quinta-feira, 27 de março de 2014

Menina Branca Recém-Nascida

    O tema “adoção” sempre me interessou, desde criança, quando houve uma oportunidade de meus pais adotarem  um menino.  Não lembro ao certo porque isso não aconteceu, sinto falta desse irmão que nunca tive. Por conta desse meu interesse acabei levantando muitas pautas sobre adoção e fazendo várias matérias sobre o assunto. Uma delas foi na Folha da Tarde, não queria fazer mais do mesmo no Dia das Mães, então sugeri uma entrevista com um grande amigo meu, adotado na tenra infância. A mãe dele ficou muito emocionada com a homenagem e ele feliz por de alguma forma retribuir o ato de amor. 
   Outra que me marcou muito sobre um casal de advogados, no Grande ABC Paulista.  Os dois entraram em um processo de adoção para um casal de clientes, ficaram anos para conseguir a criança do jeito que o casal queria, enfim chegou a criança, um pouco mais velha do que o desejado, mas um mês depois, no período de adaptação, o casal “devolveu” a mesma. Os advogados, pais de uma única filha, pré-adolescente, já tão envolvidos na história, encantados com a criança órfã e decepcionados com a atitude desumana de seus clientes, não pensaram duas vezes e adotaram a criança, abandonada pela segunda vez. Quando eu os entrevistei tinham 6 filhos adotivos! Quanto mais amor eles davam, mais tinham. 
   O grande problema é que a maioria esmagadora dos casais brasileiros procura uma menina branca recém-nascida. Primeiro porque acham que meninos são mais difíceis e podem virar bandidos, segundo porque a criança negra pode ser confundida como filha da empregada. Naquela época (anos 90) os meninos negros acima de três anos atingiam a maioridade nos abrigos. Atualmente há mais de 5.400 crianças esperando uma família e mais de 30 mil casais na fila de adoção. Essa matemática está muito errada!
   Vi uma matéria na TV Cultura em que uma menina branca, de 3 meses, acabava de ser adotada. A mãe biológica a abandonou na maternidade. Os pais adotivos ficaram imensamente felizes, após 6 anos de espera, porque enfim  chegou uma menina branca, saudável, do jeito que tanto queriam.
   Com a nova resolução do Conselho Nacional de Justiça, integrando casais estrangeiros e brasileiros que moram no exterior no Cadastro Único de Adoção, espero que esse quadro mude. Os europeus loiros de olhos azuis não se importam de ter meninos negros com mais de 7 anos. O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antônio Carlos Malheiros, na mesma matéria, contou a história de um casal de noruegueses, brancos como a neve, de cabelos cor de palha, que adotou 3 irmãos negros, de 10, 8 e 6 anos. Quando foi levá-los até o aeroporto, fez uma pergunta: “Como vocês vão fazer para lidar com a diferença?”. “Qual diferença?”, foi a resposta interrogativa. Mas todos nós sabemos que o Brasil não é racista... 
   O mesmo desembargador concorda que é preciso uma reforma nas Varas de Família, que faltam psicólogos e assistentes sociais, fundamentais para agilizar os processos. Concorda também que a infância passa rápido, que o tempo das crianças é diferente e que essa fase da vida é um referencial para todo o resto. Mas o que eu mais queria perguntar para esse desembargador é que, sabendo de tudo isso, por que esse sistema não muda? Por que com tantas crianças órfãs de fato, a Justiça mantém outras crianças órfãs (do pai ou da mãe) em litígios de disputas de guarda que demoram 10 anos? O meu processo já encerrou, a guarda definitiva é do pai (embora todos falem que a guarda pode ser mudada a qualquer tempo). Mas não ter a guarda não é o mesmo de não ter direito de convívio. 
    A infância passa rápido, minha filha nem é mais criança. O afastamento é um fato. A ruptura foi constatada até pela psicóloga forense, mas nem isso faz com que a Justiça acelere. “Ah, agora está adaptada aqui, não vamos mudar mais nada. De repente se for passar férias com a mãe vai ficar confusa”, deve pensar essa gente (juiz e promotor) que nunca viu a cara da minha filha. 
    Na minha singela opinião de quem vive há 9 anos em fóruns, perícias e delegacias fazendo boletins de ocorrência, os cargos de promotores e juízes não deveriam ser concursados. Uma vez concursados ficam lá para sempre o na pior das possibilidades recebem aposentadoria compulsória. Não importa o quanto demorem ou errem, seus gordos salários nunca deixam de cair em suas contas. Se fossem eleitos de 4 em 4 anos, a situação seria totalmente outra. Imaginem um juiz (no meu caso 4!) que demora mais de 3 anos apenas para conceder o direito de visita para uma mãe? Com certeza esse senhor de toga teria seu nome na Corregedoria, haveria campanha contra e não se reelegeria. Com certeza seria mais rápido, exigiria mais assistentes sociais e psicólogos, exigiria agilidade de todos ao seu redor. 
   Mesmo sendo funcionários públicos, uma vez lá, não importa o público, importam seus interesses privados, seus conhecimentos e trocas de favores. A criança na Vara de Família é o que menos importa, afinal o tempo passa rápido e ela cresce e deixa de ser criança. 
    Ainda quero muito realizar meu sonho de ser mãe adotiva e como minha situação judicial e financeira não ajuda, talvez só realize esse sonho depois dos 50. Não terei nenhuma exigência, de cor, de sexo, de idade, aliás, se tiver mais idade, melhor. Só quero olhar nos olhos de uma criança que nunca teve mãe e sentir aquele amor que bate e volta. O amor pelo ser que é humano. A hora da adoção é uma das poucas em que mulheres levam vantagem sobre os homens, mas tem que ser branca e recém-nascida.

terça-feira, 25 de março de 2014

A Desigualdade Social que Começa em Casa

    Sempre evitei dar minha opinião sobre o programa Bolsa Família, do Governo Federal, mas tenho lido tantos comentários reacionários e fora da realidade de quem vive ou viveu em outras esferas da sociedade, que tenho vontade de por fim em algumas amizades. É muito fácil para quem sempre estudou em escola particular, ganhou carro aos 18 anos, teve faculdade paga ou então passou na pública (já que estudou na melhor escola privada) falar que “é preciso ensinar a pescar e não dar o peixe”.
      Eu vivi as duas realidades, estudei em escola pública até o primeiro colegial, mas meu pai percebeu que o ensino público estava lastimável e preferiu me colocar no Colégio Objetivo, uma máquina de passar no vestibular. Eu até poderia ter pleiteado uma bolsa como atleta, mas meu pai, sempre ele, tão sensato, tinha condições de pagar e achava melhor que outros nadadores, menos favorecidos naquele momento,  ficassem com a bolsa.
     Ganhei meu primeiro carro aos 18 anos, um Fusca, para eu "aprender a dirigir e poder dar pequenas batidas sem maiores prejuízos". Ganhei um carro 0km aos 22, quando estava no último ano da faculdade e já trabalhando na área. Não pedi nada e nem acreditei quando vi o carro na garagem: “Agora você pode subir e descer a Serra com segurança”, declarou meu pai e completou: “O IPVA e o seguro anual estão pagos, a partir de agora é só com você”. Eu ganhei o peixe, mas já tinha aprendido a pescar. Além do que sou filha única, talvez, se tivesse mais irmãos, as condições teriam sido outras.
    Então escuto mulheres falando que “essas mulheres” ficam se enchendo de filhos por causa do Bolsa Família, que é só fazer controle de natalidade. Sim, claro, eu mesma, tão bem informada e instruída, não planejei nenhuma gravidez, afinal, camisinha nunca estoura, pílula nunca falha e nós nunca ficamos enlouquecidos de paixão. Escuto isso de mulheres que fizeram vários abortos, uma hipocrisia abominável! Se fossem pobres teriam sido mães na adolescência, porque menina pobre não tem outra saída a não ser ter o filho ou arriscar morrer abortando de qualquer jeito. As meninas com dinheiro abortam em clínicas elegantes e caras, depois se acham no direito de criticar outras mulheres que aos 30 anos já estão no quinto, sexto filho. O pior machismo é o feminino, sempre achei isso, desde quando nem sabia o que era machismo. 
     Vejo a desigualdade social na minha própria casa. Quando Dora nasceu eu tinha um plano de saúde top 5, arcava com todas as despesas dela, da casa e até do folgado do pai dela, Jonas Golfeto. Dora só estudou em escola pública por 2 anos, mas era na Escola Modelo Dino Bueno, em Santos, que trouxe para nossas vidas a família Figueiredo Schiarri e isso já valeu por uma eternidade de coisas boas, mesmo que a escola fosse ruim (o que não era).
   Mas Dora queria mais e então conseguiu por mérito 50% de bolsa no colégio Ateneu Santista, comprei todo o material e uniforme, com certo esforço, já que tinha Miranda, com menos de 2 anos, totalmente por minha conta e risco. Porém, aos 15 dias de aula, minha Dora foi levada pelo pai, oficial de Justiça e Rede Globo, até Ribeirão Preto. Lá estuda numa ótima escola, Albert Sabin (nunca me permitiram conhecer, já que a outra parte levou o processo – mesmo em segredo de Justiça – para proibir que eu entrasse), continua com excelentes notas, as mesmas que sempre teve, em escola pública ou privada. Faz ballet pago também. Não conheço a casa dos avós, José Hércules Golfeto e Ed Melo Golfeto, onde mora, mas sei que é bem grande, pois já estive lá no portão, para tentar abraçar minha filha após um ano sem nem ouvir sua voz, mas a outra parte chamou a polícia para me levar embora.
    Por que há desigualdade social na minha casa? Porque Miranda nasceu em um hospital particular, mas eu não tinha mais plano de saúde e precisei pagar tudo (sozinha), sempre frequentou creche pública e agora está numa escola municipal, no Guarujá, muito linda e toda lúdica, mas Miranda, que também tem tanta sede de saber, já me disse: “Mamãe, quero aprender a ler, escrever, na escola só dão brincadeira, brincar eu brinco no prédio”.
    Fui conversar com a professora, me explicou que é uma norma e que é contra (uma professora rebelde), “nessa idade só brincadeiras”, apenas Miranda e mais dois da sua sala sabem escrever o nome e reconhecem letras. Cabe a mim brincar de escolinha em casa e lhe alfabetizar.
    Gastei até o que não tinha com um processo, para ter acesso à minha filha. Há mais de três anos vivo essa saga e nem eu me aguento mais. Se tivesse muito dinheiro, já teria a guarda da Dora. O advogado mais fodão de Ribeirão Preto me garantiu que em um ano ela estaria comigo... mas seus honorários eram 40 mil reais, fora as custas judiciais. Na Vara de Família sempre vence quem tem mais dinheiro ou conhecimento, em Ribeirão Preto só conheço amigos de adolescência e jornalistas, o que já me ajuda muito. A família Golfeto conhece muita gente e é muito conhecida lá (apenas lá).
   Miranda nunca será disputada judicialmente, ela não tem pai, nem em seu registro de nascimento. Até tentei fazer com que o cara a registrasse, com medidas legais cabíveis, mas o sistema judicial brasileiro é paradoxal: não posso passar mais que 2h30 junto de Dora, dentro de uma sala, no Fórum, monitorada por uma psicóloga por quem não sinto a menor empatia, mas sou capaz de criar Miranda absolutamente sozinha. Tenho muita curiosidade em saber como serão minhas filhas adultas, no que dará essa desigualdade social das duas.     Aqui no Brasil a Justiça falha e tarda, sempre. Estou até pensando em me cadastrar no Bolsa Família, já que minha filha frequenta escola pública, já que o Estado nunca me deu nada e ainda me tirou uma filha.

terça-feira, 18 de março de 2014

A Rebelde e a Encrenqueira

   São especiais e marcantes as grandes amizades da adolescência. É uma espécie de paixão.  Queremos ficar horas e horas com a amiga: rindo, chorando, ouvindo música, falando sobre tudo.  Ligamos todos os dias, saímos juntas todos os finais de semana. Como boa geminiana, tive várias dessas amizades apaixonantes. Com Georgya Corrêa foi amor à primeira vista, quando nos conhecemos, na sala de aula do primeiro colegial, aos 14 anos. Não lembro o motivo pelo qual ela me fascinou, mas certamente foi alguma atitude rebelde. De quebra me apresentou um leque de irmãos, de casamentos passados e futuros de seus pais. Uma árvore genealógica tão ramificada quanto singular.
   A vida foi nos tirando essas horas e dias de cafés, diálogos e risadas dos 15. Nos últimos 25 anos nossos encontros foram esporádicos, com filhos, em festas, jantares, visitas rápidas. Já André, seu irmão e um desses amigos por quem também sou apaixonada, foi menos “esporádico”, sempre me manteve a par das notícias básicas sobre a Geo.
   Numa conexão intuitiva que só os grandes amigos/irmãos conseguem definir, nos reencontramos de uma forma intensa, cúmplice e telepática. Fica quase impossível narrar as 55 horas de lembranças, descobertas e reencontros vividos nesse curto tempo. O principal é que nada mudou, como ela mesma disse, apenas uma vírgula nos separou. Quando me explicava sobre uma certa regra que ela não seguia, porque para ela há regras e regras são feitas para serem quebradas, a cortei para avançar na pauta, pois me explicava o que já sabia: “Ah, tá, rebelde”. Então, Geo fez aquela cara engraçada de frustração, como se tantas terapias tivessem sido inúteis, afinal, continuava uma rebelde. Até perguntou para sua mãe, Elza, que admiro tanto, se achava que ainda era rebelde. “Até que você melhorou 50%”. Nos restou rir com a constatação materna, irrefutável. Quando contei que estou sendo processada por um juiz e chutei a porta de outro, a cena se repete apenas com mudança de atrizes: “Ah, tá, encrenqueira”. Tentei me defender, que não busco brigas, que a vida me coloca em certas situações. Mas ela me lembrou de quem sou, aquela que entrava na briga dos outros, “Dri, você é uma encrenqueira”. E rimos muito, quase nada mudou.
   A madrugada de sábado avançava e nós na cozinha, tomando água e falando das nossas “peias” físicas, emocionais, financeiras e psíquicas. Ambas sofreram acidentes de carro aos 17 anos, no banco do passageiro, com um homem dirigindo, sem cinto de segurança (nem era Lei) e isso nos trouxe transtornos físicos permanentes. Então, baseada em estatísticas de nós duas,  havia 100% de chances de nossas filhas, aos 17 anos, passarem pelo mesmo processo, concluímos “viajandonas”. Rimos muito, tapando a boca para não acordar ninguém, e decidimos que elas estariam proibidas de sair de carro com garotos na direção. Nisso, sua linda e maravilhosa filha Thaís, de 15 anos, acordou, passou por nós com cara de "não acredito que ainda estão acordadas" e disse em tom de compaixão: “adolescentes”. Rimos mais ainda, o que acordou seu marido Tanã (um músico/nadador que adorei conhecer e parecia um desses meus amigos das piscinas), que ficou cuidando de Miranda e Cauã (o filhinho deles, de 3 anos) até dormirem, enquanto eu Geórgya ficamos com todo o tempo do mundo para falar sobre todas as coisas.
   Foi muito esclarecedor perceber que continuo uma encrenqueira, só as proporções que mudaram. Antes eu ia contra a professora repressora, agora é contra um sistema judiciário inteiro. Antes eu brigava com namoradinho de comportamento machista.  Agora é com a sociedade inteira. Antes eu discutia com o cara que lavava a calçada no verão, época em que faltava água. Agora entendo que não é nosso banho de 10 minutos ou a torneira aberta que baixa os reservatórios, mas sim as grandes empresas multinacionais e suas máquinas, a falta de investimento do Governo em sistemas mais sustentáveis, em programas de despoluição das águas (lembrando sempre que empresas poluem indefinidamente mais do que a população civil inteira do País). Agora minha encrenca é com peixe grande... e a rebeldia da Geórgya também!
   Não bastasse toda emoção trazida por nossas recordações e redescobertas, ainda me esperava uma experiência Carlos Castanheda, além de reencontrar a maior parte de seus irmãos, da tal árvore ramificada. André Corrêa, meu amado,  foi ao meu encontro com sua doce filha Manoela. Chegou como sempre chega, afetuoso, sorridente, verborrágico, cheio de novidades. A grande surpresa é que cansou de ser um niilista. “Chega Dri, a vida tem que ser encarada com mais positividade”, me disse de forma meio cênica. Ver esses amigos, com suas filhas, tornou a ausência da Dora mais presente. Ver Miranda e Cauã brincando, rindo juntos, uma nova geração já amiga de infância foi tão lindo! Mas a alegria se misturava com a dor, porque eu imaginava que Dora poderia estar com Thaís, Manoela... esse buraco que aumenta, essa mistura de luz e sombra.
   Há muito tempo eu não chorava tanto quanto chorei no sábado à noite. Ao ponto de um garoto ao meu lado passar lenços de papel. As lágrimas corriam soltas pela música, pelos meus pensamentos infelizes. Mas tornou-se um rio quando Rosa Bertholini, uma mulher tão linda, que generosamente dividiu histórias, cafés e filosofia comigo, narrou com gratidão sua superação de um câncer gravíssimo, sua quase morte. Isso a tornou ainda mais forte. Agradeceu às pessoas, ao lugar, à vida. Falou sobre o medo da morte e o medo da vida. Um medo que quase todos tem, mas eu não tenho, nem da morte, nem da vida. Me senti tão arrogante por essa falta de medo. Me senti mesmo um lixo e continuei chorando, tentando disfarçar o indisfarçável.
  Ainda tentava limpar o rímel borrado quando um garoto de pouco mais de 20 anos, visivelmente debilitado, também se pôs a falar da sua luta para continuar vivo. De sua força de vontade em viajar 13 horas, logo após receber alta hospitalar, para estar ali. Chorei mais e mais e mais. Não resisti, fui me apresentar e dar um abraço em Diego, dizer o quanto ele me tocou. Estava eu, Rosa e Diego falando de hospital, quimioterapia, peso, alimentação, daí chegou um outro cara para contar o caso do irmão, que teve um linfoma há 5 anos. Depois chegou o marido de Rosa, falando sobre mapeamento genético. Tive um acesso de riso interno porque lembrei do filme 50%, em que o protagonista tem câncer, quer fugir do assunto, mas as pessoas ao seu redor só se aproximam para falar sobre a doença. Diego, quero que você leia esse texto, veja esse filme e saiba que você é lindo! 
   Na despedida, um apertado e demorado abraço na minha amiga rebelde. Miranda embaixo, nos abraçou nas pernas. Adoro abraço triplo. Um gosto de “até logo mais” teve essa despedida. Miranda de mãos dadas comigo: “Mãe, você tem tanto amigo legal, né?”. Tenho sim. E os mais antigos são os mais conhecedores de mim. Não sei o que pode acontecer quando duas amigas rebeldes e encrenqueiras na idade juvenil, tornam-se profissionais no assunto e resolvem fazer planos futuros. Só sei que é um grande ato de rebeldia e a maior encrenca querer um mundo melhor. Nós sempre quisemos e vamos continuar querendo. Até o fim e além.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Qual o Sentido Disso?

    Estava dando uma geral em caixas de papeladas, me preparando para mais uma mudança física (as afetivas, psíquicas e emocionais acontecem ainda com mais frequência) e me deparei comigo aos 12 anos. Textos sobre ateísmo, eutanásia, amizade, amores juvenis e música. Penso que esse ceticismo precoce pode ser o responsável por me tornar uma pessoa infeliz. Os crentes tem esperança e acreditam que outra vida virá, com alegria, paz e justiça. Eu acredito nessa vida e cada vez vejo menos sentido nela, menos alegria, paz e justiça. 
   O único sentido é a música. Talvez por isso eu admire tanto os músicos, por mais utópicos, por mais abstratos ou “viajandões” que sejam, tocam sua fúria, tristeza e alegria. Ou simplesmente se divertem. E me divertem também. Os momentos mais felizes da minha vida são acompanhados de trilhas sonoras. As pessoas que mais amo, vivas ou mortas, estão banhadas em música. Posso até ver as partituras evaporando de seus poros. 
  Fui lendo tudo o que escrevi lá na pré-adolescência, minha preocupação com o meio ambiente, com miséria, desigualdade e o mundo que me esperava quando fosse adulta. Eu aproveitava todas as chances para ter uma vida melhor. Não era uma nadadora excelente, mas o suficiente para viajar para vários campeonatos, conhecer lugares e pessoas de outras regiões e culturas. Me deram alguns peixes, mas também me ensinaram a pescar. 
   Não culpo mais os outros por tudo dar errado. Eu escolhi me envolver com esses “outros”, eu escolhi trazer mais gente para esse mundo com excesso de pessoas e tantos desperdícios. Eu escolhi fazer faculdade de jornalismo, que é sinônimo de instabilidade.
    Penso que o Brasil piorou nas últimas décadas, mas olho para o resto do mundo e também não vejo muita evolução, só os países de sempre continuam indo bem: Dinamarca, Suíça, Suécia. Os senhores da guerra continuam guerreando nos lugares de sempre (Oriente Médio), mas não deixam de encontrar novos horizontes para despejar seus armamentos bélicos, o Leste Europeu que o diga. É tanta guerra nova que quase ninguém lembra dos três anos de horrores que seguem na Síria. Por que eu devo me preocupar com os ucranianos morrendo nas ruas enquanto se manifestam contra o seu Governo, com os venezuelanos baleados pelo mesmo motivo? Por que eu continuo me importando com quem não conheço? Já não tenho problemas suficientes? Porque somos todos terráqueos e eu me sentia parte disso, agora nem sei se me sinto mais.
     Daí eu não queria mais falar de processo, mas foi por isso que esse blog começou e é bom saber como a Justiça não funciona no Brasil. No início de tudo, a outra parte pediu que minha filha ficasse três meses sem contato comigo, para poder restabelecer os laços com a família paterna. Talvez o judiciário tenha lido errado, no lugar de meses entendeu anos. Afinal já se passaram 3 anos e 1 mês. Agora o laço afetivo foi restabelecido com a família paterna, mas não há mais vínculo com a materna. A própria psicóloga forense de Ribeirão Preto escreveu em seu laudo que as irmãs perderam o vínculo. Era de se esperar após tantos anos sem contato, sem passar uma noite juntas, um final de semana de diversão, uma festa de aniversário, um almoço, um sorvete, assistir um filme. O que o juiz vai fazer agora? É preciso retomar esse vínculo... ou não, porque depois de tanto tempo nada mais que se faça fará sentido, nem será justo, nem comigo, nem com ela.
   Nos meus escritos antigos encontrei também as 5 músicas que gostaria que tocassem no meu funeral (sempre gostei de Top 5). Escrevi isso aos 23 anos, eu nem estava triste, era um texto divertido até, talvez eu acrescentasse outras músicas agora, mas sou uma pessoa fiel na arte, quando me apaixono, vou até o fim: 
Where Is My Mind? – Pixies;
Under Pressure (Queen and David Bowie); 
Needles&Pins (Ramones); 
Patética (Bethoveen) 
Bolero de Ravel
   
   A música é a única coisa que faz sentido, na vida ou na morte. 

segunda-feira, 10 de março de 2014

Os 40 Anos de Fernanda Robles

   Enfim aconteceu: quebrou a barreira dos 40 a última moradora do épico apartamento 51 A. Quem viveu leva a marca deste lugar, um apartamento grande na rua da Consolação, onde moravam amigas santistas. Não, não era bairrismo, era uma grande coincidência, quando alguma moradora saía por motivos de mudança de trabalho ou casamento, entrava outra e sempre era alguma amiga de infância ou adolescência, no caso, de Santos. 
  Para comemorar a entrada nos “enta”, Fernanda Robles fez uma festa. Mais do que comemorar o aniversário da amiga maravilhosa, todos estavam lá para celebrar o reencontro. Então fui relembrando a importância da Fernanda em minha vida e todas as coisas e pessoas boas que ela me trouxe. Nos conhecemos na adolescência, era prima das minhas melhores amigas, Flavia e Ana Paula. Sempre aparentou menos idade: aos 16 parecia ter 12, hoje aos 40, se disser que tem 30 ainda acharão que é muito. Mas o que sua aparência tem de jovem, sua cabeça tem de madura e responsável. Não consigo enumerar todas as vezes que passamos férias e feriados em Paúba, nem todas as risadas e insigths e músicas e livros divididos. Houveram lágrimas também, mas que ficavam suaves ao lado dela. 
  Quando eu estava com problemas de convivência no apartamento que dividia em São Paulo, lembrei do 51 A. Liguei para Fernanda e disse que assim que vagasse um quarto (eram 4), que me chamasse. Alguns dias depois ele me retornou: Iamara Araújo e Glaucia Diegues estavam saindo (minhas amigas desde sempre). Meu único porém era a gata Nana. As outras moradoras e também minhas grandes amigas, Zan Moraes e Maria Paula Alves, aceitaram a bichana e mudei para lá. 
  Zan e Maria Paula saíam cedo para trabalhar, eu e Fer tínhamos horários mais flexíveis e passávamos mais de uma hora no café da manhã caprichado, com muita conversa e projetos de vida. Na época não havia coleta seletiva de lixo e por iniciativa desta bióloga, começamos a reciclar em casa e levar até a Cooperativa da João Moura. Numa semana levava ela, na outra eu. Foi então que percebi que nosso lixo reciclável era 5 vezes maior do que o orgânico. Foi quando acompanhei o trabalho dos catadores, dos recicladores, que ganharam um espaço da Prefeitura (a grande Erundina era a prefeita de São Paulo), muitos deixaram de morar na rua após a reciclagem. Claro que fiz matéria sobre isso, mas é outra história. 
  Fernanda também trouxe para minha vida Sérgio Galvani. Começaram a namorar nos anos 90, estão juntos e com três filhos. Fernanda é ligada nos 220, já Galvas é um ser de fala mansa, tranquilo, mas igualmente inteligente, lindo e gente boa. Uma vez eles terminaram o namoro, acho até que foi ela quem terminou. Lembro de ter dito que, se eles não voltassem, nunca mais eu acreditaria no amor. A separação durou menos de uma semana e nós (eu, Zan, Maria Paula) festejamos o retorno como se fosse um relacionamento nosso. Afinal, Galvas era nosso quinto elemento, sempre presente no 51 A, um cara que dava liberdade de falar e fazer qualquer coisa, entende muito as mulheres esse cara e já me deu conselhos que sigo para a vida. 
  Quando a médica me disse que deveria marcar o parto de Dora entre 6 e 12 de fevereiro, não tive dúvidas: seria dia 9. Não foi coincidência, escolhi o mesmo dia de Fernanda, que também é bailarina. Faço aniversário no mesmo dia da mãe da Fer, a querida Luzia, então acredito que ela jamais esqueça meu aniversário, assim como jamais esqueço o dela. Dora também é inteligente, bailarina e muito madura. Acho que acertei na data – algum acerto a gente tem que ter na vida. 

A Festa – O evento foi em Campinas, onde moram Fer e Galvas. Estou numa fase muito ruim há alguns anos e, de janeiro para cá, estou a beira do abismo, que acena para mim convidativo todas as noites, às vezes de manhã também. Festas e bares há algum tempo não me atraem. Mas eu sabia que não seria uma festa qualquer, que encontraria as meninas do 51 A. 
   Alguns dias antes Fer ainda me pressionou: “- Você vem, né Dri?” É muito importante para mim saber que as pessoa que amo também se importam comigo. Apesar de que continuo amando de qualquer jeito. Mas fico feliz quando a recíproca é verdadeira. 
   Fui com Maria Paula, que também amo tanto. A ida foi uma saga, irritante em alguns momentos, mas divertida no final. Até entrega de carro em São Paulo para uma amiga aconteceu, quando passamos para o carro de Laerte, namorado da Maria. Paradas, atrasos, chuva. Enfim chegamos na casa de Mônica Gobitta e seguimos para a festa. Da rua já se ouvia o som da banda Os Intocáveis. Quanta alegria encontrar Ana Cristina Basravi (my Soul), Iamara, Carmen Santana, Zan. Que bom ver que essas mulheres continuam incríveis, lindas, superando crises, gerenciando as vidas com leveza e amor. 
   A banda só tocava anos 80, Fernanda escolheu tudo, até a playlist nas paradas da banda, música por música. Uma centena de pessoas dançava, pulava e cantava todos os hits dos 80. A maioria esteve lá nos shows da Plebe Rude, Ira!, Titãs, Camisa de Vênus e todas essas bandas responsáveis pelo boom que o rock nacional viveu. A banda que tocava era ótima, alguns tinham filhos também guitarristas, baixistas, que também tocaram. Percebemos a importância de ter vivido juntos tudo isso. Éramos sim mais politizados, o rock era muito divertido, mas cheio de atitude, mesmo quando falava de banalidades.  Éramos felizes e tínhamos plena consciência disso. 
   Num certo momento o vocalista da banda clamou por alguém que soubesse cantar a saga de Arlindo Orlando (A dois passos do paraíso, da Blitz). Um empurrava o outro para ir, todos já bem embriagados, de repente o nome de Galvani foi chamado, ele não se intimidou, pegou o microfone como se fosse seu melhor amigo e arrasou. Além de tudo, ele também canta! Um momento inesquecível. Senti orgulho de ser amiga dele. A música terminou com um beijo apaixonado, de um casal lindo e iluminado (sério, tinha luz saindo deles). Nem diretor de comédia romântica seria capaz de imaginar tal cena, nada foi planejado, tudo com tanta espontaneidade. O único plano era a diversão. Fernanda faz aniversário e o presente é nosso. Só alguém como ela poderia reunir tanta gente especial em um único espaço. Obrigada, Fer, por me fazer sempre lembrar de como é o amor e a amizade.