sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Justiça Tardia Não é Justiça

Sempre tive um refúgio para me esconder do mundo, fugir da realidade e conhecer outras histórias: sala de cinema. É um programa que podemos fazer sozinhos, mas é tão bom ter amigos quase tão cinéfilos quanto eu para poder comentar o filme depois. Tenho sorte por tê-los em todas as fases da vida. No início da adolescência e um bom tempo dela tive Renatinha (Renata Morales Banjai) e Beth Yumoto, no geral, meus amigos da natação adoravam ir ao cinema. Paola Miorim também era das minhas, entre tantos, vimos juntas O Exterminador do Futuro e a cada susto, apertava seu braço de um jeito, que deixei vermelho. Meu querido André Corrêa, que após mudar-se para São Paulo, passava os finais de semana em Santos e víamos vários filmes em dois dias. Com o Leo ia ao cinema duas vezes por semana, sempre à noite, porque eu estudava de manhã e treinava à tarde. Mas a fase mais viciante em cinema foi com Carla Stoicov e Fábio Diegues. Além dos cinemas comuns, dos filmes em casa, batíamos ponto toda semana no Cine Posto 4, em Santos. É o cinema mais singular que conheço. Fica na areia da praia, tem 30 lugares e só passa filme muito bom, daqueles que você nunca vai ver nos Cinemarks. Não que eu não frequente Cinemark, adoro filmes de ação e ficção também, aliás, cinéfilo gosta de todos os tipos de filmes que sejam bons. E relembrei tudo isso porque ontem fui ao Posto 4 com minha amiga querida, Marcia Abad. Ela queria me alegrar e sabe o quanto gosto de filmes, não lembrava o título, mas sabia que era um filme espanhol muito bom, sobre a época da ditadura do general Franco. Fugimos do calor e nos enfiamos na pequena sala escura. A Voz Adormecida começa tenso, sabemos que é trágico. Uma das protagonistas me parece tão familiar, na terceira cena vejo que a familiaridade é com minha amiga Ana Paula Assumpção, que nunca esqueço. Os olhos, o olhar... essa protagonista tem uma irmã presa política, grávida. O filme me fez quase chorar em quase todas as cenas e escorrer lágrimas em específicas, muito mais pelas semelhanças entre tantas histórias que vivi e vejo acontecer. Há injustiça o tempo todo. A presa está a espera do fuzilamento é ateia e comunista. Tentam obrigá-la a beijar os pés de uma estátua de Jesus, o padre cruel afirma que ela não terá salvação após a morte, as freiras também são cruéis com quem não acredita em deus, tudo é tão cruel. Sua filha nasce na cadeia e depois ela é encaminhada para a cela das mães, lotada de crianças que crescem nas prisões. Me lembrou tanto os tempos do visitário público, em que eu ficava numa sala lotada de pais e filhos (eu era a única mãe aos sábados). A última vez em que amamenta a filha, por piedade de uma carcerária, me doeu tanto porque me fez lembrar a mãe que amamentava o filho no tal visitário público, um bebê, arrancado da mãe por um pai que, certamente, não o amava. Mas o que mais doeu foi o julgamento. Um juiz arrogante, que exige ser chamado de excelência. São excelentes em que? Conheço excelentes atletas, profissionais (nenhum deles é juiz ou promotor), mães, pais, filhos, alunos, pessoas, mas ninguém é chamado de excelência. O juiz manda todos para a pena de morte. Apesar de não haver mais ditadura, nem pena de morte no Brasil, os juízes continuam condenando várias pessoas à morte, todos os dias, com suas demoras que não são cobradas, com suas decisões que não são tomadas, com seu passar de olhos em cima de processos, sem aprofundamento. Me senti tão parecida com as irmãs Hortência e Pepa. Uma sofre tortura psicológica, a outra física. A Justiça arrancar um filho da mãe é a maior das torturas, física e psicológica. Dói tudo, tudo mesmo, é como uma falência múltipla dos órgãos. No fim, como já disse, nem culpo a outra parte, uma pessoa tão mentirosa que acaba acreditando na própria mentira, nem seus pais, que apoiam tanta insanidade. Como pais talvez queiram esconder o próprio fracasso. Nem os advogados sem ética que escrevem qualquer coisa que o cliente fala, sem prova alguma. Afinal é trabalho deles defender o cliente e recebem o quanto pedem por isso. Mas os juízes e promotores... ah, esses são repletos de culpa, estão lá para defender a Justiça, são pagos pelos impostos que nós pagamos, mas o que fazem? Deixam os processos empilhando e dizem não ter tempo, é o sistema. Que façam algo para mudar essa situação! Quando essa ação foi levada para Ribeirão Preto caiu justamente com o juiz Ricardo Braga Monte Serrat, um que meus colegas jornalistas de lá são loucos para denunciar, tantos são seus casos duvidosos. Esse juiz e um promotor leram um monte de absurdos sem provas que a advogada da outra parte colocou (que minha filha passava necessidades básicas, privações, fome, não tinha cama, que eu troquei seu nome, não tinha vida social, que eu morava de favor em casa de estranhos) e me proibiram de ver minha filha! Me chamaram de mãe nociva! Então coloquei lá todas as provas de que tudo aquilo era mentira. Mas minhas provas eles nunca leram. Estão lá há quase três anos esperando para serem lidas. A declaração emocionada da minha amiga Claudia Albuquerque, mãe da Raquel, está lá. Mas agora a Claudia não está mais aqui para ser testemunha na audiência. Está lá no processo, sem provas, que me droguei a gravidez inteira e por isso minha placenta descolou. Mas minha prima Keila, que ficou comigo nos últimos três meses de gestação e vivenciou tudo que se passava naquela casa, cozinhando para mim, tocando e cantando, não está mais aqui para testemunhar. Me senti como as senhoras presas do filme, que nunca participaram de rebelião nenhuma, que nem eram comunistas, algumas até acreditavam em deus, que tinham provas nunca vistas por juiz nenhum e que eram enviadas ao pelotão de fuzilamento. As provas delas não importavam. Queriam apenas calar a sua voz, como alguns juízes, que me mandaram parar de escrever nesse blog. Justiça tardia não é justiça. A sensação ao sair do cinema, em silêncio, ao lado da minha amiga, também tão tocada pelo filme, é que nada mudou. Só mudaram os generais e juízes, mas as atitudes são as mesmas.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Políticos Presos, Presos Comuns


    Custei a decidir escrever sobre os políticos do PT presos. Primeiro porque isso pode me render mais antipatizantes, segundo porque sei que falta muita verdade política e justiça nesse País. Mas não posso deixar passar mais esse momento histórico, em que vejo cidadãos comuns e honestos discutindo ideologias políticas e defendendo indefensáveis, amizades sendo desfeitas. Dia desses, meu amigo virtual, Marcos Matias, que pensa de forma anárquica e apartidária como eu, posicionou-se muito bem ao dizer que a indignação popular contra o PT é maior justamente porque era o partido da mudança, que esfregava o dedo na cara dos corruptos, então, nossa sensação de “somos todos otários” é muito maior.
    Falo por mim, que mesmo trabalhando na assessoria de Mario Covas em 1998, votei em Lula, e não em FHC, para presidente. O voto era secreto e eu não tinha contrato com o PSDB e sim com o Governo do Estado de São Paulo. O que me revoltou em FHC foi seu golpe da reeleição. Ele aprovou para se reeleger. Covas seria o candidato do partido, mas FHC quis manter-se no poder.
  Votei em Lula também em 2002 e confesso que meu processo de depressão foi também decepção política. Fiz uma aplicação de 20 mil reais na Previdência Privada, após campanha do Governo em seus benefícios, entre eles, a isenção de impostos, já que temos um rombo na Previdência e, em menos de 10 anos, não haverá dinheiro para pagar pensão de tantos aposentados. Conversei com meu gerente e fizemos um projeto de longo prazo. Eu não mexeria nesse dinheiro até minha única filha na época, Dora, então com menos de três anos, completar 18. A ideia era pagar todos os custos de sua faculdade, caso não passasse numa pública, ou comprar um pequeno apartamento para ela, caso não pagasse faculdade. Mas o Governo deu um golpe, entre Natal e Ano Novo, quando as pessoas estão viajando e não ligam muito para economia. No início do ano, meus 20 mil, viraram 17! Esse dinheiro já foi para advogados, mas essa é outra história. Imagino que o futuro universitário de minha filha Dora estará garantindo por ela mesma ou pelos avós que mantém sua guarda de fato.
    Superada essa decepção, estava no Chile, em 2005, com meu querido amigo e jornalista Francisco Javier Cabezas, quando vimos notícias de dinheiro em cueca e outras histórias tão estapafúrdias que pareciam inventadas. Cheguei a escrever para minha amiga Carla Stoicov, perguntando se era isso mesmo. Não adianta, por melhores que sejam as intenções de políticos, o brilho do poder cega, o sistema corrompe.
  Daí vem a turma petista dizer que o mensalão foi para o plano de governo (de poder) e não para enriquecimento próprio. Ora, desde quando isso é motivo de defesa? Pior falar que o rombo do mensalão é bem menor do que o da Privataria Tucana e tantos outros escândalos! Quero mais é que todos os corruptos, de todos os partidos sejam condenados a devolver aos cofres públicos o que foi roubado.
   Não acredito que Joaquim Barbosa seja um herói, se ele manda prender, faz sua obrigação. Quero que condene outros também. Não acredito em sua aclamação para presidente, ainda mais depois da capa da revista Veja o transformando em salvador da pátria. O que lembra muito o que a mesma revista fez com o caçador de marajás, Fernando Collor, o político que, do nada, transformou-se no primeiro presidente eleito por voto popular, após a ditadura. E deu no que deu.
   Vejo também muitos jornalistas criticando Joaquim Barbosa porque trata mal a imprensa. Ora, se ele fosse midiático, fizesse média com a imprensa, daí sim, eu desconfiaria muito dele. Se ele trata mal é porque não tem medo de ser criticado por meus coleguinhas. Também acho muito perigoso jornalistas serem partidários ao extremo. Acabo desconfiando deles. Vejo jornalistas sérios, defendendo o PT até os dentes. Isso acaba com a credibilidade e imparcialidade tão necessárias ao profissional ético.
    Agora, o que me fez querer escrever sobre esse assunto das prisões dos políticos petistas é o tratamento dado aos presos. Mais de 20 deputados foram visitar José Genoíno fora da data de visita. Isso seria motivo para uma rebelião nacional de presos comuns! Um perigo nacional! Quantos presos morrem por falta de atendimento nas cadeias? Não seria esse momento ideal para uma intensa reflexão do Governo Federal para reestruturar o sistema penitenciário?
  Quando trabalhei com Mario Covas cobria Segurança Pública, Administração Penitenciária e Meio Ambiente (só bucha). Inauguramos várias penitenciárias no interior do Estado para desafogar as da Capital e as delegacias, que acabavam fazendo as vezes de cadeia. Não dava tempo. Transferíamos os presos e logo as delegacias estavam lotadas. Muitos presos nem tinham sido condenados, esperavam o julgamento nas celas. Ficavam dois, três anos na cadeia e no fim muitos eram inocentes! Mas era tarde, Justiça tardia não é Justiça, já tinham a revolta dentro deles, já tinham aprendido a ser bandidos de verdade. E para completar, vou repetir em parte o que escreveu hoje meu amigo Marco Bola, que também pensa muito parecido comigo. “Antes Genoíno lutava para provar que era inocente, agora para provar que está doente, mas sua agenda, até antes da prisão, diz o contrário”. Ainda tem muito para escrever sobre presos, prisões, penitenciárias, julgamentos e corrupção. Talvez termine com um livro.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Minha Consciência Negra


    Dia da Consciência Negra. Um feriado, feito para a reflexão e debate, não apenas para viajar e ir à praia. Mas vejo em redes sociais pessoas pedindo o Dia da Consciência Humana, amigos negros, inclusive. É fato que o Brasil é um País racista. Segundo pesquisas, 95% da população entrevistada não se diz racista, mas 90% conhece um racista, o que revela a hipocrisia da nossa sociedade. Também tenho visto campanhas contrárias ao sistema de cotas, com foto de criança branca, suja e pobre. Particularmente, acho que a cota racial legitima a existência do racismo, deveria ser sim por baixa renda, o que daria na mesma, porque a maioria miserável do País é negra ou parda. Por outro lado há uma dívida social com os negros desde a época da escravidão.
    Mesmo após a Lei Áurea continuaram sendo escravizados, porque foram libertos, mas analfabetos, sem posses, sem emprego. Restou construir barracos nos morros e iniciar o “sistema habitacional” das favelas. Os presídios tem maioria negra, mas não porque negros são mais bandidos e sim porque há mais negros no Brasil e porque a desigualdade social os faz mais pobres. No colégio o aluno que tirava notas mais altas do que as minhas era um negro, gordinho, de óculos, Marcelo. Não sei por onde anda, mas imagino que tenha chegado à universidade por mérito. Era tão dedicado aos estudos! Um nerd que me dava até raiva de tanto que o menino sabia! Gostava tanto dele, estudar com ele e ver seu boletim enfeitado de 10. Quando eu ficava “magoada” por ele ser melhor aluno do que eu, ainda me consolava, lembrando-me de que eu era atleta e não tinha tempo de estudar tanto quanto ele.
    Fiz o colegial em escola particular, raros os negros. Como o ensino público estava ficando cada vez pior, no vestibular, a maioria que passava, era branca. Havia apenas uma negra no curso de jornalismo, e nem era da minha classe. Fiquei muito feliz quando minha professora de matemática da 7ª série do ginásio me pediu para adicioná-la no facebook e ainda me perguntou se lembrava dela. Ora, como esquecer a primeira recuperação da minha vida? E como esquecer uma professora excelente? A única professora negra que tive? Zenilde Carmo era exemplar e representava a esperança para os negros e brancos de baixa renda, que desejavam chegar ao nível superior.
    Dia desses, conversando sobre arte e racismo com meu primo ator, Osvaldo Jr, chegamos à conclusão de que nos Estados Unidos há menos racismo do que no Brasil. Lá, quem é racista assume, há Estados declaradamente racistas. Mas no cinema norte-americano vemos negros em filmes por serem atores, interpretando qualquer profissional, em qualquer papel. Claro que há filmes em que é necessário ser negro, não dá para um branco fazer o Nelson Mandela. Já no nosso País há tantos bons atores negros, escalados apenas para fazer escravo, bandido, empregado subalterno ou o negro que sofre preconceito. Li uma entrevista com a linda Taís Araújo, dizendo que só sentirá que não há racismo quando receber um roteiro que não seja “mulher negra”, pois só é escalada por ser negra.
   Houve uma época em que fiz várias matérias sobre adoção, no jornal Diário do Grande ABC. A estatística era terrível: pais adotivos ficavam mais de 5 anos na fila, esperando uma menina, branca, recém-nascida. Enquanto isso, os meninos negros, com mais de 3 anos, não tinham outra escolha a não ser crescer nos orfanatos, para depois serem encaminhados à FEBEM. Não tinha filhas e nem queria ter, biologicamente, na época. Meu desejo sempre foi adotar uma criança após os 40 anos. Por ver tanto órfão negro decidi que adotaria um menino negro, com mais de 3 anos e uma menina negra, com mais de 5. Mas o destino me deu duas filhas incríveis, em situações inversas, que anularam, no momento, a realização desse desejo.
    Sou racista ao contrário. Se tiver que empregar alguém e o currículo dos candidatos for idêntico, mas se entre eles houver uma mulher negra, tem minha preferência. O motivo é simples: os obstáculos foram muito maiores para quem tem “cor”. Mulher de “cor”, então, além do racismo, sofreu machismo. Não que um médico, jornalista ou advogado negro tenha mais valor, mas, provavelmente, esses profissionais valorizam mais suas vitórias. Há mais receio em perder a vaga. Conheci minha atual advogada, Lucélia Nunes, na fila de protocolo, no Fórum de Ribeirão Preto. Quando chegou minha vez, não sabia se era para distribuir ou protocolar. Tão pouco o atendente sabia me dizer. Mas uma mulher elegante, bonita e jovial me pediu licença, pegou a papelada da minha mão e resolveu tudo. Agradeci e segui para o café. Mas fiquei olhando para ela e voltei. Perguntei se era advogada e pedi seu cartão. Ela até pediu desculpas por ter se metido na história. Mas o que me encantou foi justamente sua vontade de fazer a coisa andar. Sim, Lucélia é negra. Não nego que sua cor me fez admirá-la mais.
   Não cabe aqui sua história pessoal, mas as dificuldades que passou foram infinitamente maiores do que a dos advogados brancos. De todos os advogados que tive até agora, foi a que menos me cobrou honorários. Nem cobra estacionamento e gasolina, quando me leva ao Fórum. Quando parei de contabilizar os gastos com esse processo, já passava de 50 mil. Para ela paguei tão pouco. Espero um dia poder pagar tudo que faz por mim.
   Para finalizar minha consciência negra, conto que sofri na pele branca o preconceito por me relacionar com um negro. Conheci Jamiro em Búzios (RJ), dia 29 de dezembro de 2005, assim que cheguei na rodoviária. Ele, mais o restante da banda Nova Semente, foi nos buscar (eu e amigas). Gentilmente carregou minha mala. Estávamos hospedados na mesma casa e viajei para romper o ano lá, queria começar 2006 positivamente, já que 2005 foi marcado por perder a guarda da minha filha, meu primeiro Natal sem nem falar com ela. No final da tarde saímos todos para tomar cerveja num barzinho próximo. Uma amiga que sente atração por homens negros, já tinha me falado dele. Eu nunca tinha nem beijado um afro descendente. Muitas pessoas ao redor da mesa, músicos cariocas, mineiros e argentinos. Mas nas idas e vindas ao balcão e banheiro, ficamos sentados um ao lado do outro. Não me interessei por ser negro, mas por ser lindo, músico, sensível e muito educado. Na volta já nos beijamos embaixo de um céu limpo e estrelado. Nunca ficamos juntos de fato, mas nunca nos separamos também. Passamos às vezes mais de um ano sem nos ver, mas estamos sempre juntos em pensamento e amizade. Também no amor. Aquele tipo de amor familiar, sem posse e livre.
     Sua leveza me inspira, sua música é linda. Sempre o deixo livre e por isso, volta. Quando andávamos de mãos dadas pelas ruas, percebia olhares de contrariedade, como se aquela cor sujasse minha brancura. Como se fosse nojento uma branca dormir com um negro. Depois desse réveillon, Jamiro veio ficar dois meses comigo, no Guarujá. Já havia falado dele para minha mãe, mas antes de apresentá-los, tive de dizer que era negro. Infelizmente, tenho uma mãe que não se diz racista, que acha negro lindo, por isso não deveria se misturar com branco e ter filhos mulatos. Ironia ou não, ela tem uma neta de genitor árabe, com a pele muito escura e linda. Miranda passaria fácil por filha de Jamiro. Adoraria que tivesse sido. O amor, a amizade e a inteligência não tem cor, nem raça.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Somos Demasiadamente Humanas

Dia desses tive uma surpresa que me deixou muito emocionada. Era uma declaração de amizade da minha querida Kátia Cândido, uma amiga que tenho desde o primário. Na mensagem diz estar triste por saber como me sinto porque isso é tão ela e, resumidamente, lembra de como eu contava histórias incríveis dos meus finais de semana, sempre viajando e competindo, diz que alcançou minha intelectualidade. Considerava-se uma suburbana e meu mundo era diferente. Acontece que eu também vivia no subúrbio e estudava na mesma escola municipal Dr Napoleão Rodrigues Laureano, na periferia do Guarujá, que, para minha sorte, tinha uma piscina de 25 metros e que me fez conquistar muitas aventuras no braço, conhecer lugares nas pernadas e ampliar meu leque de amizades eternas. Talvez Kátia não enxergasse o seu real valor e visse em mim uma coragem que não percebia nela. Ou então não tivesse minha cara de pau de meter o bedelho em tudo e ir até para onde não era chamada. Já era o estereótipo da jornalista. Tagarelávamos muito e não consigo somar os tantos professores que nos repreenderam. Eu só podia contar tanta história para quem estivesse disposto a ouvi-las. Acho que é uma forma de vivenciar também. O seu riso era sempre largo, de fechar os olhos, seus cabelos eram castanhos, lisos e brilhantes (que adorava, já que os meus eram esverdeados e secos do cloro), uma pinta linda sobre os lábios e, assim como eu, também usava óculos e sentava na frente. Assim como eu, também via no conhecimento uma forma de superar a renda baixa e melhorar a qualidade de vida. Nunca quisemos muitos bens materiais, éramos duas idealistas com vontade de mudar as coisas erradas e injustas do mundo. A Kátia era tão chorona quanto risonha. Eu tentava ser mais dura, mas também era uma sentimental sensível. Para completar meu dia emotivo, um sábado no meio do feriado, outra amiga da infância, Silvana Borghi, escreveu que éramos suas "ídolas", fofas, inteligentes. Escreveu também que eu estava a frente do meu tempo, que tinha aparência comum, mas um brilho que me destacava. Isso me fez chorar muito. Porque realmente eu já brigava com quem fizesse bullying, sem nem saber o que era isso. Não existia o politicamente correto, mas eu era contra qualquer forma de racismo e machismo. Eu tinha 12 anos e já achava um absurdo criticarem as meninas beijoqueiras da escola ou que usassem saias curtas. Silvana era tão inteligente e observadora e menos falante do que nós. O que me faz constatar que formávamos uma turma mesmo especial. Não foi fácil crescer nos anos 80. Saímos da ditadura para as Diretas , era uma época de garoto usar brinco e deixar o cabelo crescer e garota tosar o cabelo e usar ombreiras. A liberdade comportamental de hoje, iniciamos há 30 anos. Em 2005, quando perdi a guarda da minha filha, fiquei tão perdida. Não imaginava isso ser possível, não comigo, alguém que amava, educava, cuidava tão bem da filha, que trabalhava, não usava drogas. E porque era mãe. Não tinha conhecimento de mãe perder a guarda de filho, a não ser quando jogava criança da ponte ou tentava matar. Foi um período tão conturbado que não consigo lembrar como Kátia Cândido voltou para minha vida, tão madura, linda, advogada. Me deu assistência emocional e jurídica, me fez entender com sua paciência didática como aquilo era possível. Talvez essa mulher tão sensível sofra tanto porque escolheu uma carreira para acabar com a injustiça, mas, assim como eu, percebeu que é batalha inglória e nunca seremos vencedoras. Não vejo mais o meu brilho, nem nos olhos. O brilho talvez viesse porque tudo que eu fazia e dizia, acreditava apaixonadamente. Me falta paixão na vida, talvez porque seja difícil acreditar em qualquer coisa. Me sinto muito fracassada, percebo agora que havia muita expectativa na minha pessoa, de todos os lados. Sou uma promessa que não se cumpriu. Sempre quis fazer algo maior do que eu, mas nunca consegui. Nunca coloquei meus sonhos e realizações em outra pessoa, sempre quis fazer eu mesma, quem quisesse, fosse junto, seria ótimo, mas sempre me bastei e agora não me basto mais. Me falta perspectiva e esperança, pois não espero mais nada, tem vezes que acordo só querendo que o dia termine. Kátia Cristina Cândido talvez nem imagine o quanto é parecida comigo. E de novo só consigo escrever em HTML e fica tudo assim confuso...

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Voltar para Morrer na Praia

   Poderia escrever como foi horrível passar dois dias infrutíferos, densos e pesados, estar no Fórum de Ribeirão Preto, ir ao cartório, perguntar porque demora tanto o processo no gabinete do juiz, que teria o prazo de 10 dias, e ouvir, em tom jocoso: "Mas 4 meses é pouco, tem processo que fica mais de um ano!". Poderia escrever sobre o dia mais quente do ano na cidade mais quente do Estado de São Paulo. Sobre perder o direito das visitas monitoradas por culpa minha, sobre como detesto estar naquela cidade, como choro e desidrato e me sinto idiota. Sobre como isso parece uma penitência eterna, tortura psicológica e física, mas tudo isso me soa repetitivo.
   Prefiro escrever como é bom estar com Paola Miorim, que me vê sempre chorando e em menos de meia hora de conversa me faz rir e falar de coisas boas da vida. Me faz ter múltiplos interesses. De como ela é linda em todos os sentidos e a paz que ela transmite. Não poderia existir alguém melhor para mim nesses momentos críticos. Assim como a leveza da filha mais velha, Lívia, e a inquietude da mais nova, Giovana, que me passam tranquilidade e determinação. Se há algo de positivo nisso tudo é ter retomado essa amizade sólida e eterna, que começou na infância/adolescência e que, por essas distâncias de tempo e espaço, separou-se por alguns anos. 
    
    Voltei de Ribeirão Preto para São Paulo no ônibus das 15h30. Chorei muito na volta, ouvi muita música e dei continuidade na leitura de Chá nas Montanhas, um livro de contos de Paul Bowles. Nunca tinha lido esse autor e estou fascinada por sua descrição minuciosa de lugares angustiantes ou inóspitos, como abismos, desertos e montanhas. Lugares que Bowles conheceu pessoalmente, morando, convivendo com os habitantes. As histórias surreais me causam um estranhamento pavoroso, como se algo muito ruim fosse acontecer. Cada parágrafo cheio de informações, que por meu atual estado de desatenção ou por prazer, era lido duas vezes. Então o sol começou a se por. Fechei o livro e vi a paisagem, com olhos atentos de um escritor descritivo. Observando cada cor modificando-se em cada nuvem.
   Cheguei em São Paulo às 20h30 e no terminal Jabaquara peguei o ônibus para Santos às 21h45. Continuei lendo o livro. Entrou um homem visivelmente drogado, sem bagagem, muito magro, com roupas velhas e um pouco sujas. Ele nem se importou por haver um policial fardado no ônibus e repetia gritando: "Não acredito! Vou chegar em Santos! Eu consegui!". Alguns passageiros comentaram sobre o que a droga faz com a pessoa. Mas ele aquietou-se e a viagem transcorreu calma. Senti aquela emoção que sempre sinto quando da Serra do Mar se avista a Baixada Santista. É tão lindo que não consigo cansar de tanta beleza.
    Quando o ônibus se aproxima da rodoviária, o homem drogado começa a gritar com emoção: "Santos, eu voltei! Santos, meu amor, estou de volta!". Me emocionei também e chorei. Ele desceu do ônibus e procurou por alguém que o esperasse, mas não havia ninguém. Na minha mente criativa e cheia de histórias, imaginei que estivesse preso e essa alegria era a cara da liberdade. Ou o amor pela cidade natal. Nem desci. Preferi seguir no ônibus até a praia. E desci no Canal 1, em frente ao mar. Segui andando pelo calçadão. Que bom sentir o vento suave, a brisa do mar e o cheiro da grama cortada, do jardim mais lindo que eu já vi. Santos tem tanta vida noturna. Fui olhando as pessoas lindas, com pouca roupa, andando de skate, bicicleta, patins. Como é bom estar numa cidade em que garotas sobem em skates, garotos andam de mãos dadas. Entendi a alegria do homem que voltava para Santos. Há quanto tempo ele não sentia essa brisa ou via essas pessoas?
    Todo aquele sofrimento que passei em Ribeirão Preto ficou no passado. Meu momento era feliz e pleno. Respirei fundo e aliviada. Nem liguei quando senti algumas dores uterinas. Se for para sangrar, que seja olhando o mar. Pensei em Neruda, o poeta do mar, e suas casas com vista para o oceano, que visitei no Chile. Cantei mentalmente a música de Dorival Caymmi; "É doce morrer no mar, nas águas verdes do mar". Não me importa nadar e morrer na praia. Gosto tanto de nadar e seria uma morte gloriosa morrer no mar. Se for para sofrer que seja onde escolhi viver. O sofrimento é tão mais leve olhando o mar, que o vento até leva a dor embora. As luzes dos navios no horizonte estão brilhando. Deve ser muito doce morrer no mar.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Parabéns Sistema Judiciário!

   Novamente em Ribeirão Preto. Já faz mais de um mês que não venho, nem lembro. Primeiro estava mesmo muito cansada dessas idas e vindas semanais, achei que, como o processo está no gabinete do juiz desde o dia 27 de julho para conclusos e ele teria 10 dias de prazo, o fim estaria próximo. Mas estamos no meio de novembro e o processo está lá, parado no gabinete dele, esperando sei lá o que. Logo chega o recesso de fim de ano e por mais um longo período ficarei nesse vai e vem Santos/Ribeirão Preto, como se fosse na esquina.
    É muito ruim viajar 6 horas para ficar numa sala por 2h30, com minha filha que chega diretamente da terapia, preparada para ao encontro, sendo monitoradas por uma psicóloga. Trazer a irmã piora tudo, porque Miranda tem energia demais para ficar trancada nessa sala e a coisa desanda. Mas, como disse a própria perita forense, elas perderam o vínculo de irmãs. Parabéns sistema judiciário! 
     Então quando consegui forças para viajar, era dia do funcionário público e o Fórum não abria. Deixei para outra segunda-feira, mas tive hemorragia uterina por uma semana e estou com anemia. O médico recomendou repouso. Então falei com minha filha Dora por facebook (já que mesmo com ordem judicial, ela não quer mais falar comigo por skype), expliquei a situação, mas ela também não gosta de conversar muito pelo face. Resta ligar de vez em quando para a casa dos avós dela, onde mora. Mas raramente ela está. Continuo sem saber nada dela, nem da escola, nem da terapeuta que ela frequenta semanalmente e que, olha só, fica no mesmo consultório da avó, também psicóloga.
    Mas enfim, estou aqui, nesse calor de 40C, feliz porque estou na casa da minha amiga Paola Miorim que amo muito e porque estou com saudades das filhas dela, inclusive, tenho mais convivência com a Giovana, de 12 anos, do que com minha própria filha. Parabéns de novo sistema judiciário! E quando escuto de advogados e gente dessa categoria que o sistema é assim mesmo, é demorado para todo mundo, percebo que ninguém liga mesmo. A culpa não é mais da outra parte. Ele é apenas uma pessoa muito carente de atenção e com problemas de inflexibilidade, que encontrou no sistema judiciário todas as brechas para levar esse processo até a alienação definitiva e absoluta.
    Meu tempo de vida está terminando, como o de todos desde quando nascem. Mas sinto que o meu está terminando mesmo, pelo avançar dos anos, pelas doenças psicossomáticas que me afligem e por passar ano após ano nessa saga que me tornou uma pessoa chata e cansativa. Nem eu me aguento mais. Me olho no espelho e a imagem que eu vejo não é mais minha. Vejo que mais um ano está acabando e eu não fui feliz e nem fiz ninguém feliz.
     Pior é que nem sei se vou ver minha filha hoje. Como não estive mais aqui, ela mesma me disse que a psicóloga forense ligou para a família dela, avisando que não teria mais visitas, porém, não comunicou a minha advogada, nem a mim. Nesse momento estou no escritório da minha advogada, porque também não consegui falar com ela. Ligo e cai sempre na caixa postal, meus emails não são respondidos. A sensação de abandono é constante. Mas não tenho pena de mim, tenho mais é raiva, por ter deixado isso tudo acontecer na minha vida. Porque sempre soube que uma vez dentro desse sistema, seria difícil sair dele. Mandei um email para a outra parte em agosto de 2005, pedindo perdão por tudo, sem nem saber ao certo o que fiz, só queria que tudo terminasse para salvar a infância da minha filha e a minha vida. A resposta foi simples: "o processo de guarda é longo e doloroso para nós três". Visionário mesmo esse pai da minha filha, lá se foram 8 anos e isso continua. A infância dela acabou e, pelo jeito, vou passar bem longe da adolescência. Parabéns sistema judiciário!

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Minha Mãe, Meu Pai e Sex Pistols

     Fui até a casa da minha mãe e já do portão, eu e Miranda, o som alto dos vizinhos, que insistem em ouvir funk e pagode no volume máximo, nos incomodou. Isso já virou rotina e numa das últimas vezes que estive lá, coloquei um CD do The Clash para tocar bem alto, até perceberem que estavam incomodando e baixar o volume. Daí fui direto pegar o mesmo CD para colocar e quando abro o som, eis que vejo Sex Pistols. “Mãe, você que colocou? Sim, procurei algo bem barulhento e lembrei dessa música gritada que você ouvia, mas é melhor que funk”.
   Confesso que fui invadida por uma satisfação indescritível! Além da sensação de missão cumprida em saber que minha mãe, de 78 anos, nascida na roça, preferia punk ao funk! Coloquei Sex Pistols no talo e cantei todas as músicas. Miranda até assustou porque nunca tinha me visto cantar estilo gutural. Chegou a chorar de medo da minha voz! Mas começamos a pular muito e no fim ela até riu. Mesmo após os vizinhos desligarem o som, fui até My Way, brilhantemente interpretada pelo lindo punk Sid Vicious. E com essa memória que não esquece quase nada, lembrei de como o punk entrou na minha vida. 
   Começou com The Clash, com minha inesquecível amiga Ana Paula Assumpção, que era fã absoluta e cantava todas as músicas. Mas Clash era muito politizado e melódico. Aquela coisa “faça você mesmo”, “aprenda sozinho”, chegou um pouco depois. Em 1988 morava em Ribeirão Preto e conheci Paula Soares (Paulinha), uma criatura doce e sensível, de voz rouca e suave, mas que amava Sex Pistols e se transformava quando ouvia a banda. Toda a agressividade e violência que poderia existir dentro dela era extravasada nos Pistols. 
   Fui assistir Sid&Nancy– O Amor Mata, no Cine Cauim, o que havia de mais cult naquela cidade provinciana. O filme me chocou. Apesar de ter lido Christiane F, 13 anos, drogada e prostituída, aos 12 anos, no fim ela se reabilitava e ficava tudo bem. Aos 18 anos tive a certeza de como as drogas pesadas podem destruir tantas vidas. Só ouvia o som melancólico dos anos 80 e o punk me trouxe muito mais energia. As festas em Ribeirão Preto e no apartamento onde moravam Paulinha, Lilian Pavan e Kátia Casimiro, tocavam muito Velvet Underground, Joy Division, Smiths, Cure e, claro, Sex Pistols ,no talo todos os dias. 
   Mas o que mais me impressionou no filme mesmo foi a interpretação do Gary Oldman, até hoje meu ator inglês favorito. Ele era o próprio Sid Vicious! Desde então passei a ver todos os filmes dele, mais de uma vez. Outro fato impressionante é a semelhança entre Oldman e meu amigo André Corrêa *, também ator. A singularidade de falar com os olhos, se expressar com as mãos e com o sorriso. Sou apaixonada por ambos, indeterminadamente. 
   Em 1992 aluguei o filme para ver em casa, meu pai quis ver comigo, mas adiantei que era só sexo, drogas e rock, mais rock e drogas do que sexo. Ficou mais interessado ainda para saber que tipo de sétima arte andava me fascinando. E vimos juntos o menino Sid e toda a juventude periférica de Londres introduzindo o punk no mundo, que estava ficando chato de tanto rock progressivo. Vimos a ascensão da banda, a paixão desmedida desse garoto ingênuo e virgem pela junkie americana Nancy, que fazia qualquer coisa por um pouco de heroína. Vimos Sid matar Nancy a facadas e, ao acordar, ficar perdido no meio do sangue, sem saber o que tinha acontecido. Após quatro meses na prisão, aos 21 anos, morrer por overdose. 
   No dia seguinte, meu pai acordou triste e foi para o trabalho triste. No almoço me disse que o filme não saía da sua cabeça. Mais do que tudo, ficou com muita pena por aquela garota ter sido assassinada pela pessoa que mais a amava, por não ter pais que olhassem por ela, e por Sid, que tinha talento, mas se entregou para as drogas. Acho que nem meu pai, aos 56 anos, tinha noção de como a droga pesada seduz, vicia e aniquila. Meu pai disse que a interpretação de My Way por Sid Vicious era mais sincera que a de Frank Sinatra. No que eu concordo plenamente. O amor mata e a música mata a dor. 
  E para finalizar esse texto meio nada a ver, digo para vocês procurarem o link do Gary como Sid, cantando ele mesmo My Way, incorporado por Sid, na cena apoteótica do filme, porque só consegui escrever em HTML** e saiu tudo sem parágrafo, coisa que detesto porque não dá para entender direito. No fim, é um texto bem punk mesmo. 

 *Quem estiver por São Paulo e quiser conferir, concordar ou discordar do que sinto, André Côrrea está em cartaz na peça Ricardo III, no teatro João Caetano, na rua Borges Lagoa.
 ** Consegui acertar agora, mas achei bacana deixar escrito isso porque ficou bem punk.