sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Dia D Dora

   

     Há 15 dias que Dora foi levada! No fatídico dia 10 de fevereiro de 2011, um dia após completar 9 anos, eu e Dora fomos logo cedo até o Teatro Municipal, ver o resultado do exame dela e do teste da Raquel, a melhor amiga, que também quer entrar no Balé do Municipal de Santos. Fomos andando, conversando, fazendo planos, paramos numa padaria para tomar um suco... e chegamos no Teatro.

   A lista de aprovadas no teste pregada na parede, no ano passado, nessa mesma época, eu não passei por essa emoção, da lista de aprovadas, eu e Dora estávamos em Boraceia, mas minha tia Cida fez as honras da casa e vibrou quando viu Dora na lista. Senti dessa vez o mesmo frio na barriga, a mesma ansiedade, assim como Dora, que tanto torcia para a amiga. Lá estava o nome Raquel Figueiredo Schiarri e subimos felizes para o andar onde estava a caderneta com o resultado do exame. O resultado da aprovação veio com a frase que me encheu de orgulho e de sensação de trabalho bem feito: "Parabéns pela performance durante o exame, apresentou um trabalho limpo, consciente e agradável. Continue trabalhando com determinação e persistência, para alcançar mais sucesso." Melhor impossível! Voltamos conversando e fazendo planos de como seria esse ano no balé, Dora veio lendo as normas, figurinos, tão feliz, tão feliz!!!

   Quando chegou em casa foi direto ligar para dar a boa notícia para a amiga e Raquel ainda estava dormindo. "Mãe, não acredito, ela nem acordou ainda! Eu acho que eu nem teria dormido!" Certeza, por isso se dão tão bem! No almoço Dora não comeu quase nada, tudo bem que estava um calor de 35 C, mas eu insisti para que comesse mais e ela até chorou... eu pedi desculpa, dei beijinhos, abracei e disse que só me preocupava porque era preciso se alimentar bem, a bailarina é uma atleta, uma artista/atleta . E ela comeu... tão obediente e compreensiva. No caminho da escola muita conversa, ela tão animada com o uniforme novo, com as aulas de espanhol da nova escola, me sugeriu pegar um cinema pra fugir do calor, gostei da ideia, dei-lhe um beijo na testa: "boa aula, meu anjo, mamãe vem te buscar".

   Fui em dois bancos, ainda dava tempo de  pegar uma sessão. Comprei ingresso para 14h, Cisne Negro, tomei um café e lá fui eu encarar um filme perturbador, tenso e denso, sobre balé, sobre dupla personalidade, sobre esquizofrênia, arte e perfeição. E muita dança... e o tempo todo pensando em Dora, em seus sonhos, suas sapatilhas de ponta, seu esforço, sua dedicação. Dez minutos depois do filme terminar, eu ainda com mau estar por causa da trajetória trágica da personagem Nina, meu celular toca, da escola Ateneu Santista, me chamando para estar lá, rápido, perguntei se aconteceu alguma coisa com minha filha: "Dora está bem, mas venha antes, por favor".

   O pai dela esteve lá, com oficial de Justiça, advogado e Rede Globo, após 4 anos e 5 meses sem ver a filha, foi de uma forma traumática, agressiva, burocrática... e ele mesmo escreveu em vários emails que jamais traumatizaria ainda mais a filha. E desde então Dora se foi, não sorriu e nem chorou, não nos despedimos, foi com uniforme, mochila, tênis, tudo dela está comigo, minha filha não morreu, mas a vida que ela tinha até 15 dias atrás morreu. Ela teve a vidinha dela arrancada! Os sonhos, os projetos, as alegrias, os amigos, objetos, tudo dela ficou pra trás! Vai ver que ela não se despediu porque logo vai voltar...

   Foi o dia D de Dora. E como não posso falar com Dora, nem vê-la no momento, tenho que entrar com recursos jurídicos para que isso aconteça, só me resta escrever, para que um dia ela leia tudo isso e possa tentar entender o mundo dos adultos e das Leis dos homens. E que ela possa esquecer...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Dor do Outro

   Ontem estive com a melhor amiga da Dora, Raquel, uma menina inteligente, sensível, talentosa, bonita e carinhosa, assim como Dora. A mãe de Raquel já havia me contado da tristeza da filha por causa da Dora, não só a falta da Dora, mas pelo que Dora está passando, já passou e ainda passará, também o sentimento de perda, porque Raquel não sabe quando verá ou falará com a amiga de novo, ficou um espaço vazio em sua vida. E essa tristeza e angústia são intensas, porque crianças são urgentes, quanto menores, maiores suas urgências. Dora tem 9 anos, viver sua vida de novo, para ela é urgente, há quinze dias ela foi arrancada da sua vida! Levada da escola, no meio da aula, com oficial de Justiça, pai, advogado do pai e equipe de reportagem. Esqueceram de levar um psicólogo, um assistente social e de chamar a mãe para que ela não se sentisse tão perdida.

 Estive com Raquel porque a equipe de reportagem do Profissão Repórter esteve na casa dela, mostrar como vivia socialmente Dora. Raquel, que é só sorrisos, tinha um olhar triste, ao falar das brincadeiras que costumava ter com Dora.  Não ouvi a entrevista, não sei se falou das revistas que criavam, sobre moda, fatos cotidianos e algumas viagens do que elas querem que aconteça. Não sei se falou das coreografias que criavam e ensaiavam, se falou dos jogos de palavras e raciocínio, porque elas gostavam de brincar de estudar. Espero seja o que for que Raquel falou, ajude Dora, nem que seja para quando essa matéria sair, Dora fique feliz por ver Raquel e saber que ela sente tanta amizade por ela.

A mãe de Raquel, Claudia, também foi entrevistada, pois somos amigas de fé por conta da amizade de nossas amadas filhas. A família toda sente, mas Raquel... ela partilhava os sonhos de Dora, como só as melhores amigas partilham, uma torcia pela outra, vibrava (e continuam vibrando em energia postiva), apoiava, inspirava. A melhor amiga de Dora sente sua dor. Mas quem está com Dora, não sei com quem, como e onde está, não sente a dor de Dora. Porque se em Raquel dói tanto assim a falta da melhor amiga, Dora sente essa falta, somada irmã, mãe, casa, amigos, livros, escola, balé, roupas, brinquedos, sapatos, fivelas... ela foi levada de uniforme, mochila e tênis. É tudo que Dora tem da vida que lhe era tão preciosa.

   Ela não mais conversou com nenhum amigo, nem com a mãe...suas referências foram todas arrancadas! Ela não pode mais escrever no msn, fazer ligações, receber ligações. Eu pedi para várias pessoas ligarem  em um número que ela me ligou por duas vezes, na primeira me contou que estava com o vovô, vovó, pai e tia, depois que eu disse que a amava e que faria de tudo para trazê-la de volta, ela disse "tá bem mamãe", começou a chorar e desligou. Na segunda, perguntei onde estava, disse que o pai não deixava ela falar onde estava e então desligou, desligaram... e assim vive Dora agora, com sua liberdade de expressão presa, cortada, privada. Seus sentimentos devem estar confusos. Seu coraçãozinho apertado.

   Há 4 anos e cinco meses, levei Dora para uma visita de final de semana e nunca mais devolvi na casa do pai dela. Agora eu sinto o que pode ter sido a dor do outro... mas não senti, durante esses 4 anos, cinco meses e 4 dias, dor em Dora. Mas dói muito em mim, a outra dor. Assim como Raquel sente tanto a dor da Dora.