com saúde, educação, segurança pública - mas tirei porque poderiam me confundir com uma bairrista. Estou farta de confusões causadas na internet. E essa mulher sofreu um assassinato coletivo, causado por um boato. Não vou falar como o boato se propagou, pois posso ser leviana ao propagar mais erro e discórdia. Porém, mesmo que ela fosse uma sequestradora de crianças, para usá-las em magia negra, teria direito de defesa. 
    Há algum tempo uma corja de “jornalistas” dissemina discursos de ódio e intolerância. Só fico observando o tanto de “amigos” e parentes reacionários concordando com tudo isso, postando textos simpatizantes de Datenas e Sherazades da vida. Já me questionaram sobre liberdade de expressão, se proibir a tal Sherazade de incitar linchamento não seria coibir seu direito de expressão. Penso que nossa liberdade termina quando atinge a dos outros. E o outro tem o direito de defesa, sempre. Penso que toda história tem duas versões e é preciso sempre analisar profundamente as duas. 
    O mais assustador é que várias pessoas, vendo a selvageria, preferiram gravar no celular do que ligar para a polícia. Talvez a culpa, além do estado de barbárie e escuridão que a maioria da humanidade se encontra, seja também desse jornalismo de internet. Talvez porque essas pessoas sentem-se abandonadas a própria sorte, desacreditem do sistema judiciário e achem normal fazer justiça do olho por olho, dente por dente. 
   Acho ótima essa era digital. Quem me conhece sabe do meu interesse por todo tipo de inovação tecnológica, desde sempre. Lá nos anos 90 eu procurava em sites de revistas científicas, notas para colocar no jornal Diário do Grande ABC. As publicações eram em inglês, de mídias muito bem conceituadas, mesmo assim eu temia fazer tradução errada ou que a informação estivesse errada. Pedia para mais duas jornalistas conferirem o texto de, no máximo 10 linhas. Sempre tive horror de passar informação errada. Sempre tive total consciência do poder das palavras, ainda mais vindas de um jornalista. As pessoas tendem a acreditar nos jornalistas e achá-los muito inteligentes e bem informados. Por isso, os jornalistas de verdade fazem o impossível para manter a credibilidade. Quando um jornalista perde isso, perde tudo. E me causa náuseas ver o tipo de jornalismo que está sendo praticado. 
   Teve um tempo que trabalhei com uma equipe bem mais nova do que eu. Via jornalista esperando releases, mudando apenas palavras, não checando nada, buscando notícias na internet. Cadê o sangue nos olhos do repórter? Cadê a apuração dos fatos? Ainda tem gente que defende não ser necessário o diploma de jornalismo... se nem com diploma a galera está fazendo direito, imagina essa turminha que acredita em tudo o que se posta em facebook fazendo matéria de denúncia? 
    Há pouco tempo circulou uma falácia sobre um suposto jornalista dinamarquês que cobriria a Copa, mas decidiu ir embora por conta dos horrores que viu no Brasil. Alguns amigos meus compartilharam, li tudo e só consegui pensar: “que cara burro, fosse eu faria um monte de matérias além-Copa e virava correspondente do fim do mundo”. Não me dei ao trabalho (voluntário) de checar o perfil do tal dinamarquês, mas li comentários absurdos, de gente concordando com tudo, metendo o pau no Governo do Ceará. No fim era um perfil fake, um jornalista de verdade checou. 
    Assim como a maioria dos relacionamentos amorosos e sociais, o jornalismo também perdeu os olhos nos olhos.  E quem tem menos de 25 anos acredita que isso seja jornalismo. A notícia de que essa pobre mulher havia sido linchada já circulava há uns dias, mas não vi muito TV porque só se falava dos 20 anos de morte de Ayrton Senna e acho essa idolatria um porre. O melhor que li sobre o tema foi um texto do *epichurus.com (Santo Senna) http://epichurus.com/2013/11/25/santo-senna/, sobre a “tragédia” que foi isso para o Brasil vista por quem estava fora do País. A partir deste texto tentei formar um pensamento filosófico sobre como e porque Ayrton tornou-se esse herói nacional. Bem simplória e resumidamente acho que a grande maioria identificava-se com ele porque era um cara tímido, de poucas palavras, mas era só colocar as mãos no volante e transformava-se num audacioso que ultrapassa em curvas perigosas, um imprudente que corre mais em dia de chuva. Brasileiros se espelham em Ayrton, talvez por isso o Brasil seja campeão em acidentes de trânsito. 
    Piloto morrer em pista de corrida não é tragédia, é acidente de trabalho, todos sabem do risco. Tragédia mesmo é o que aconteceu com essa mulher, linchada **erroneamente por sanguinolentos. Ela não foi a primeira e, infelizmente, creio que não será a última a morrer por “engano”. Se Jesus voltasse hoje, como acreditam alguns fiéis, seria novamente apedrejado. Sem dó ou piedade.

*é um blog escrito por nadadores, bem específico, mas também fala de outros esportes e eu fico orgulhosa em perceber como nadadores sao coerentes. Talvez ficar várias horas por dia, durante anos, ouvindo o som de bolhas de água, faça pensar melhor, só acho...

** o linchamento, por si só, já é um grande erro

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Ventos Fortes, Novos Ares, Amores Antigos

   Acordei com barulho de ventania. Depois de dois dias sem sair de casa fui andar ao sabor do vento. Um vento morno, que deixava meu cabelo do jeito que gosto: bagunçado. Depois vi que esse vendaval causou muita destruição e até incêndio na Baixada Santista. Impressionante como é envolvente e devastador o poder da natureza, mas mesmo trágico, parece que o vento levou o que havia de ruim embora.
   Mas a literatura, sempre ela e a música, ajudou também a clarear o horizonte. Nesses dias, sofríveis, li 1808, de Laurentino Gomes, e entendi um pouco mais sobre como sou e porque sou e de onde venho. Pensei na minha família portuguesa, atravessando o oceano para um lugar novo e desconhecido. Pensei na dualidade dos portugueses, tão desbravadores dos sete mares e, o mesmo tempo, o primo pobre da Europa. Destemidos e com baixa estima. Inovadores nas conquistas e sempre presos no passado de glórias, tipo eu (que nem tive lá tantas glórias assim).
   Uma coisa que meu pai sempre lembrava era o obscurantismo em que Portugal se meteu por ser um País completamente católico, portanto conservador e assassino (Santa Inquisição). Lembro bem da minha vozinha, Maria do Carmo Brites, do baixo de seus 1m45cm, devota de Nossa Senhora de Fátima, balançando a cabeça com seus lindos olhos azuis e cabelos platinados, no estilo Chanel, cada vez que meu pai maldizia a Igreja. Tipo “perdoe esse homem, senhor, ele não sabe o que diz”. Mas ele sabia, sim. Pensei muito nele no dia da canonização dos dois Papas, se vivo estivesse (e sem Alzheimer), faria comentários cheios de ironia sobre a nova regra de não precisar nem mais de dois milagres para virar santo.
   Talvez esteja no meu DNA essa vontade de sair viajando, conhecendo gente nova e seus costumes, assim como um pensamento melancólico e fúnebre, que vem de repente, como se eu não fosse capaz de nada, nem de ser amada. Em alguma parte do livro (1808) li que Portugal era como um marisco, entre o rochedo e o mar (quando pairava a dúvida entre render-se`a França ou resistir, junto da aliada Inglaterra). Muitas vezes me sinto como um marisco, apanhando das ondas, mas agarrada nas pedras, resistindo sempre. Além do que achei linda essa história de estar entre o rochedo e o mar. Pura poesia.
   Por falar em poesia, minha querida Raquel foi selecionada para o livro Novos Poetas, fiquei orgulhosa que só. Daí há algumas semanas fui com Miranda fazer visita para essa família que tanto amo. Raquel criou um blog para uma aula de empreendedorismo e começou a me dar dicas. Ela e também seu irmão gêmeo, Pedro, o príncipe. Os dois se revezavam entre brincar com Miranda e tentar dar um up no meu blog. Primeiro me fizeram colocar o número de leituras, porque “quanto mais lido, mais as pessoas irão ler”. Depois colocar os textos mais lidos, porque “serão mais lidos ainda”. E querem colocar anúncio e tem um outro lance que ganha sei lá quantos centavos por cada texto lido. Puxa, deixei de ganhar uns 100 mil reais nessa brincadeira... mas nunca é tarde para começar. 
   De repente eu ali, com os gêmeos de 12 anos me dando dicas de empreendedorismo. Sempre adorei a adolescência. É a fase de maiores mudanças na vida. Não posso acompanhar a adolescência da minha filha, mas posso acompanhar dos filhos da minha amiga, que já não pode. Que vida, né?
   
   Comecei receber uns chamados ruralistas há uma semana. Eu, que pensava agora mais seriamente do que nunca, exercer minha cidadania portuguesa e abusar do meu passaporte europeu, me vejo sendo sugada para o meio do mato. Para dentro da natureza selvagem, que tanto admiro e respeito. Com pessoas que acreditam nas mudanças pela educação e cidadania. Talvez meu tempo de ter “escritório na praia e estar sempre na área” esteja acabando. Santos ainda é a melhor cidade que já morei (e morei em várias) e sei que sempre irei voltar, como o filho pródigo.
   Como escreveu meu querido amigo Angel, algumas pessoas são como navios que passam, para me salvar do naufrágio. Tenho contado com alguns grandes amigos nesses tempos de tempestade: Angel Rodriguez e família; com o amor que, mesmo de longe, acalma minha alma perturbada. Geórgia Corrêa, que ressurgiu para ocupar o espaço que sempre foi seu em minha vida. Os sempre presentes Gustavo Liedtke e Fábio Diegues, meus companheiros desde a faculdade, do tipo que nunca preciso contar como me sinto. Eles já sabem só no olhar. São muitos navios que passam para socorrer essa náufraga. Muitas vezes fico cega pelas lágrimas e nem vejo quando me acenam.
   Estou assim meio poética porque hoje a menina Giovana, que nem imagina o quanto inspira a mim e tantos outros (ou talvez tenha certeza disso), escreveu “Se uma escritora se apaixonar por você, você pode nunca morrer”. Achei tão lindo. De certa forma tornei alguns dos meus amores imortais. Ao nomeá-los torno possível que sejam lembrados daqui umas décadas. Por outras pessoas, porque por mim jamais são esquecidos (a não ser que tenha Alzheimer).
   Juro que tento ter um novo amor. Mas dá uma preguiça alcançar aquele nível máximo de intimidade. De ter que lidar com insegurança, confusões mentais masculinas e sentir aquela queda infinita da paixão. Gosto muito de ser eu e minha(s) filha(s). Nunca apresento como namorado antes dos 3 meses, como nos empregos, período de experiência. Muitas vezes não chega nem nesse tempo.
   Queria esquecer meus amores do passado. Mas é um torpedo que chega do namorado de adolescência. Uma mensagem daquele que está em outro País... e tudo isso para ter a certeza de que tive namorados incríveis. Todos antes dos 30 anos. Depois disso ou fiquei muito exigente ou perdi a capacidade de amar e ser amada. Ou fico agarrada no rochedo, tipo o marisco...