quarta-feira, 17 de junho de 2015

De Doer os Olhos

   Será que a vida de todo mundo é um looping infinito? Ou será só a minha? Por que aqueles que estavam lá no meu passado, num lugar guardado com carinho, com lembranças que só causam suspiro leve, voltam para embaralhar tudo? Por que continua sendo tão presente e tão real? Talvez seja o medo de me entregar para o novo, já que o antigo conheço bem, sei como lidar, o tamanho do que pode ser essa dor. Ou melhor, a esperança de um recomeço, sem dor nenhuma.
   Minha vontade era não ser eu por um dia. Ser um pássaro que voe bem alto, um condor sobre os Andes, sobrevoando a Cordilheira, no branco das montanhas de doer os olhos, em direção ao céu de azul infinito. E quem sabe com a visão ampliada, pudesse compreender os mistérios dos sentimentos. Porque tem vezes que o que sinto é tão forte que arde. E é tanta coisa que penso o tempo todo, que queima.
    Para parar essa ebulição eu mergulho e nado. Nadar é minha única forma de meditação, o modus aquático, como diz a grande amiga Paola, aquele que você não ouve ninguém, não fala nada, apenas roda os braços, bate as pernas, respira e expira.
    Quando penso que a vida está pesada demais, sempre tem um mar salgado ou uma piscina clorada para deixar tudo, literalmente, mais leve. Nosso corpo fica tão leve que flutua. Da água viemos. Somos 70% líquido. Como é bom poder nadar nua. Lembro de uma noite de verão na praia de Paúba (litoral norte de São Paulo), vazia, deserta. Eu e duas amigas, Flavia e Ana Paula, tiramos a roupa e nadamos nas águas calmas e sem ondas. Em cada braçada a iluminação vinha com os planctons. Parecia um filme de aventura com efeitos especiais. Me senti mais iluminada. Me tornei mais luz.
    Não sei bem o que estraga quando tudo parece perfeição. Pensar demais estraga. Minha mãe me dizia desde criança que eu tenho resposta para tudo. Não, eu sempre tenho pergunta para tudo. Procuro respostas. E talvez questionar demais também estrague. A perfeição existe, a virtude absoluta, na arte, na natureza, no esporte e em pessoas. Conheço pessoas virtuosas e magnânimas. Aprendo com elas, tento agir como tal. Tento buscar a perfeição, mas buscá-la nem sempre é alcançá-la, porém não consigo desejar menos que a perfeição. Me conformar com o que sou e faço é me sentir medíocre. E se há algo que me apavora, é a mediocridade.
    Queria uma trégua nessa batalha que tenho travado. Queria mais tempo para mais abraços apertados. Queria uma luta que não fosse inglória. Eu deprimo, mas nunca por romances fracassados. Eu deprimo pela impossibilidade de mudar as coisas, por esse mundo que evolui de forma caótica. Por ter cinco acontecimentos ruins para cada acontecimento bom. Pelas pessoas que vão e não voltam mais. 


 Submersa

A paz que procuro
muitas vezes encontro no quarto escuro
Ainda acordo com falta de ar e choro
não ignoro esse sentimento imenso
nem mesmo quando racionalizo e penso
que rompi o pacto que fiz comigo
de em outros braços não procurar abrigo 

porque sozinha estarei segura
sem anseios, sobressaltos, devaneios

a estrada é longa, a alma é pura
sou parte da poeira cósmica do universo
estou perto do estado inerte e submerso

dentro de mim vive a espera
vai e traz de volta o que já era

A paz dos teus olhos tão vermelhos
meu amor, minha vida, meu espelho
Esse vazio que ficou porque nunca mais voltou
em mim tudo mudou
já nem sei mais quem sou
porque nada será como antes foi
e não quero deixar mais nada pra depois



  

quarta-feira, 3 de junho de 2015

A Dor e a Flexibilidade

   Fazia tempo que não sentia tanta dor, daquelas de acordar com falta de ar no meio da noite, com dor forte no peito, sensação de abandono. Mas não era infarto, era amor. Há 10 anos não me apaixonava de verdade, desta forma física e metafísica. Sempre mantenho no racional, ou tento. Queria parar de sentir essa dor que não me habituo. Me disseram que amor sem sofrimento é capricho, penso justamente o contrário: sofrer de amor é um capricho, um luxo que não tenho, nem me permito.
  Então me deu vontade de sentir uma dor muscular, uma dor real. Então fui nadar, depois de três anos parada. Afinal nadadores são todos uns masoquistas, que gostam de sentir dor, de ficar cansados e olhar para aquele monte de azulejo o tempo todo. Nadar é repetitivo. É muito técnico, é silencioso. É introspectivo demais.
  No primeiro dia foram 1.800 metros que pareceram 18 km. Mas voltei no dia seguinte para uma equipe que me recebeu com palmas e sorrisos. Os braços pareciam que não rodavam, não puxavam água. E quando o técnico falou 3 séries de 3 de 200 metros progressivo, achei que era três demais e que nadaria do jeito que desse, porque não poderia progredir naquele momento.
    Á noite estava tão esgotada que adormeci às 21h30, junto de Miranda. Acordamos a tempo de ver o sol nascer na praia de Santos. Foi lindo. E a dor nos braços, que pareciam inchados, era muito maior que a dor no peito. Passei parte da manhã que começou tão cedo, me alongando. Lembrei dos tempos de treino pesado mesmo, 4 horas por dia, 7 dias por semana. Nos alongávamos longamente antes de entrar na piscina. Constatei que a flexibilidade alcançada na força é  importante para toda a vida. No alongamento forçamos ao máximo os músculos e articulações e paramos o maior tempo possível na mesma posição. Pensamos que atingimos o limite. Mas na segunda vez o corpo estica mais. E mais ainda na terceira. O limite é uma questão de treino. Passar do limite é questão de paciência. 
    Dói alongar, mas depois que acostuma, a dor cessa e é quando podemos esticar ainda mais. E no terceiro dia de piscina os braços doíam menos. Ser flexível é saber parar no seu limite, respeitar o limite do seu corpo. Depois perceber que pode ir mais longe. É poder virar para todos os lados. Uma pessoa flexível aceita o limite do outro. Aceita suas dificuldades, divergências e limitações. Entende que é preciso saber a hora de parar e ceder.
      Muitas vezes fui questionada, por quem nunca foi nadador ou atleta, o que eu ganhava nadando tanto, já que eram só medalhas e não tinha salário. Eu ganhava  e continuo ganhando viagens, novos lugares, força, flexibilidade, disposição e, o melhor e mais importante de tudo, amigos.
    Hoje a série principal foi 1 de 500m, depois 400m, 200m e 100m, progressivo, pegando a frequência cardíaca. Consegui fazer, apesar da frequência ter chegado 190 por minuto. Meus braços acostumaram ou tiveram a tal memória celular, que um dia me explicou a querida nadadora Cyntia Higa, e já conseguiram puxar mais água. Como sempre digo, melhor que doam os braços do que o coração.