sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O Terror Generalizado


   Estou fazendo um curso no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo: Geopolítica e Grupos Terroristas. Quem me conhece sabe que desde muito nova já lia tudo que podia sobre IRA e Sendero Luminoso, sempre me interessaram os pequenos e grandes conflitos políticos e religiosos. Não que goste das guerras, mas porque elas existem desde que o mundo é mundo e o melhor jeito de não ter guerra é evitá-la. Sei o quanto esse pensamento é utópico também. Me resta estudar mais para entender e não sair por aí, falando aleatoriamente, sobre minhas teorias, que podem parecer bobagens.
   Na última aula tivemos uma interessante palestra com Abdul Nasser, da Aliança Nacional Islâmica. Tirando todo o machismo do pensamento muçulmano, que respeita suas mulheres de véus, mas acha que sair com blusa de alcinha e shorts rasgados é “não se dar ao respeito” e “desperta” os instintos do estuprador, que sexo antes do casamento é o que gera filhos sem pais (e não a irresponsabilidade e soberania masculina, que deixa os filhos a mercê dos cuidados e condições das mães “solteiras”, pois sabem que jamais serão punidos ou cobrados), o Islã prega igualdade e compaixão. Por isso, a partir de agora, denominarei o grupo terrorista Estado Islâmico de ISIS, para evitar essa confusão e esse ódio generalizado ao Islã. O ISIS se apoderou da bandeira do Islã, o que não significa que 1,6 bilhão de muçulmanos no mundo sejam coniventes. Muito ao contrário. As comunidades islâmicas espalhadas pelo mundo tentam identificar e combater possíveis terroristas. Como? Combatendo a desigualdade e intolerância.
   Uma frase simples e marcante de Abdul (um homem inteligente, radical e sincero) foi: “A injustiça é o que gera o terrorismo”. Sim, terrorismo não é feito apenas de homens bomba. Antes disso eles foram crianças com casas bombardeadas, com famílias exterminadas, moraram em acampamentos, foram doutrinados por extremistas (com infância semelhante) e não conheceram outra vida que não fosse guiada pela destruição e fúria. Quantos terroristas não podem surgir a partir das crianças e jovens refugiados sírios?
   Fazendo uma analogia com o caso das mães que perderam a guarda de filhos. Após anos de batalha judicial em que perdemos também nossa saúde, dinheiro e sanidade mental, sofrendo todos os tipos de humilhações, penúrias e injustiças por parte do Poder Judiciário (aquele que deveria defender, principalmente, o direito das crianças), pensamos, algumas vezes em “tocar o terror” nos fóruns. Sim, pensamos, mas o Brasil não é de cultura extremista e nós, apesar dos pesares, pensamos nos inocentes que estão nos fóruns: o pessoal do cafezinho, da faxina e o cidadão comum que está lá tentando resolver seus problemas. Os demais envolvidos no sistema são tudo, menos inocentes.
 Por que existem feministas que odeiam os homens? Porque foram humilhadas, violentadas, estupradas, encarceradas por homens. Sou uma feminista que só quer igualdade de direitos. E me dói ver mulheres tirando sarro do movimento, que “feminista quer direito igual, mas não vai lá carregar um saco de cimento igual homem”, isso não é só infantil e raso, é também imbecil. Nunca a mulher vai ter força física igual a dos homens. Eu nado melhor e mais rápido do que muitos homens. Mas me coloque ao lado de um nadador que tenha o mesmo treinamento e ele será mais rápido do que eu. O feminicídio é nosso terrorismo diário. Toda mulher tem (ou deveria ter) medo do estupro. Pode ser evangélica, temente a deus, usar roupas que cubram todo o corpo, ser idosa. O estuprador não vê diferença. Não adianta castração química. O estupro está no cérebro, não no corpo.
   Não fugi do tema. No terrorismo do ISIS, da Al-Qaeda e em todos os conflitos de maiores ou menores proporções, mulheres são estupradas. Muitos filhos do estupro são novos terroristas em potencial. Muitos são levados para crescerem como terroristas. Muitos não conhecem outra forma de vida.
   Dia desses escrevi a frase de Abdul numa rede social. Foi na segunda-feira, quando as tropas iraquianas entraram em Mosul (dominada pelo ISIS desde setembro de 2014) para combater os terroristas. Perguntei quem mais lucra com mais essa guerra. Pensei, principalmente, nos EUA e sua indústria bélica e seu interesse no petróleo do Oriente Médio. Claro, existem mais países que fabricam armas. Mas essa mania do Governo dos EUA sempre se meter nas guerras dos outros e, desde o começo do ataque ao terror, estar sempre perdendo as guerras, parece até de propósito. Não seria interessante perder uma guerra para entrar em outra e assim continuar vendendo suas armas?
    Quando eu digo que os EUA estão sempre fabricando terroristas para serem combatidos depois, não é coisa que surgiu da minha cabeça. Ou melhor, surgiu, após muita leitura e análise. Desde que comecei esse curso, muitos amigos indicam livros, emprestam livros, e quanto mais leio, algumas certezas e muitas dúvidas aparecem. Num desses livros, do correspondente Patrick Cockburn, há o e-mail de uma amiga dele (síria, sunita), depois que seu bairro, em Mosul, foi bombardeado pela aviação iraquiana. O jornalista deixa claro que sua amiga tem todas as razões para não gostar do ISIS. Reescrevo a mensagem na íntegra, pois mostra como os sunitas iraquianos passarão a enxergar o governo de Bagdá:

   “O bombardeio foi executado pelo governo. Os ataques visaram bairros totalmente civis. Talvez desejassem atingir duas bases do ISIS, mas nenhuma das rodadas de bombas acertou os alvos. Um dele é uma casa, ligada a uma igreja, onde vivem homens do ISIS. Fica próxima ao gerador do bairro e distante 200 a 300 metros de nossa casa. O bombardeio apenas feriu civis e demoliu o gerador. Desde ontem à noite, não temos mais eletricidade. Escrevo de um aparelho na casa de minha irmã, que está vazia. O bombardeio do governo não atingiu nenhum homem do ISIS. Acabo de ouvir de um parente que nos visitou para saber que se estamos bem, depois daquela noite terrível, que, em razão do bombardeio, jovens estão juntando-se ao ISIS, às dezenas ou centenas, porque cresceu o ódio contra o governo, que não se preocupa com a morte de sunitas. As forças do governo foram para Amerli, uma vila xiita circundada por dezenas de vilas sunitas, embora Amerli jamais tenha sido tomada pelo ISIS. As milícias do governo atacaram as vilas sunitas que a circundavam, matando centenas, com auxílio dos ataques norte-americanos”.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O Nobel de Bob Dylan


   Quando vi a notícia sobre o Prêmio Nobel de Literatura ser de Bob Dylan, minha primeira reação foi de desaprovação. Claro que é uma escolha polêmica dar um prêmio de literatura para um compositor. Sim, ele escreve letras, ele é um poeta, mas sua comunicação é pela escuta e não pela leitura. As pessoas não leem Bob Dylan, as pessoas o ouvem. E olha que estou deixando minha admiração pessoal pelo cantor/compositor bem de lado. Gosto tanto de Bob Dylan, que aos 11 anos, lá nos idos de 1982, meu primeiro cachorrinho foi batizado de Bob, em homenagem ao músico.
   É indiscutível sua importância musical e política. Suas letras pacifistas influenciaram uma geração contra guerras. Suas letras são simples e a simplicidade é a melhor forma de atingir pessoas. Os que escrevem cheios de metáforas, querendo mostrar o quanto seu vocabulário é vasto, acabam deixando os leitores inferiorizados, sentindo-se meio “burros” e, pior, muitas vezes não conseguem nem ser entendidos. Porém, esses livros rocambolescos, não deixam de ser literatura. Assim como as letras de Bob Dylan também são.
   Há acadêmicos dizendo que isso é sinal dos tempos, que mostra uma inovação no Nobel, que está acompanhando as mudanças na comunicação. Estou muito longe de ser conservadora, inclusive na linguagem, que muda conforme as gerações. Adoro palavras inventadas, que de tanto serem usadas, são incorporadas no português. Mas, se continuar assim, logo teremos “escritores de internet” ganhando prêmios literários. E por que não?
   Mesmo gostando tanto de Bob Dylan e reconhecendo todo o seu mérito e valor, esse Prêmio me incomodou bastante. E por que incomodou? Porque é praticamente um anúncio do fim da Literatura. Porque todas as pessoas leem menos. Eu leio muito menos. Antes eu lia um livro por semana. Agora não lembro qual foi o último livro que li inteiro. No momento estou lendo A Origem do Estado Islâmico, junto com mais dois, não consigo terminar nenhum, por mais interessante que sejam os temas, por mais que seja necessário para o curso que estou fazendo (tema para outro post, porque o assunto é vasto). Não sou conservadora, mas adoro Shakespeare, Saramago, James Joyce, Kafka, Adélia Prado, Cecília Meirelles, Edgard Alan Poe, Carlos Drummond e Fernando Pessoa. Gosto de quem escreve livros. Gosto de livro reportagem. Gosto de clássicos, assim como realismo fantástico.
    Talvez seja mesmo um prenúncio de que literatura em breve não existirá. E a brevidade do tempo, na história da humanidade, pode ser 100 ou 200 anos. A leitura de livros está escassa. Acho lindo minha filha de 14 anos me pedir livros de presentes, me dar dois livros de dia das mães (ainda não terminei nenhum), acho lindo quando vejo pessoas lendo no metrô ao invés de olhar para o celular. Estamos num momento em que ler é coisa de gente cool. Ainda há pessoas que ouvem, mas também é cada vez menor o número, porque a maioria só ouve o que lhe convém. Então, um Prêmio Nobel de Literatura para alguém que canta palavras tão contundentes não seja tão negativo. Seja um presságio para o que estar por vir. Seja um tapa na cara do mercado literário, como bem disse o querido Wilson Bispo, uma pessoa que lê e escreve muito. 
   Talvez seja uma abertura para que Bono Vox, Neil Young, Paul Mcartney, Chico Buarque, Gilberto Gil, Jorge Mautner e tantos outros compositores recebam prêmios por suas letras e não por seus livros.
     Talvez eu esteja ficando velha e muito cansada.