terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Dentro e Fora D`água

   Não lembro se a conheci dentro da piscina, na borda ou no vestiário. Mas foi no Vasco da Gama, em Santos, e tínhamos 11 anos. Apesar de ser apenas um mês mais nova do que eu, parecia uma criança e eu já era toda adolescente. Era uma garota linda que parecia a Branca de Neve. Trocamos papéis de carta e depois escrevemos algumas quando mudou-se com a família para Cuiabá.
    Dois anos depois Paola Miorim retornou maior do que eu e ainda mais bonita. Voltamos a dividir a mesma piscina, depois a mesma sala de aula de nerds no colegial e também ouvíamos os mesmos discos. Dormíamos uma na casa da outra e nunca nos faltava assunto ou vontade de fazer tudo: teatro, inglês, computação, canto. Estávamos juntas no show do Camisa de Vênus, no lendário Caiçara Clube, quando foi gravado o disco ao vivo. Cansadas do treino de sábado, ficamos sentadas na escadaria, sentindo o piso tremer.
    Chamava sua mãe de "mãe Lúcia" de tanto que dormia na casa dela e recebia as mesmas broncas e carinho. Seus irmãos, Marcelo e Rodrigo, também nadadores, tornaram-se meus irmãos. Meu pai ficou muito amigo do pai dela, Paulo, também nadador, como meu pai. Dancei valsa com Marcelo no seu aniversário de 15 anos. Precisei comprar um vestido novo, pois tinha engordado 5kg em 18 dias passados nos Estados Unidos. Me senti horrorosa, mas não perderia a festa por nada, nem ninguém! Quando Paola mudou-se para Ribeirão Preto, para fazer faculdade. acabei indo também, pois não queria amargar um ano de cursinho. Mas não aguentei o calor escaldante por mais de um ano e meio e voltei.
      Sempre me impressionou a estima elevada dela. Demorei a entender que precisamos nos amar acima de tudo, que somos nossos leais companheiros até o fim e se houver algo além do fim. Logo eu que nunca me amei muito e cheguei mesmo a me odiar certas vezes, tinha uma amiga que se amava acima de todas as coisas. E tão certa sempre esteve!
      Por trilhar caminhos diferentes e ter vidas tão corridas, passamos um tempo afastadas. Mas Paola foi uma das primeiras pessoas a me ligar quando passou uma matéria no Fantástico, com a sinistra voz de Cid Moreira dizendo: "Adriana Mendes tem graves problemas mentais". Me ofereceu toda a solidariedade, dizendo não acreditar em nada daquilo, mesmo sem me ver há alguns anos.
    Quando minha filha foi levada para Ribeirão Preto não pensei duas vezes em ligar para Paola e pedir para ficar em sua casa quando precisasse. A verdade é que eu não imaginava que precisaria por longos quatro anos. Nos dois primeiros eram só lágrimas, porque nada dava certo e eu não podia ver minha filha. Se eu consegui suportar tudo isso, Paola e suas adoráveis filhas, Lívia e Giovana, merecem todos os louros. Sempre que eu voltava arrasada de fóruns e delegacias era na casa delas que eu encontrava abraços, sorrisos e leveza para seguir.

    Existem pessoas que passam por algum momento de grande tristeza e levam o sofrimento para o resto da vida. Outras vivem grandes tragédias, perdas irreparáveis e fazem disso um aprendizado, uma superação. Paola faz parte do segundo grupo. E tomei isso como lição. 
   Mesmo tendo amigos muito queridos em Ribeirão Preto custei a querer encontrá-los. Não queria que me vissem tão magra, de olhos fundos, aparência abatida e doente. Preferia que lembrassem de mim como eu era, sempre sorridente e cheia de saúde. Paola podia me ver assim destruída, porque me viu nas piores fases da adolescência, quando ficava cheia de espinhas, peitos enormes e usava roupas e cabelos que não favoreciam em nada meus ombros e braços grandes. 
    Ela já me viu chorando tudo o que eu tinha para chorar de tristeza. Quando tentou falar delicadamente com a outra parte recebeu o telefone na cara. Respirou fundo e ligou de novo. Outro telefonema na cara. Não acreditou em tanta intolerância. Fomos criadas de uma forma a tolerar e aceitar diferenças. Fomos criadas de forma muito parecida.
     Quando finalmente pude ver minha filha fora do fórum, precisei indicar um "monitor". Como pedir o favor de buscar, acompanhar e levar, a cada 15 dias, com horário rígido e pré determinado, a alguém que não seja incrivelmente generoso e comprometido? Quem aceitaria tal responsabilidade? Quem assinaria um termo no  cartório do fórum? Talvez se eu tivesse um irmão, não fizesse isso por mim.
     Todas as idas e vindas na estrada eu pensava nisso. Em toda a trajetória de amizade que levou a esse ponto e reencontro tão forte na vida. Em todas as pessoas que agreguei por conta de Paola, como Patrícia Zorzenon, Marcos Papa, Sônia Gravine, Tetéu, Zeca Ferreira. A delícia de saber que Beto Wagner, Ana Luiza Feres e João Paulo também são amigos dela, mais recentes, de outras histórias que se cruzam nesse emaranhado de laços afetivos.
      Não é uma coincidência eu estar aqui no apartamento de Paola, escrevendo do note dela (sem ela estar em casa) o que provavelmente é o último texto do ano e o primeiro texto de liberdade. Amanhã, ou logo mais, considerando que já é madrugada, pego Dora, às 14h, para seguirmos juntas pela estrada, ver os amigos que há anos ela não vê, voltar nos mesmos lugares, mergulhar no mar, dormir finalmente e novamente embaixo do mesmo teto. Sem monitores, sem psicólogos, sem advogados. Apenas com amigos que escolhemos ter. É tão simbólico estar aqui nessa sala e ter essa pessoa na minha vida por 34 anos, de forma intensa e absoluta. Uma amizade que passa de geração para geração e que se perpetuará em projetos literários que agora também temos juntas. Esse foi um ano bom. Pela primeira vez em muito tempo sinto esperança. Sei que o próximo ano será libertário. Eu só posso agradecer e oferecer meu amor eterno.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Olhando Azulejos na Piscina

   Não me falta assunto, nem ideias. Mas falta mesmo um tempo para sentar com calma e escrever. Nada de escrever só por exercício, porque isso já faço com matérias e livros reportagem. Escrever sobre o que me importa, que nem sempre pode importar aos outros, mas que se for o suficiente para inspirar uma pessoa, já é uma missão cumprida. Adoro ter missões e cumpri-las.
  Um dia tive a feliz ideia de perguntar para a querida Tico Gil, por esse tal facebook, como eu faria para dar um mergulhão na piscina do Napoleão Laureano. "Segunda, quarta e sexta, das 9h às 11h, será muito bem vinda". Fui com Miranda, que adora natação. 
   De repente olhar Tico e Paulino, irmãos inseparáveis, de corpo e alma,  na borda da piscina, dando treino para crianças de 4 a sei lá quantos anos, me encheu de emoção quase incontrolável. Há 20 anos não nos víamos e parecia que nossa última despedida aconteceu no vestiário, no dia anterior.
   Então eu nadei. E lembrei de mim aos 6 anos, na mesma piscina, com medo de colocar a cabeça dentro da água, com medo de mergulhar, engolindo água pelo nariz e chorando como uma filha única mimada. Querendo desesperadamente fazer amigos, além dos imaginários e das bonecas no meu quarto. Lembrei de como era difícil aprender a nadar, como foi glorioso o dia em que atravessei a piscina que não me dava pé. E olhei Miranda nadando tão destemida, saltando da  baliza sem medo algum, conversando com todos os meninos ao lado.
    Paulino, uma das figuras mais lendárias da escola, tornou-se professor de Miranda. A admiração dela por ele foi imediata. Ele brinca, mas tem autoridade. O equilíbrio entre o mestre e o amigo. Na hora do aquecimento fora da água sempre a lembrança de colocar um menino e uma menina intercalando o círculo. Nada de clube da Luluzinha ou Bolinha, são todos amigos, todos irmãos. Menino não é mais forte, menina não é mais chorona. Cada indivíduo é único em sua singularidade e todos são iguais no coletivo. Um resumo tosco do que representa ser nadador.
   E sempre que me dava tempo ou meu pescoço travado permitia, nadava. Mais Costas do que qualquer outro estilo, porque a  cabeça tem que ficar parada mesmo. E então olhava o céu azul. Pensei que talvez tenha me dedicado mais a esse nado, já aos 13 anos, porque percebi que poderia olhar mais do que azulejos. Uma máxima antes das provas é: "Agora sou só eu e os azulejos". Natação é um esporte muito solitário, sempre você mesmo com seus pensamentos e contando azulejos. Ao mesmo tempo é um esporte tão coletivo e cúmplice, porque só quem passa horas contando azulejo sabe o que o outro sente. Como bem definiu Paulino Neto, "é como se todos nós tivessemos compartilhado o mesmo útero de 470 mil litros de água".
   Posso dizer que voltei às raízes. Num churrasco na cada da Tico reencontrei Claudinha, Silvinha Araújo "Sorriso", Rosana e a querida mestra de matemática, Zenilde Carmo. Uma alegria ver Miranda fazendo amizade com Antônio, um garoto de 19 anos, que ela viu como um menino de 10. Também nadador, filho de Tico, E a doce Bruna, a filha mais velha. E não ficamos todos vivendo de nostalgia de como era bom "o nosso tempo". Falamos do presente, do futuro, de amor e amizade. Sim, lembramos daquele que nos ensinou a nadar, professor Roberto Silva, também nosso amigo, psicólogo e pai. Que sorte foi a nossa, que grande equipe ele formou, não só de atletas, mas de cidadãos e amigos. 
   Lembramos também que não havia essa de bullying. Eu era a Mosquitinho, Rosane Mendes a Palitinho, Paulino era Chupeta, Tico era Ticolé e nem sabe mais seu próprio nome, virou Tico e pronto. Todos tinham um apelido, como a Regina Pimentinha, que vivia brincando na rua até descobrir a piscina. 
  No último dia de aula, Miranda levou um desenho para o seu professor. Um nadador sorridente, na borda da piscina, com oclinhos, sozinho no meio do azul. Um professor verde porque ele disse que adora o Hulk. Disse também que não queria presentes de fim de ano, seu maior presente seria receber uma menção honrosa no TCC das crianças, que se olharam sem saber o que era TCC. "Pode ser desenho também, adoro desenhos". E foi esse desenho caprichado e cheio de amor que Miranda fez.
   Na hora decisiva somos só nos e os azulejos. Mas antes tem toda uma história de superação, aprendizado e incentivo. Depois tem muitos abraços, sorrisos e lágrimas. E a amizade eterna entre os que dividiram um útero gigante.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Na Quebrada de Ribeirão Preto

     Fomos buscar Dora. Eu e Paola. Queríamos ver Tim Maia, mas não daria tempo de estar de volta às 19h. Lembrei de Na Quebrada, outro nacional que tinha gostado do trailer. Eu ao lado de Dora, numa sala escura, vendo pela primeira vez um filme que não é infantil. Não consigo lembrar a última vez que isso tinha acontecido. Nós juntas em um cinema!
     O filme mostra a vida de alguns jovens na favela de Brasilândia, baseado em histórias reais. Tem tiro, assassinato, presídio, órfãos e lágrimas. Mas as cenas que mais me emocionaram (e emocionaram Dora também) foram as cenas de fantasia e sonho, quando as crianças arregalam olhos e abrem bocas assistindo um filme na tela grande pela primeira vez. Quando adolescentes sem perspectivas fazem curso de cinema e conseguem vislumbrar algo além de tráfico de drogas, armas e corpos ensanguentados.
     No final ainda ficamos sentadas por algum tempo, esperando os créditos, as músicas. Dora é tão musical! Giovana soltou uma pérola: "Não gostei. Não gosto de vocabulário restrito", referindo-se ao excessivo uso de gírias da favela. É um mundo que, provavelmente, nunca conhecerão. Eu mesma só conheci fazendo reportagens policiais ou sociais.
     Dando continuidade ao nosso hábito de ver filmes, no dia seguinte sentamos no sofá e vimos Remember Me, um romance dramático. Giovana e Dora suspiraram com a fofura do casal traumatizado, que descobre o amor. O protagonista é Robert Pattinson, que eu conhecia como o vampiro anêmico de Crepúsculo. Me convenceu tanto como o jovem poeta atormentado que esqueci completamente do vampiro. No final sobrou eu e Dora na sala. A trilha sonora indicava que algo muito ruim iria acontecer. E aconteceu. E choramos muito, novamente. E falamos de muitas coisas, mas muito pouco do que queria falar. É tão difícil não conseguir falar. Até abraçar é difícil... logo eu que sempre fui tão "abracenta e beijenta".
     Quinze dias depois nos reencontramos. Não é tão fácil retomar um vínculo com intervalos quinzenais. Não levei Miranda nos últimos encontros. Queria um tempo só nosso. Mas esse tempo ainda não chegou. Queria pensar menos e dormir mais. Será que ela sabe o quanto é maravilhosa e o quanto a amo? Tenho vontade de apertar e beijar suas bochechas, mas, às vezes, sou afastada. Não é mais uma criança. Ainda tenho as bochechas de Miranda, como isso me alivia.
    As presenças da Paola, Lívia e Giovana amenizam um pouco tudo e nada fica pesado. Desta vez vimos um outro filme Ele não está tão afim de você. Dora queria ver comédia romântica e um clima muito romântico pairava no ar. Somos todas apaixonadas. É como voltar no tempo ver Dora e Giovana em segredinhos, como era comigo e Paola na mesma idade.
     Quando tentávamos convencer Lívia, de 18 anos, a dar uma chance para um moço de 21, que "faz USP", que "é lindo, um príncipe" e está muito "interessado sinceramente" nela, Giovana, na sabedoria dos seus 13 anos, solta outra pérola: "Pensa, ele escreve direito, você sabe como isso é difícil hoje em dia?". Como não rir de chorar com esses diálogos juvenis? Eu mesma não sou boa conselheira para coisas do coração. No geral aconselho a falar a verdade e o que sente, mas só os mais puros fazem isso e, geralmente, ficam machucados. Rafinha que o diga, mas essa é outra história. Mas por algum motivo místico, os adolescentes me procuram para desabafar e saber o que fazer. Isso acontecia muito quando eu tinha 25 anos e dava aula de filosofia no colegial. Mas essa também é outra história. Talvez seja porque tenho ainda uma certa fúria juvenil e uma mania de me encantar pelo novo.
   Queria que, de alguma forma, isso me ajudasse na aproximação. Talvez eu não seja mais uma referência materna. Mas posso ser uma amiga. Por fazer muitas coisas posso parecer (ou mesmo ser) superficial, por não me aprofundar em nada, por achar que já sei o suficiente e tem muito mais para saber.
   Sou uma canastrona na maioria dos papéis. Ser amiga é meu melhor papel, sou a melhor amiga que alguém poderia ter. Qualquer um pode me chamar de madrugada porque, provavelmente, estarei acordada. De dia também. Queria que minha vida fosse como um filme com Adam Sandler. Com a mesma trilha sonora. Só por um dia. Só por hoje.

http://youtu.be/G6Kspj3OO0s

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Incêndios


    Estava em Brasília, com meus amados amigos Angel Luís e Gabriela Cunha. Nossas crianças (minha filha Miranda e seus filhos Inaê e Rudá) dormiam tranquilos. Então abrimos um vinho tinto e resolvemos ver um filme. Gabriela escolhe Incêndios. Eu nunca tinha visto, nem ouvido falar. Gab afirma que vou adorar, “é um filme impactante, daqueles que precisam ser vistos duas vezes”. Gab e Angel são aquele tipo de gente que vê filmes perturbadores para dormir, justamente para afastar o sono, coisa que não lhes falta. Adoro esse tipo de gente.
   Só sei que é uma produção canadense, dirigida por Dennis Villeneuve e que foi adaptado de peça homônima. O autor libanês, Wajdi Mouawad, não achava possível sua obra ser transformada em filme. Mas Villeneuve mostrou apenas a primeira cena, que não tem palavras, só olhares e gestos, com música de Radiohead. Isso bastou para Mouawad perceber que todo o resto seria possível. Parei de saber por aí. Ao contrário de mim, Gabriela não gosta de contar as histórias, nem os finais. Melhor assim!
   Começa com tanta intolerância seguida de violência, que paro com o vinho para não doer também o estômago. Namorado refugiado assassinado na frente da moça que o ama. Bebê arrancado de mãe e levado para orfanato. Mãe desesperada atrás do filho, fruto de muito amor, tomado de seus braços na hora do parto. Crianças aprendendo a atirar, tendo como alvo outras crianças. Menino com ódio no olhar e lábios trêmulos, controlando a vontade de chorar. Radiohead arrebentando meu coração. Aliás, a trilha sonora inteira do filme é brilhante. Não exagera, nem exclui, só aumenta a dramaticidade de todos os incêndios, reais ou metafóricos.
   Uma mulher está em estado de choque e há 5 anos parou de falar. Após sua morte, um grande amigo e advogado, chama o casal de filhos gêmeos e entrega uma carta para cada. Pede para um procurar o pai. E o outro procurar o irmão. Os gêmeos olham-se confusos. O pai estava morto e não tinham conhecimento de nenhum irmão. Assim começa a busca pelo desconhecido. Desvendam toda a verdade sobre o passado de sua mãe. Prisioneira, torturada, sobrevivente. Nada disso sabiam. E a cada nova pista, algo mais estarrecedor. Sinto que o final será surpreendente. E foi...

   Volto a tomar vinho e conversamos sobre o filme. Nossas impressões sobre como a falta de amor pode transformar uma criança indefesa em um assassino cruel são as mesmas. Tudo é terrivelmente triste. Só consegui chorar deitada, esperando o sono que nunca vem, com as cenas se repetindo em minha mente, um roteiro tão bem amarrado, montagem perfeita, interpretações tão realistas. E esse tema que sempre me intrigou, sobre a razão em tanta guerra (religiosa, política, social, pessoal). Queria tanto ter um cérebro capaz de entender e de explicar.
   No dia seguinte falamos muito sobre Incêndios. E na outra semana. Também no mês seguinte. É uma película apenas para quem tem estômago e ao mesmo tempo sensibilidade de ver beleza em escombros. Mas considero um filme fundamental. E como gosto de trilogias, segue mais uma dica de um que me tirou o sono. Se é para ficar acordada, que seja por algo que realmente me afete.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A Solidão dos Números Primos

  Passava da 1h30 e eu já estava deitada. Mas meus olhos se recusavam a fechar. Não gosto de ficar condenando meus pensamentos, tentar freá-los ou contê-los. Sou uma, mas estou sempre dividida. Nunca faço uma coisa de cada vez. Parece que existe um duplo, o tempo todo. 

   Tento ser prática, já que não consigo nem fechar os olhos como vou dormir? Vou fazer alguma coisa porque não adianta lutar contra a insônia ou amaldiçoá-la, ela vence e depois se vinga durante o dia inteiro. Vou fugir para dentro de um livro! Mas não deveria, já que o que preciso é escrever dois livros! Um até final de dezembro, outro com prazo curto, porém estendido. Vou escrever! Mas minha tendinite está latejando um pouco. Uma dor que me acompanha há tanto tempo, que quando diminui sinto até falta. O pescoço dói mais.
  Tento me iludir.  "Ah, vou ligar a TV, quem sabe uma comédia romântica inofensiva". Sei que nenhum filme me devolve ao sono. Dona insônia maldita venceu. Levanto, vou até a sala e vejo um filme já começado, italiano, que me prende na primeira cena.
    Duas adolescentes de 13, 14 anos falam de meninos. Uma delas, Alice, nunca beijou, a amiga lhe ensina a beijar e pergunta qual garoto ela gostaria de beijar. Alice diz que gosta do menino Mattia. Aquele que se esfaqueou na sala de aula.
   Mergulhei na história de Alice e Mattia, naquele tipo de roteiro que vai e volta, decifrando traumas, comungando com os desajustes dos personagens. Torço por aquele beijo que Alice tanto espera. Não sei nada sobre o filme, no que vai dar, nem a sinopse, só reconheço a atriz, que admirei no também italiano, A Bela Adormecida. 
    Penso que está acabando, mas acontece um salto no tempo e surge Alice, visivelmente atormentada e assustadoramente doente. Estremeço. Me abalo com a cena e a interpretação. Agora tenho necessidade de saber tudo sobre essa atriz que tanto me impressionou. Nem sei seu nome.
   Sigo sentindo uma mistura de náusea e angústia. Além da expectativa romântica em saber se Mattia, agora um físico genial que mora na Alemanha, irá salvá-la. Ela sabe que está se matando e pede socorro a quem esteve ao seu lado por toda vida, sem nunca tocá-la. Eu choro. Como pode tanta crueldade consigo mesma e ternura com o outro?
      Parece ser a cena final. Abraço, por favor, aconteça! Beijem-se, nem que seja por necessidade! De repente, o sinal some. Como assim não vou saber como essa história termina? O sinal volta. Nem letreiros mais estão passando. Como assim não vou saber nem o nome do filme?
     

      Passava das 3h e eu precisava saber algumas coisas antes de dormir. A pista era que Alice foi construída pela mesma atriz que incorporou Maria, de A Bela Adormecida. Descubro outros vários filmes da brilhante Alba Rohrwacher, que só em 2010, atuou em quatro. Começo a ler sobre todos eles, num site italiano. E lá estava A Solidão dos Números Primos (2010, dirigido por Saverio Costanzo), adaptação do romance La Solitudine Dei Numeri Primi, de Paolo Giordano. Pronto, agora tenho mais um livro para ler. Quero muito ler esse livro. Como eu não sabia de nada disso?
   Tento não pensar em toda a singularidade de Alice e Mattia, enquanto indivíduos. Mas em todas as similaridades, enquanto casal.
     Passa das 6h e agora só o que eu preciso é dormir. Fecho os olhos e durmo pensando no romance, no amor que não se basta. Logo tenho que acordar.

      Um pouco disso tudo http://youtu.be/uwdfCce8Yfk
     

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Ela Só Queria Abraçar Seu Filho


    Recebi o e-mail de uma mãe que perdeu a guarda do filho. Outra Dri. Como eu, como a Adriana Botelho. Li com dois dias de atraso e escrevi imediatamente. Essa Dri estava desesperada, disse estar trancada no quarto com uma faca, querendo se matar, que não suportava mais tanta humilhação e essa dor que a rasgava por dentro. Me escreveu porque leu esse blog e sabia que eu conhecia essa dor. Também sei que quando alguém quer se matar primeiro pede socorro. Sei que é uma forma de chamar a atenção para o seu sofrimento. E que existem algumas tentativas, antes de atingir esse objetivo, o suicídio. Tentei consolá-la e lhe dizer que não está sozinha, que não é a única a passar por isso e que todas as mães que perdem seus filhos para a Justiça, em algum momento, já pensaram em acabar com a própria vida.
    Não é fácil enfrentar a burocracia do judiciário, que nos trata como números. Não é fácil passar por esse processo de desumanização. Muitas vezes me pego repetindo chavões em “juridiquês” e tratando casos escabrosos com certa frieza. Mas quando aparece uma mãe dilacerada por ser brutalmente afastada do seu filho, volto a ser humana. Sinto a mesma dor e uma vontade enorme de abraçar e chorar junto. Sei o quanto é castrador ter a vida nas mãos de advogados, promotores e juízes. Muitos deles que nunca nos viram e tão pouco viram o rosto de nosso filhos. Pessoas tão entranhadas em papéis e números que acham normal o afastamento. “É assim mesmo que funciona a Justiça, tem muito processo para ler”. E quando o reencontro acontece, geralmente após anos, escutamos que “é normal esse estranhamento, com o tempo o vínculo volta”. Não, nada disso é normal e alguma coisa precisa ser feita urgentemente para mudar esse sistema torpe. Não suporto mais ver tantas vidas destruídas, tantas crianças órfãs de mães vivas.
    Essa Dri me respondeu pouco tempo depois. Foi um alívio imenso saber que não tinha se matado. Até o seu jeito de escrever mudou. Talvez por saber que alguém entende o que ela passa. Escrevi que não somos só nós. Falei de todas as mães que conheço, algumas que vivem por conta de antidepressivos, que também não viram seus filhos crescendo. Mais triste ainda foi saber que ela só tem esse filho de 11 anos e que não pode mais ter filhos. Me disse que tudo que queria era ter outro filho, como eu tenho. Isso me tocou tanto, que agora são 4h30 e não consigo dormir. Mas vou toda hora no quarto ver Miranda dormindo. Estou aqui prometendo a mim mesma ter mais paciência, ser mais tolerante e mais amorosa. O processo tem me tirado essas virtudes. Tudo bem que paciência nunca tive muita mesmo. Mas amor e tolerância nunca me faltaram, até me excederam.
    O pai do seu filho também pegou a guarda e levou para longe, para dificultar a visita, ganhar tempo no processo, afastar de todas as formas mãe e filho. E a Justiça, como sempre, ajuda os mais calculistas, com mais dinheiro e advogados de mau caráter. Sim, só pode ser um mau caráter o advogado que, para defender os interesses de seu cliente, não pensa no bem da criança. É cada coisa que essas pessoas fazem por dinheiro... talvez eu nunca entenda o interesse financeiro. Até no trabalho o meu maior interesse é o prazer no que estou fazendo, é a novidade. Mas o sistema judiciário já me fez pensar que a coisa mais importante do mundo é o dinheiro, não o amor. Ele, o dinheiro, é capaz de tudo, inclusive de tirar ou devolver a guarda de um filho. Alguém duvida que esses pais que tiraram os filhos das mães são mais abastados? Não. Porém tenho todas as dúvidas se eles sabem o que é amor.
   Talvez eu não tenha falado para essa Dri sobre nossa outra xará Dri Botelho. Em dezembro completará três anos que não vê a filha. O pai português a levou para Portugal. Pior de tudo é pensar que tenho sorte, já que minha filha está no mesmo Estado de São Paulo. São só seis horas de viagem. Em breve não será tempo nenhum, pois já desisti de trazê-la de volta. Já que ela não volta, eu vou. Poucos sabem como é duro deixar uma vida na praia e mudar para o interior, para um clima de deserto. Mas depois de quase quatro anos me dei por vencida. Nunca fui tão persistente. Sempre que algo me parecia muito difícil, tentava algo diferente. Mudava o rumo, partia para outra, desistia. Mas como desistir de um filho? Quantas vezes todas essas mães pensaram em desistir enquanto as lágrimas corriam pelo rosto?
    Dri, espero que você leia o que estou escrevendo e saiba que não podemos morrer em vão. Não tenho religião, não acredito na existência de deus, não acredito na Justiça (muito menos na do Brasil) e muitas vezes desacredito na humanidade. Me sinto uma excluída, que não tem direito à própria filha. Mas por algum motivo que ainda não entendi (e talvez nunca entenda) minha vida virou isso. Me transformei numa pessoa mais dura e menos sentimental. Esse sofrimento imposto não vai me tornar um ser humano melhor. Sinto o tempo todo que estou perdendo a vida. Sei que poderia ser muito mais produtiva. Poderia estar me cuidando mais, nadando, viajando para lugares novos, fazendo planos de férias, poderia namorar mais, me divertir mais. Mas nem consigo dormir direito. Nem planejar nada. Deixei o processo me guiar. Nunca mais serei como era. E tenho que amar quem sou agora. Mesmo não gostando do que vejo. Por algum motivo desconhecido nós temos que passar por isso. Pode ser para que nossos filhos saibam que lutamos por eles. Que eles não são os únicos que ficaram sem mãe por ordem judicial. Pode ser que juntas nós processemos o Estado, afinal ele colabora para que um processo de guarda, ou de simples regularização de visitas, que é o meu caso, se arraste por anos, até a infância acabar.
    Hoje seria o aniversário de uma grande amiga minha, que se foi tão nova, deixando quatro filhos lindos. Talvez por isso eu também não consiga dormir. Pela saudade e a falta que ela me faz. Só encontro minha amiga em sonhos. Ela não volta mais para os seus filhos. Mas nós estamos aqui. Nossos filhos ainda podem ter a esperança de abraçar novamente suas mães.

    Por algum motivo lembrei da Zuzu Angel. Nossos filhos estão vivos e poderemos abraçá-los de novo. Para quem tem saudade da ditadura, por favor, pensem em todas as mães que não puderam nem enterrar seus filhos.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A Espera de Miranda


   Quando sua irmã foi levada, faltava uma semana para Miranda completar 2 anos. Durante os primeiros 15 dias ela corria para o portão cada vez que ouvia uma buzina. Pensava que era a perua da escola trazendo a irmã para casa. Por alguns meses ficava olhando fotos das duas juntas, abraçava a foto e repetia, quase chorando: “Cadê minha Doinha?”. Nem eu sabia onde estava a irmã dela, mas dizia que estava viajando e logo voltaria. Passado mais de um ano, Miranda percebeu que a irmã não iria voltar. Uma das vezes que mais me doeu foi quando Lucas Chigres, um amiguinho de Paraty, que veio com a mãe Kátia, minha amiga, passar uns dias em Santos, perguntou sobre Dora. A resposta: “minha irmã morreu”.
    De certa forma, Miranda tinha razão. O que é a morte? É ter alguém e esse alguém desaparecer da sua vida, nunca mais ouvir a voz, sentir o cheiro ou ter qualquer notícia. Por mais de dois anos foi o que aconteceu na vida de Miranda. Ela tinha uma irmã e de repente, não tinha mais.
   O meu bebê fofo e meigo, que até hoje prefere bonecas bebês e não barbies, tornou-se combativa e agressiva. Talvez porque tenha passado a ser filha única ao mesmo tempo que o fantasma da irmã era sempre presente. Parei de contabilizar as vezes em que Miranda me acompanhou em Fóruns, delegacias para fazer Bos, viagens até Ribeirão Preto para ver a irmã que não davam certo.
    A primeira vez que encontram-se, no consultório do psquiatra infantil José Hércules Golfeto (avô de Dora), a cena foi estarrecedora. Miranda tremia e chorava, como se realmente tivesse visto um fantasma. As duas irmãs ficaram abraçadas no chão, chorando. Dora pensava que Miranda não lembrasse mais dela. Miranda pensava que Dora não existisse mais. Fiquei emocionada, chorei, mas também fiquei feliz, pois de alguma forma, o vínculo entre elas era forte e não fora rompido.
   Porém foi uma ilusão pensar que a partir daquele momento as coisas melhorariam. Foram mais 1 ano e nove meses para que um encontro decente acontecesse. Após a perícia da psicóloga forense, ficou claro que o vínculo havia sido quebrado. Não sou eu quem está dizendo, foi a própria psicóloga que escreveu isso, no laudo que está no processo.
    O primeiro encontro em liberdade ocorreu de forma inesperada. Eu estava em Ribeirão para resolver outras pendências. Com toda a morosidade do judiciário, após não conseguir ver Dora nem com ordem judicial (e mais uma vez Miranda aguardou em vão e seguiu comigo para uma delegacia), imaginei que os trâmites legais se arrastariam por mais alguns meses. E de repente estava andando na luz do Sol com Dora, sem psicóloga, sem paredes, sem policiais na porta. Mas Miranda não estava.
    Contei que vi sua irmã, que passeamos e que ela iria junto da próxima vez. Miranda contava os dias. Perguntava: “Vamos poder tomar sorvete? Vamos passear pelas ruas?”. Parece algo tão banal (e é), mas absolutamente novo no mundinho dela. Então eu disse que nossa amiga Adriana Abujanra e suas filhas, Sofia e Manu, iriam nos encontrar também. Elas viriam de São Carlos passar o Dia das Crianças com a gente. “Mas mãe, nós vamos encontrar a Dorinha!”. Expliquei que ficaríamos todas juntas, nós, a Dri e suas filhas, a Paola e suas filhas. Miranda dava pulos de alegria! A cada manhã acordava perguntando quantos dias faltavam para ver a irmã. Doía em mim o tanto de ansiedade desta criança.
     E quando novamente paramos em frente a casa da família Golfeto, seus lindos olhos negros brilhavam e seu sorriso de covinhas era ensolarado. Queria andar abraçada, de mãos dadas e quando entrou no shopping disse que não ia largar a Dorinha, “pra todo mundo ver que ela é minha irmã”.
   Mas agora, quando tudo parece que vai melhorar, me encontro em outro dilema. Miranda tem ciúme da irmã, afinal, ela nunca está e toma conta do meu tempo, mesmo nunca estando. Miranda era feliz em Santos e agora terá de mudar para Ribeirão Preto por conta da irmã. Ela tem uma mãe só pra ela, mas que não é só dela, porque tem essa irmã distante, que nunca está.
   E Dora não tem o amor que tinha porque o amor é construído na convivência, nos pequenos momentos, nos grandes, nas viagens, nas festinhas, no levar e trazer para ballet, natação, escola. E Miranda sofre e, apesar de ser brilhante e inteligente demais, não consegue entender o porquê destas coisas todas. E eu tento explicar da forma mais sincera. Falo da Justiça, falo de guarda, falo da outra parte, falo de advogados. Não há forma lúdica para falar sobre isso. E agora eu sofro porque nada é, nem será como antes. Sei que não podemos viver no passado, nem no futuro. Mas o presente não está bom, faz tempo que não está.
   O que escuto de advogada, psicopedagoga e profissionais dessa categoria de psicos (categoria essa que por motivos muito pessoais, tenho sempre os dois pés atrás) é que isso é natural. É natural que elas tenham perdido o vínculo. É natural que se estranhem depois de quase 4 anos. Natural? Não vejo nada de natural nisso. Não foi natural a separação brusca, tantos juízes no processo que não decidiam nada, os advogados da outra parte usando todas as brechas da Justiça para procrastinar ainda mais esse encontro. Não foi natural o promotor ler um monte de acusações sem provas e dar um veredito me proibindo de ver minha filha.
   Agora dizem que preciso procurar uma psicóloga para Miranda. Quem vai pagar isso? O promotor que foi assinando sentença sem me ouvir? O juiz que não leu minhas contra provas? Jonas Golfeto que, ardilosamente, fez essa separação durar 4 anos? Antes eu tinha duas filhas e sabia tudo sobre elas e nenhuma apresentava qualquer problema físico ou psíquico. Agora eu tenho uma filha que não sei nem os nomes dos médicos (alergologista, oftalmologista e psicanalista) que tratam de suas alergias a quase tudo e olhos constantemente inchados e vermelhos, e outra que é mais forte que um touro, mas precisa de terapia. Quem paga pelo trauma de Miranda? Quem é o responsável por toda essa espera e ansiedade?

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Nós e Eles

   Estava em Ribeirão Preto para resolver umas pendências de mudança ou não mudança para lá. Não esperava nada, sem expectativa nenhuma de processo. Então saiu um despacho do juiz, entendendo o esforço da outra parte em não deixar mãe e filha se encontrarem, achando que passava dos limites recorrer tanto, entrar com apelação e tudo que a Justiça, afinal, permite. Depois de ver que nem com ordem judicial eu pude ver minha filha, o juiz determinou, em um despacho relâmpago, que haverá multa de 1 mil reais cada vez que a outra parte não cumprir a determinação judicial. Infelizmente, há pessoas que só sentem dor no bolso ou na conta bancária. Essa multa já deveria ter sido estipulada há muito tempo. Mas antes tarde do que em 2020!
   Já estava com a passagem comprada para voltar na sexta, mas com todo o prazer e ansiedade do mundo fiquei na casa da Paola Miorim, a pessoa que indiquei para acompanhar as visitas, que agora devem acontecer, impreterivelmente, de 15 em 15 dias, sábado das 14h às 19h e domingo, das 10h às 16h. 
   No sábado acordei muito cedo, de tanta ansiedade. Comecei a arrumar a casa. Logo Paola chegou dos seus 30 km de corrida (está treinando para uma maratona), colocou o DVD de um show do Pink FLoyd num volume bem alto e faxinamos a casa. Enquanto organizávamos íamos lembrando nossa fase Pink Floyd, entre 13 e 15 anos. Falamos muito do Marcelo Miorim, o irmão mais velho da Paola e que, por muitos anos, foi também meu irmão mais velho e mais querido. Do caçula Rodrigo Miorim, que se foi tão precocemente dessa vida, tão lindo e tão amado. Algumas vezes me dava vontade de chorar. Pela música, pela saudade, pela emoção de estar ali na espera de ter liberdade. Nada poderia ser mais simbólico do que ouvir Pink Floyd.
   Fomos buscar minha filha, pontualmente, às 14h. O abraço não foi tão apertado como eu queria, o sorriso não foi tão largo quanto eu esperava. Nada mais será como antes. Não dá para comensurar o tamanho do buraco que ficou em nossas histórias. Não vou contar detalhes de como foram nossos dois encontros. Só posso dizer que nunca foi tão bom sentar num sofá e ver um filme de mãos dadas. Almoçar a comida deliciosa da Paola, numa mesa de família, uma família de verdade e harmoniosa. Nunca foi tão bom tomar um café expresso em um shopping, enquanto Dora e Giovana (a caçula da Paola) tomavam um milkshake. 

    Acho que a outra parte e sua família nunca imaginariam que eu teria uma tão grande amiga em Ribeirão Preto, capaz de passar seus finais de semana comigo e minhas filhas, com "muito orgulho e com muito amor" e que suas filhas ficariam amigas de Dora. E tenho certeza que Dora e Giovana terão a mesma irmandade que tenho com Paola.
   Nesse tempo tão breve, mas tão importante que passamos juntas, falamos de quando éramos adolescentes, de nossos treinos de 10 km nadando, de nossos paqueras, primeiros namorados, estudos e parte de algumas situações hilariantes que já vivemos. Nossas filhas riam de tudo. Lívia, a mais velha da Paola, sempre dando suas pitadas divertidas de ironia.
  Também acho que é muito emblemático a Paola me acompanhar nesses encontros. Depois de quase 4 anos acompanhando mais de perto do que qualquer um essa saga, não poderia existir pessoa melhor para tal missão (ela assinou um termo de responsabilidade no Fórum, é uma missão, um compromisso com a Lei). E não digo isso só por ser equilibrada, inteligente, divertida e linda (e ainda muito mais por dentro do que por fora, acreditem). Mas porque tem aquela sensibilidade que falta na maioria dos seres humanos, porque tem paciência e sabedoria. E tem perseverança e determinação.
    
    Sempre foi o avô quem levou e buscou minha filha no portão. Na "entrega" me estendeu a mão e disse: "Não precisa ter tanto ódio, Adriana". Apertei sua mão, que estava meio trêmula, e respondi: "No meu coraçãozinho não há espaço para ódio e rancor". Imediatamente lembrei de uma das músicas que ouvi pela manhã, Us and Them. No final somos todos iguais e continuamos com os mesmos desafios e desavenças desde que o mundo é mundo. Mas é sempre "nós e eles". É muito difícil combater a injustiça. E nossas vidas muitas vezes está nas mãos de quem não nos conhece. E vejo tantas brigas por guarda de filho em todas as partes. Depois a criança cresce e vai embora. E o que fica são buracos, vazios e uma sensação de vida perdida.

    Pensei muito em todas as mães* e filhos que passam ou passaram por isso, todas que conheci nesses anos duros. Em especial na Natália Nogueira, que me preparou para esse estágio do estranhamento inicial. E porque ela ama Pink Floyd tanto ou mais do que eu e Paola. E a sensação de liberdade, mesmo momentânea, que senti, talvez possa ser traduzida nesse vídeo e nessa música. A vida é muito curta para ser perdida em processos, fóruns e cartórios.

* Não consigo pensar nos pais que disputam guarda porque os que fazem isso é por vingança. E sempre, sempre mesmo, as crianças ficam aos cuidados de terceiros (avós, tias, madrastas, babás). Pai que tem guarda é porque a mãe morreu, ficou doente demais ou presa. E esses pais torcem para que as mães melhorem e retomem a guarda. Ou procuram uma mulher bacana para ajudar com os filhos.
    Mas penso em pais que lutam pelo direito de ter finais de semana com seus filhos. Porque também existem muitas mulheres vingativas, que usam os filhos para machucar seus ex... não é uma questão sexista, é uma questão humanitária. E há humanos de todos os tipos, até os sem nenhuma humanidade.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Carta Aberta ao Jornalista Caco Barcellos e Equipe

    No dia 1 de junho de 2011 escrevi um texto chamado Profissão Repórter: Novela ou Jornalismo, logo após a veiculação da matéria que expunha minha filha durante sua busca e apreensão na escola, na cidade de Santos. A tal matéria foi feita de forma muito esquisita. A repórter Eliane Scardovelli fazia a minha parte e Gabriela Liam do pai, Jonas Golfeto. Fique claro que a equipe foi chamada pelo próprio pai, que não hesitou em gravar o momento traumático na vida da filha. E a equipe assim o fez, seguindo um roteiro, como se fosse novela ou cinema.
   O que eu pergunto ao jornalista Caco Barcellos é qual a motivação para tal matéria? Nela não mostrou a entrevista com minha amiga Claudia (falecida há 1 ano e 8 meses), nem a entrevista com a filha dela, Raquel, que era a melhor amiga da minha filha e sofreu muito com a separação. No mesmo programa mostraram um pai boliviano, que fugiu com a filha brasileira para a Bolívia. Mostraram vizinhos e familiares dizendo o quanto era ótimo pai e amoroso. A mãe? Foi tirada até de garota de programa. Gabriela Liam agora está na equipe de Encontros, com Fátima Bernardes. Ora, adoraria ser chamada para esse programa com minha filha. Gabriela Liam, jornalista imparcial, deveria propor tal pauta: Encontro entre mães e filhos separados pela Justiça.
   Mas o que quero dizer para Caco Barcellos é que sua irresponsabilidade em editar de forma torpe tal matéria causou imensos danos morais, financeiros e físicos em mim e, muito provavelmente, na mãe que teve sua filha levada para a Bolívia. Quero que saiba que esse programa fez com que muitas pessoas que admiravam seu trabalho, passassem a desprezá-lo. Soube por amigos que trabalham na Rede Globo que esse programa fez muita gente olhar torto para seu trabalho. Colegas da emissora, inclusive.
   Gostaria de pedir que faça um jornalismo verdadeiro e mostre como está tudo agora, 3 anos e 7 meses após a busca e apreensão da minha filha. Nesse tempo só pude vê-la em dezembro de 2012, no consultório do avô psiquiatra infantil José Hércules Golfeto, com advogadas e segurança na porta. E com Jonas Golfeto do lado de fora. Isso porque foi um acordo. A única audiência deste processo aconteceu no dia 2 de agosto de 2011 e todas as propostas aceitas por mim, não foram cumpridas por Jonas Golfeto, o mesmo que vocês seguiram até Ribeirão Preto, para onde levaram e mantém até hoje minha filha. Depois o pai mudou de ideia e não pude ver mais, só 4 meses depois, dentro de uma sala de fórum, por 2 horas e meia, com psicóloga monitorando.
    Com muitos agravos, recursos e apelações depois, consegui uma sentença para vê-la, há dois finais de semana. Mas o advogado de Jonas Golfeto, Danilo Murari Finestres, o orientou (e também aos avós, donos da casa onde minha filha mora e mentores mentais e financeiros disso tudo) a não estar na casa no horário combinado. Fui lá e a casa estava vazia. Nem pude chamar a polícia para efetuar a ordem judicial. Não vejo minha filha desde dezembro!
    Seria imensamente produtivo e esclarecedor que o jornalista Caco Barcellos e sua equipe retomassem essa história e mostrassem como age por vingança a outra parte, como os entraves judiciais mantém uma filha órfã de mãe viva por quase 4 anos. Isso seria de grande utilidade pública, ao contrário do que vocês exibiram em 2011.
    Assim como no caso da Escola Base, muitas vidas estão sendo destruídas pela afobação, falta de sensibilidade e falta de apuração jornalística. Ainda lembro de Eliane Scardovelli dizendo que eu estava desesperada por não saber da minha filha e você, Caco Barcelllos, disse um não cuspindo de ódio. Não sei de onde vem esse seu ódio por mulheres (a outra mãe foi tratada como garota de programa enquanto o pai fugitivo era só um pobre desesperado em ficar longe da filha). Talvez, uma suposição de quem vive esse tormento há anos, você tenha sido afastado de algum filho e pensa que todas as mulheres são iguais. Talvez tenha um ódio crônico das mães. Não sei o que o motivou fazer um programa que só mostrou briga e minha filha chorando. Talvez fosse interessante mostrar como funciona a Vara de Família e todos os casos de mães e filhos afastados por burocracia. O mal intencionado sempre leva vantagem no judiciário. 
     Que tal procurar a mãe de Santa Catarina e saber se tem notícias de sua filha? Que tal procurar Jonas Golfeto e seus pais e perguntar o que eles pretendem com tudo isso? 
      Sei que nunca terei respostas de um jornalista que se considera referência e que não deve explicação a alguém como eu. Afinal, Caco Barcellos, quando um amigo em comum, perguntou em um jantar na sua casa, sobre o programa (não disse que me conhecia, apenas queria saber mais sobre o que você pensava) e sobre mim, sua resposta cruel foi: É uma drogada que perdeu a guarda da filha! Depois disso até essa pessoa perdeu qualquer admiração por você (nunca direi o nome porque o bom jornalista jamais revela suas fontes). Primeiro, sr Caco Barcellos, nunca fui drogada, o mais perto que cheguei de drogas, foi assistir ao seu programa. Segundo, sr Caco Barcellos, toda a criança tem direito a ter pai e mãe, mesmo que sejam drogados ou presidiários. 
     Enfim, ficam aqui minhas singelas sugestões de pauta. Para Gabriela em Encontros e para sua equipe fazer a coisa certa, ao menos desta vez.
     
    

sábado, 13 de setembro de 2014

"Sabe que isso não vai dar em nada"

    Hoje era dia de visita. Minha advogada conversou ontem longamente com o advogado da outra parte, Danilo Murari Finestres. Mesmo já tendo recorrido, entrado com agravo e apelação, provavelmente tendo lido de trás para frente e de frente para trás a sentença, disse que entendeu outra coisa. Que essa visitas deveriam ser monitoradas por psicóloga e só ocorreriam no ano que vem. Enfim, o advogado ajuda o cliente em seus interesses, como deve ser, já que é pago para isso. 
   Minha advogada disse para eu nem ir porque ou não estariam ou não deixariam, teria de chamar polícia e tudo isso. Ela é do tipo que pensa na criança, não na cliente. Sei o quanto minha filha ficaria irada ou envergonhada ou sei lá porque não sei mais nada dela.
   O advogado da outra parte só pensa no vil metal. Tanto que até desistiu de me cobrar judicialmente a dívida que só aumenta e sua maior preocupação no papo com minha advogada foi sobre negociar o que devo para ele. O cara está sendo "legal", disse que nem quer cobrar juros, só os 15 mil, porque eu tinha dividido em 16 parcelas de mil, paguei a primeira, lá nos idos de 2011, quando pensei que minha filha estaria em São Paulo com o pai (afinal Jonas Golfeto morava desde 1994 em São Paulo e sempre odiou Ribeirão Preto, costumava dizer que era uma província com mania de megalópole). Mas mandei um email para ele, me desculpando, porque os outros 15 mil seria o que eu gastaria viajando toda hora para Ribeirão Preto. A verdade é que ninguém vai preso por dívida nesse País, muitas vezes nem por crimes hediondos.
     Enfim, eu, Paola, que havia acordado 5h para fazer seu treino e correu "só" 20km (o total era 30km, mas o calor aqui está muito insuportável), descansou um pouco, tomou um banho e nem almoçou para poder estar comigo lá, às 14h. E lá estávamos nós e Miranda na frente da casa dos avós, José Hércules Golfeto (o tal psiquiatra infantil de metodologia duvidosa) e Ed Melo Golfeto (psicóloga, finalmente aposentada). Não havia sinal de vida, nem carro na garagem. Suponho que Danilo Murari Finestres tenha orientado a família a sair de casa antes do almoço e só voltar à noite.
     Fomos na delegacia fazer um Boletim de Ocorrência. O escrivão disse: "Você veio até aqui para ver sua filha e sumiram?". Sim e coloquei lá que o cara é ator, nome dos avós, data de nascimento do genitor e endereço. Mostrei a ordem judicial. Perguntei se isso é motivo de ordem de prisão. Ele me olhou sorrindo: "sim, mas sabe que isso não vai dar em nada, nesse País você pode matar e se não for pego em flagrante e se entregar em três dias, responde em liberdade". Sim, senhor escrivão, eu sei bem como NÃO funciona o sistema judicial brasileiro.
     O que faço agora? Levo esse BO para encher ainda mais os 10 volumes de processo. Não vai dar em nada. Amanhã eles vão sair de casa antes das 9h e voltar depois das 19h. Agora vai ser assim, a cada 15 dias desaparecem. Como vive com tamanha infelicidade essa família? 
     Tem uma tia avó, a única irmã do avô que é evangélica, ela diz que quando eu aceitar Jesus no meu coração tudo vai mudar. Olha, tia, quem tem que aceitar Jesus é essa família Golfeto. Temo muito que minha filha fique igual a eles. O DNA ela já tem, a convivência também...
      E assim continua a saga sem fim. Sem fim? Acho que já deu pra mim.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Alienação Parental Concluída

   Então eu decido mudar de cidade, mudar a vida e mudar tudo, só porque saiu uma sentença em junho, de que eu poderia pegar minha filha Dora em finais de semanas alternados, sábados das 14h às 19h e domingos das 10h às 16h. Se tudo der certo, se eu não surtar ou coisa parecida, a partir do próximo ano posso então passsar a noite com minha filha. A outra parte, Jonas Golfeto, claro, achou isso uma ofensa. Então seus advogados Danilo Murari e sua mãe Ana Maria Murari, recorreram dessa sentença. O juiz respondeu antes do que eu pudesse imaginar. Daí os ávidos advogados, especialistas em separar mãe e filha, recorreram. O juiz respondeu a meu favor. Mas eles entraram com agravo. Depois apelação. Mesmo assim não houve jeito.
    O juiz, talvez começando a entender que alienação parental existe e que está sendo executada por essa família de advogados e seu cliente, determinou que as visitas fossem feitas, com pessoa indicada por mim, já que a outra parte exige uma psicóloga e não indicou ninguém no tempo determinado. Então, eu aqui em Ribeirão Preto, estive ontem no Fórum com minha amiga Paola Miorim, indicada por mim. Ela assinou o termo de responsabilidade e será a pessoa que acompanhará as tais visitas. A sentença é clara: se o autor (Jonas Golfeto) não indicar alguém no prazo de 15 dias, a pessoa que eu indicar estará valendo. Mais de 70 dias depois, vou ao Fórum com Paola, para assinar o termo de responsabilidade. Ela irá comigo buscar e entregar Dora (assim mesmo que a Justiça trata, como se fosse um objeto).
    Então Giovana, filha de Paola, amiga virtual de Dora (já que o pai não deixa elas se encontrarem porque essa menina adorável de 12 anos é filha de minha amiga, portanto perigosa), manda uma mensagem feliz, pois as duas iriam se encontrar nesse final de semana. Mas Dora reluta, diz que não será possível porque o pai não está sabendo de nada, que não é assim e que ela tem outros planos para o final de semana. Há quase um ano sem ver a mãe, a mãe nem importa tanto. Sei como é, não fazemos mais parte uma da vida da outra. Nem faz falta, nem tanta diferença...
    Não quero colocar crianças nas brigas dos adultos. Não quero falar de termos judiciais com minha filha que não vejo desde dezembro. Mas é a única forma de explicar o que está acontecendo. Minha vontade é mandar a sentença pra minha filha. Mas teria de traduzir o juridiquês, isso só seria possível pessoalmente. E esse encontro parece nunca acontecer.
      Minha advogada, Lucélia Nunes, fala por telefone com Danilo Murari. Ele quer saber quem é Paola, diz que não posso encontrar nesse final de semana (nem com ordem judicial), que talvez no próximo, e exige que Paola busque minha filha e que fiquemos na casa dela, mais que isso, diz que Jonas é quem irá buscar e levar e que nós iremos ficar na casa, sem sair. Caramba! Mas o juiz deixa claro que eu vou para onde eu quiser, só tenho que respeitar os horários, nada mais. Como assim vou obrigar minha amiga a passar os finais de semana com suas filhas, presa em casa?
    Então o "doutor" (só considero doutor quem tem doutorado) Danilo Murari diz que separou-se e agora tem uma namorada que leu meu blog e o questionou sobre esse seu esforço em separar mãe e filha. Que pena que ao dar "um google" em seu nome é no meu blog que vai parar.  Que pena que sua única explicação seja "tenho que defender o interesse do meu cliente, mesmo que isso seja separar por 4 anos mãe e filha e irmãs". Que bom que essa namorada leu meu blog. Tomara que ela pense 1.574 vezes antes de ter um filho com esse homem. Se ele faz isso, não será diferente com seus próprios filhos. Tomara que essa gente não procrie. Ghega de Muraris no mundo!
    Ah, sim, ainda devo 15 mil reais para esse "doutor". É o fim ter de pagar para quem só me ferra, para quem acaba com minha vida e saúde. Tenho muitas dívidas a serem pagas na frente.  Pega uma senha e espera "doutor". Até perguntei para minha advogada se no caso da minha morte a dívida fica para outra parte. Não, a dívida morre comigo. Então, doutor Danilo Murari, torça para que eu tenha uma vida longa e próspera, e pare de ajudar seu cliente na alienação parental, quem sabe assim eu consiga viver e trabalhar em paz e ter 15 mil para te pagar. E que todas as suas atuais e próximas namoradas leiam esse blog e questionem seu caráter. E que nenhuma mulher em sã consciência tenha um filho seu. Ela perderia a guarda do filho no caso de separação, certamente.
    Amanhã é meu dia de visita. Mas sei que não vão deixar. Estarei lá com minha amiga Paola Miorim, que já passou por tantas nessa vida, que nem se importará se tiver que ligar 190 para realizar a visita. Não tive irmãos, mas a vida me presenteou com amigos que são mais que irmãos. Daria a vida por eles porque eles dão a cara, o nome, o tempo,  o currículo por mim.  

   Aluguei um apartamento em Ribeirão Preto, mas se essa visita não acontecer nesse final de semana eu desisto de tudo. Posso escrever de qualquer lugar e vou ser feliz em Paraty, um lugar que é pura inspiração literária.
  Não queria desistir da minha filha, mas gente como Jonas Golfeto, Danilo Murari e sua mãe Ana Maria Murari, tão nefastos e aplicados em separar mãe e filha e irmãs, me fazem desacreditar da humanidade. Uma pessoa nefasta é capaz de fazer um estrago que nem mil pessoas boas conseguem consertar. Cansei de sofrer, de tentar e não conseguir. Tem muita criança órfã louca para ter uma mãe como eu. E meu amor é tão grande que não precisa ser filha biológica. Minha filha vive bem sem mim. Não fazemos mais parte uma da vida da outra. Parabéns advogados do mal, vocês são excelentes, a alienação parental foi concluída.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Os irmãos Leplus

   Um amigo meu, Paulo Ornelas, me chamou para o projeto de um livro: a biografia de Alain Leplus, um francês, ex-jogador de rugby, grande divulgador do esporte no Centro-Oeste e conhecido por várias gerações de rugbiers. O problema era que eu nada sabia sobre esse esporte. Paulo é ex-jogador, tem a revista Rugbier e seus dois filhos também jogam. Teria quem me ensinasse. Assim aceitei mesmo sem saber as regras do jogo, porque gosto de biografias e de atletas. Como disse meu grande amigo e quase irmão Angel, estou me tornando uma biógrafa de atletas.
    Então fui para Cuiabá no final de maio conhecer Alain. Mas antes fico sabendo que outra jornalista escreverá comigo, por sugestão do próprio biografado, já que está na mesma cidade e tem muita amizade com os irmãos Leplus. Alain mora com o irmão Michel, fotógrafo e apaixonado por rugby. Não conhecia a jornalista Flavia Salem e mesmo que tivesse idealizado uma parceira perfeita, não teria tanto sucesso. Quando bati os olhos em Flavia, em sua sala, no jornal Circuito Matogrossense, a empatia foi imediata. Nos identificamos em praticamente todas as coisas, no envolvimento cultural, preocupação social, adrenalina jornalística, nas músicas, nas escritas.
   Para começar a entender um pouco de rugby fiz um intensivo assistindo a final da Liga Europeia na casa dos irmãos Leplus e com Paulo. Sem vergonha de ser uma leiga no assunto perguntava tudo e mais um pouco. Por sorte estava no time francês o ícone Sebastien Shabal. Daí comecei a entender o espírito do jogo. Impossível não comparar ao futebol, que me envolveu por um ano e meio, no projeto da biografia de Djalma Santos. No futebol cavam-se faltas. No rugby os caras jogam sangrando e fazem seus próprios curativos. No começo achei confuso, depois comecei a torcer. Sou torcedora, não consigo apenas assistir.
   Após esse jogo na TV fiquei entrevistando Alain e me apaixonando por sua personalidade meio porra-loca, divertido, que destila ironia e simpatia. Me deixou super a vontade para perguntar qualquer coisa. Depois fui assistir um jogo entre Cuiabá e Campo Grande. Após o jogo houve o famoso terceiro tempo, uma festa entre os times. Entre titulares e reservas, mais de 50 jogadores na casa dos irmãos Arruda (quatro irmãos enormes que jogam no mesmo time). Perguntei para a mãe deles se era sempre assim. "Hoje são só dois times, imagina quando são quatro". Nossa, como é bom esse clima de confraternização entre atletas. Havia algumas jogadoras também, mas o feminino ainda está começando por lá. O treino é forte, exige muito. O patrocínio é pouco, como para a maioria dos atletas brasileiros.
   Os irmãos Leplus foram uma viagem até a França sem sair do Brasil. Seu modo de encarar a vida, a visão política, seus vinhos, seus sucos de uva (produzem o suco Melina, uma delícia, diga-se de passagem) me fizeram ter mais vontade de conhecer a França. Conversar com os dois também foi um exercício e tanto, tamanha discrepância das personalidades. Alain é o relaxado (no bom sentido), sorridente, tirador de sarro e Michel é sério, meio emburrado, pontualíssimo e parece estar sempre apressado. Ambos são muito inteligentes, simples e hospitaleiros. 
    Claro que ao falar da infância emocionaram-se e quase me tiraram lágrimas. Tento muito ser profissional o tempo todo, mas em biografia chega a ser impossível, não há como não me envolver nas histórias, se assim fosse, talvez o trabalho não ficasse bom. Sou uma contadora de histórias e quando a história é boa, quero deixá-la ainda melhor.

   

Os presentes de Cuiabá

    
     Alguns capítulos prontos e voltei para Cuiabá semana passada. Na primeira noite fui ao bistrot Casa do Parque, da Flavia. Um lugar lindo, elegante e direcionado para eventos culturais: exposições, shows, lançamentos de CDs, livros. Era um jantar fechado para jornalistas e Lucinha Araújo, a mesma que me fez chorar lendo as Mães São Felizes. Mas conhecer Lucinha não foi a grande surpresa da noite, pois quando Flavia me convidou, já sabia que a conheceria. Lá também estava o agitador cultural e visagista Celinho, como se fosse um amigo de infância que reencontrei por acaso. Acho que temos muitos irmãos espalhados pelo mundo esperando o reencontro.
   Livro elaborado, fotos escolhidas, novas fotos feitas, entrevistas complementadas, passamos a falar de um novo projeto. Por algum motivo místico e óbvio, sabia que nossa dupla não ficaria "apenas" em um livro.
       No almoço do dia seguinte fomos ao restaurante de um amigo de Flavia, no final, fui apresentada como jornalista de São Paulo e escritora. Então Renato de Paiva Pereira, o proprietário, me deu um livro seu, o primeiro de ficção. Adorei o presente, disse que leria no aeroporto e no avião. O Diabo Vai ao Céu me fez rir alto, são crônicas curtas, cheias de deboche sobre a sociedade moderna, histórias hilárias de um caipira. Quero muito que Renato saiba o quanto gostei de seus escritos. Em um dos textos ele se dirige ao leitor, como "meu único leitor ou leitora". Achei isso genial. Alguém com uma narrativa tão envolvente quanto simples, assim tão desprovido de qualquer vaidade intelectual. Alguém que se diz um caipira da terceira idade, mas que tem um texto absolutamente contemporâneo.
    
    E agora fico assistindo videos de rugby, escolho fotos de Alain nas várias fases da vida, penso em aprender francês. Tento selecionar com Flavia as melhores de tantas histórias de vida, já que o livro não passará muito de 200 páginas de texto, com muitas fotos. Mania que eu tenho de escrever tanto. Se eu perguntasse menos não teria a dor de excluir texto que considero bom e relevante. Queria contar todas as histórias de todas as pessoas que conheço. Mas ainda tenho a sorte (não sei se a palavra é essa) de encontrar figuras tão inusitadas como os irmãos Leplus, com uma vida tão rica.
    Antes e depois de Cuiabá estive em Brasília. Fui com Miranda para o aniversário de Rudá, filho de seus padrinhos Angel e Gab. Mas essa é outra linda e grande história.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Embargos Declaratórios

   Tento, tento muito não escrever mais sobre o processo, mas daí é tanto email, tanta mãe pedindo auxílio que me sinto no dever de elucidar mistérios do judiciário brasileiro. Queria escrever mais sobre todas as coisas porque fico um tempo sem entrar aqui e vejo que tenho mais e mais gente de todos os cantos lendo o que escrevo (certo ou não, concordando ou não). A vida tem me dado muitas surpresas boas e deveria escrever todos os dias sobre isso. Mais do que vaidade intelectual, escrever é um ato meio desesperado, quando não aguento mais guardar comigo tanta informação e sentimento, preciso mesmo escrever.
   Minha advogada, que parece minha irmã mais velha porque briga comigo, me conforta, me ajuda, briga de novo, não quer que eu escreva sobre o processo e sei que está certa, diz que não ganho nada com isso e sei que pode estar certa. Já perdi tanto e não quero que outros também percam. No que puder evitar que ex casais acabem com a infância de seus filhos, evitarei. 
   Na sentença de 32 laudas o juiz me vê como uma pessoa vingativa e a outra parte como traumatizada, o juiz entende o trauma da outra parte, mas não concorda que duas vítimas continuem sofrendo. As vítimas são as irmãs separadas, Dora e Miranda. Isso me confortou muito. O juiz sabe que Miranda existe e é a que menos culpa tem em tudo isso e talvez seja quem mais sofre. O amor que ela tem pela irmã chega a me doer. O que uma perde da outra dói demais em mim. E acreditem, mesmo com a sentença publicada em 26 de junho, ainda não vi minha filha. É que os advogados da outra parte entraram com um recurso chamado Embargos Declaratórios. Traduzindo o "juridiquês", pedem para o juiz explicar melhor, pois não entenderam o sistema de visitas e ainda o chamam de omisso. Ninguém gosta de ser chamado de omisso, muito menos alguém com plenos poderes sobre a vida dos outros.
   Não sei quanto tempo isso ainda vai durar, mas sinto que será pouco tempo. Sinto estar cada vez mais próxima da minha filha, apesar de todo o tempo e distância. Talvez esse meu jeito meio adolescente de ser me aproxime mais dela. Talvez a música, a literatura, nossas bandas preferidas, os amigos em comum. 

    Daí eu tinha escrito isso aí em cima e o juiz, que poderia demorar, no mínimo, 2 meses para responder aos Embargos Declaratórios, respondeu em menos de um. Talvez agora esteja percebendo que "o vingador" está do outro e o trauma também é meu. Mesmo assim a outra parte agora entrou com agravo de liminar, no Ministério Público.
    Sei lá, deve ser muito triste viver uma vida procurando brechas da Justiça, achando que está ganhando quando todos estão perdendo. Deve ser muito vazia e sem amor a vida de pessoas que agem assim. Nem sinto mais raiva, chego a sentir pena. E nem sinto pena das minhas filhas porque continuam sãs, inteligentes e lindas. Tenho pena da pequenez humana, da falta de respeito com a efemeridade da vida. Prometo que escreverei mais vezes e vou buscar inspiração no que há de bom e construtivo. Mas continuo desejando que haja uma reforma judiciária com a máxima urgência nesse País. Continuo desejando um mundo melhor e sem guerra, mesmo sabendo que não sou capaz nem de resolver um conflito pessoal. A guerra dos outros sempre parece menos bélica que a nossa. Nunca é.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

A Sentença

    Nem esperava mais ver minha filha neste ano. Não por faltar esperança, mas por estar dentro da roda viva (ou morta) do sistema judiciário brasileiro. Explico: meu processo estava no gabinete do juiz desde 24 de abril para ser julgado, mas havia outros desde janeiro lá, que não foram "apreciados". Junte-se a isso ano de Copa do Mundo. Para quem não sabe em dia de jogo do Brasil os fóruns de todo o País só funcionaram até meio-dia. E juiz só trabalha a partir das 13h. Logo, por seis dias nenhum juiz do Brasil participou de audiências ou julgou qualquer coisa. Não, nenhum deles precisa repor esses dias. Depois tem eleição em outubro e novembro. As coisas também empacam mais ainda no Judiciário.
    Então preparei minha filha de que não nos veríamos neste ano. Ela ainda pediu para eu pedir visita de novo na sala do Fórum de Ribeirão Preto. Mas expliquei que, para isso, seria necessário tirar o processo do gabinete do juiz e depois voltava para o fim da fila. Então minha filha me escreveu:" daí demora mais, né? Sim, filha, daí nem em 2015". E parei de falar de processo porque ela não quer saber disso. Ninguém mais quer. Ninguém mais aguenta. 
    Daí dei sequência em um projeto em que passaria até o final do ano (ou até quando o juiz resolvesse dar uma sentença) no Assentamento Terra Vista, em Arataca- BA. Seria uma experiência incrível para mim e para Miranda morar em um assentamento do MST (Movimento Sem Terra)! E lá também iria escrevendo um outro projeto de livro, o qual detalharei em outro post.
     Mas eis que no dia 26 de junho, em plena Copa do Mundo, contrariando toda a falta de expectativas, tudo mudou. Saiu uma sentença! Nela o juiz decide que poderei ver minha filha em Ribeirão Preto de 15 em 15 dias. Aos sábados das 14h às 19h e aos domingos das 10h às 16h. Sempre assistidas por alguém que a outra parte indique. Sentenciou também que terei de fazer terapia (a louca) com psicólogo e apresentar relatório no final do ano. Se tudo correr bem, a partir de 2015 poderei pegar Dora aos sábados 14h e devolver domingo, 16h.
     Dessa forma estaremos sempre, invariavelmente, na casa da minha amada amiga Paola. Não sei se o juiz sabe que tenho essa amiga de infância lá, se pensa que fico em hotel ou espera que eu mude para Ribeirão Preto. Esperei longos 3 anos e 4 meses para ter essa sentença... me sinto muito derrotada em nunca mais poder trazer Dora para Santos, para ver os amigos... mas é melhor do que uma sala no fórum por 2h30, só na segunda-feira, com psicóloga monitorando.
      Fiquei sem saber o que fazer após essa sentença, essa é a verdade. Perguntei para Dora se soube sobre as visitas. Disse que sim, mas não quis prosseguir, imagino que não saiba muito ou que não tenha achado tão bom assim também. Enfim, aproveitei que já estava preparada para ir para a Bahia e fui para lá com Miranda e o que aconteceu em Arataca (onde fica o Terra Vista) e depois em Brasília, onde passei 4 dias, é assunto aí para mais uns dois posts.

     Como o juiz deu 15 dias para a outra parte dar o nome da pessoa indicada e já passou mais do que isso e nada foi colocado, imaginei que minha indicação, a amiga Paola Miorim, estaria valendo. Já que estava em Brasília, pensei em pegar um vôo de lá para Ribeirão Preto que é mais perto, imaginando que no próximo final de semana eu teria um passeio mais decente com Dora. Sei lá, um parque, ar livre, sol, almoço na casa de Paola, preparado por nós todas: eu, Paola, suas filhas Lívia e Giovana, eu, Miranda, Dora e a pessoa que seu pai indicasse, que com certeza acabaria simpatizando comigo e com minhas amigas. Mas nada de respostas, nem de minha advogada, que ficou doente.
     Resolvi perguntar direto para a fonte. Estava no facebook (meu contato mais frequente com minha filha) e lhe pedi para perguntar para seu pai se teria visita. Rapidamente me respondeu "meu pai disse que não vai ter visita nesse final de semana". Bom, ao mesmo tempo que a resposta definiu meu roteiro de viagem, me deixou numa angústia irritante. A impressão é que o processo é todo dominado pela outra parte. Ele meio que manda em tudo no processo. Deve pagar muito bem a advogada... já eu tenho até pena da minha, que fica até doente e não recebe nada de mim, só uma gratidão tosca. Acabo ficando tão estressada com tudo e quase todos e, como ela é a única pessoa que pode me ajudar, acho que atrapalho cobrando respostas.
     Mas enfim voltei e nada de data da visita, mesmo com sentença. E não sei se mudo para Ribeirão Preto logo de uma vez. E me sinto perdida. Daí fiquei ouvindo muitas músicas e parei nessa http://youtu.be/RQ-6BXsaDD0. Mas não posso me sentir como uma música dos Smiths. 
     Então pensei nos dias lindos que passei em lugares distantes da Bahia. Depois na ensolarada Brasília, com muita gente alternativa e linda e pensei que a vida é muito mais que um processo. Me resta esperar. Vou continuar esperando da forma mais suave possível.. E essa música linda de amor é para minha filha Dora, que amo tanto e que nem toda a distância, tempo, burocracia e gente escrota do mundo será capaz de diminuir ou estancar esse sentimento. Nada melhor do que um ataque de fofura com Fernanda Takai e Samuel Rosa para curar essa dor http://youtu.be/OprMsRlHFBE .

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Mis Hermanos Argentinos

    Meu primeiro contato com argentinos foi aos 16 anos, quando fui para uma competição no Clube San Fernando. Não sabia falar nada de espanhol e fiquei uma semana na casa de atletas. Eram 3 nadadores: Pablo, 16 anos, Florência, 14, Natália, 10. Fui tratada como filha e irmã. Os pais me disseram que poderia abrir a geladeira quando quisesse e comi uma caixa inteira de alfajor (não conhecia essa delícia), depois me deram duas caixas para levar para o Brasil, uma para mim e outra para meus pais. Chorei na despedida de tanta saudade antecipada. Alguns meses depois recebi Florência em casa e também Gabriela, que era recordista sul-americana de 800m nado livre (um luxo e uma das minhas provas preferidas na época) e nada tinha de arrogante por isso, ao contrário, era muito divertida e incentivava outros nadadores sempre.
   Algum tempo depois minha prima e grande amiga Keila, uma "parabólica" de argentinos, namorou Max. Depois conheceu um argentino guitarrista gato e eu acabei namorando Diego, o baterista da banda, que era lindo, inteligente e apaixonado, tinha 21 anos e eu 23. Quando levei Diego para passar um final de semana em Paúba (litoral norte de SP), com amigos brasileiros, alguns falaram: "Pô, namorar argentino?". Depois de algumas horas, Diego já era amigo de todo mundo, muito divertido e cheio de charme. Um tempo depois Keila conheceu Guadalupe Bárcena e Ximena Spina, que se tornaram minhas grandes amigas.
      A primeira vez que fui para Búzios (RJ) fiquei na casa de Marcela Ferioli e ela nem estava em casa.  Fiquei lá com o pessoal da banda Nova Semente, e as filhas de Marcela que estavam com o pai e a boadrasta argentina Gabriela Klet (pessoa linda, de quem me tornei muito amiga). Dois anos depois morei em Paraty e Marcela, seu companheiro Sebastina e suas filhas Raiz e Alice mudaram para lá. Nos tornamos as melhores amigas. Seu caçula Leon foi gerado na mesma semana que Miranda e eles tem cinco dias de diferença! Com Marcela voltei a fazer yoga e fizemos vários programas de grávida juntas.

   Tudo isso para dizer que há quase três décadas convivo com hermanos, conheço sua cultura, seus talentos, suas características, seus defeitos. Admiro como são politizados, independentemente da classe social, como gostam de literatura e música. Assisti todos os jogos da Argentina na Copa do Mundo e vi uma equipe que ia se acertando e melhorando a cada jogo. Não escrevi durante a Copa porque não me envolvi muito, admito que torci para o Chile vencer o Brasil nos penaltys, e que assisti ao jogo com camiseta do Brasil e agasalho do Chile (um pedaço do meu coração mora lá). Sabia que se passasse do Chile e Colômbia, os "canarinhos" tomariam uma lavada da Alemanha. Tudo bem que a minha lavada era de 3x0, mesmo tão realista não esperava a goleada histórica. Mas no final os 7x1 foi pouco. Foi evidente que os alemães se controlaram para não fazer mais gol. Eu torcia mesmo era para Neymar e assim que ele foi lesionado perdi a vontade de ver jogo da Seleção. 
    Desde as oitavas de final eu pedia para ver jogo da Argentina na casa de Ximena e seu companheiro Sebastian Madruga, com os filhos Axé, Leon e Joakin. Mas nunca dava certo a combinação, até que fui lá na semifinal com Miranda (que se considera prima dos meninos e adora dizer que é Argentina). Ximena achava que eu não poderia ir porque só os que viram desde o começo juntos deveriam seguir assim até o final. Já "Sebá" observava que uma brasileira torcendo sinceramente para a Argentina só poderia trazer sorte. E foi assim que assisti o excelente e emocionante jogo Holanda e Argentina. Nos penaltys eu torci em pé e pulei abraçada com meus hermanos.
    Um dia antes da final minha mãe fez uma reunião para comemorar seus 79 anos. Fiquei muito feliz ao ver que vários primos iriam torcer para os hermanos. Assim como minha mãe, que gosta demais de Ximena e Guadalupe. Mas fiquei completamente irritada com outros parentes que só falavam mal dos argentinos como povo, chamando-os de racistas e arrogantes. Gente que não conhece argentino e nunca esteve no País. Gente que se deixa manipular pela mídia que incentiva esse quase ódio contra os argentinos. O que vi nas redes sociais foi um absurdo de torcida contra, de palavras de xenofobia. Chegaram a me mandar morar na Argentina já que gosto tanto deles! E olha que moraria em Buenos Aires fácil...
     Na derrota cheia de garra e luta para a Alemanha, fiquei tão triste que Ximena acabou me consolando: "Jogamos bem, fomos vencedores, nem esperava ir tão longe, é só um jogo". Mas com muita alegria viajei para a Bahia, fiquei no Assentamento Terra Vista, em Arataca, e lá os assentados torceram para a Argentina com fervor. Entendem que essa quase cultura de ódio é uma estratégia do império para que os latino-americanos não sejam unidos. Que nós da América Latina juntos seríamos tão fortes e independentes que nenhum país imperialista seria capaz de nos dominar. Mas essa é história para outro post.

terça-feira, 17 de junho de 2014

O Brilho Efêmero da Vida

   Fiquei muito tempo longe daqui, eu sei. Recebo emails perguntando se está tudo bem, que estão com saudades dos meus textos, querem minhas opiniões sobre o "vai ter Copa, não vai ter Copa" e tantos eventos importantes que acontecem em meu País. Não, não está tudo bem, mas de certa forma, muita coisa mudou para melhor. Surgiram mais pessoas incríveis na minha vida (que detalharei em outro post), voltaram grandes amizades, afastei algumas pessoas que não me faziam bem e perdi outras para sempre - sim, com a morte, mas não falarei de morte, porque o que eu quero é a vida. Muitas mães continuam me procurando para consultoria sobre guarda de filhos. Passei um tempo tão pessimista, que não conseguia responder. Mas coloquei as correspondências em dia.
    O mais curioso é esse exato momento. Estou em Ribeirão Preto, na casa da minha amada amiga Paola Miorim, sozinha, durante o jogo BrasilxMéxico, em plena Copa do Mundo. Não lembro de nenhum jogo de Copa na minha vida em que estivesse sozinha. Pensei que ia me concentrar no jogo, coisa que nunca acontece quando tem galera, mas o jogo está tão ruim, tão truncado, que comecei a ouvir música e bateu vontade de escrever, dar sinal de vida, ter respeito com as milhares de pessoas que acompanham o que escrevo. Estou aqui em Ribeirão Preto porque trouxe os presentes para Dora, que estão se juntando comigo desde o ano passado. Continua tudo na mesma e não vale mais gastar dedos digitando sobre isso, acho que só vale falar do processo quando algo mudar, talvez em 2016, nas Olimpíadas. Miranda está cada dia mais linda, forte e saudável e a deixei em São Carlos, aos cuidados de Adriana Abujanra e suas amadas filhas, Manu e Sofia.
    Sobre a Copa, infelizmente, nunca estive tão desanimada. Adoro esportes e já deixei claro que futebol também faz parte das minhas paixões. Estou vendo os jogos na medida do possível, mas nunca fiquei tão sem torcer, tão alheia. Torci para Portugal porque lembrei muito do meu pai e de sua indecisão nas Copas, mas acabava sempre torcendo mais para o Brasil, porque ia mais longe. 
    Estive em algumas cidades sede, fora do eixo Rio-São Paulo, e o que vi foram estádios inacabados (com estruturas provisórias) e canteiros de obras onde deveriam ser ruas, metrôs e aeroportos prontos. Mas isso não importa, o que importa é que tem jogo, que os turistas estão adorando o Brasil e nós somos mesmo um povo receptivo e simpático. E tomara que nada de ruim ou catastrófico aconteça até o final desse grande evento, que até agora tem tido ótimos jogos. É futebol e queremos ver gol. Só esse que estou vendo agora não sai do zero a zero.
    Sobre o xingamento direcionado a presidente do Brasil na abertura da Copa, não concordei, achei feio e ineficiente. Vaia é universal e o mundo inteiro entenderia, xingamento em português poucos entenderam na hora. Fora que é muito feio mesmo ficar xingando. Deixa pra xingar nas urnas, ora. Daí os governistas ficam culpando a elite branca que estava no estádio. A Copa foi feita para a elite (branca ou não branca) e não para o povo, basta ver os valores dos ingressos. Também já foi exaustivamente divulgado o quanto foi gasto de dinheiro público para essa Copa e até agora não temos legado nenhum, a não ser estádios. Agora me digam, para que um estádio "padrão FIFA" lá em Manaus, onde nem tem time? Numa região que falta até luz elétrica? Deveria ter reclamado antes? Reclamamos antes! O Deputado Romário reclama desde que entrou para a Comissão da Copa.
     No dia de escolher a sede das Olimpíadas 2016 eu não queria que fosse no Rio de Janeiro, mas quando foi escolhida, fiquei intimamente feliz, é minha chance de ver os melhores nadadores do mundo, na minha competição preferida do mundo. E se não correrem, vai ser outra demonstração de atrasos e desvios de verba e descaso.
   Esporte é uma paixão e estou muito feliz em estar entrando em um novo projeto e um novo mundo esportivo para mim, que é o Rugby e, novamente, escrever a história de um grande atleta. Mas isso também é assunto para outro post.
     Conheci novas crianças, todas carentes. Tão cheias de amor que vou passar meu aniversário com elas, daqui três dias. São carentes de família, mas excedem amor. Quanto mais eu dou, mais eu tenho. E em outro post, escreverei sobre elas.

    E a música que não consigo parar de ouvir é Hiding Song, de Rafael Aviz, o menino que conheci no dia em que nasceu. Sonhei com ele, antes de sua mãe ficar grávida. Assim que ele liberar, compartilho para todos vocês. Passaram quase 19 anos de seu nascimento, como foi rápido. O menino que uma vez dei banho quando tinha 4 meses, deixei entrar água no ouvido e, pela primeira vez, aquele anjinho, chorou sem parar. Ninguém sabia o que era. Sua mãe, minha querida Mariana, teve quer ir embora de Paúba até Santos, para levá-lo ao pediatra. Como passou rápido... hoje é um compositor de primeira, que faz músicas que me representam. Sou a fã número 2. A 1 é sempre a mãe!
   A vida passa rápido e todos nós nascemos para brilhar. Todos os dias  vejo pessoas brilhantes. Todos nós temos um talento, nem que seja descobrir o talento dos outros. Por mais que fatos tristes me acompanhem, que fatalidades me aconteçam, não consigo deixar de amar. E ficar feliz com a quantidade de pessoas lindas que cruzam e voltam no meu caminho. 

sábado, 10 de maio de 2014

Que Nossos Filhos Continuem Nos Amando

    Dizem que é apenas uma data comercial e que dia das mães é todo dia. Não, não é. Para uma mãe proibida pela Justiça de exercer a maternidade, nenhum dia é dia de ser mãe.  E essa data comercial passa a ser de uma dor incomensurável. Imagino que o mesmo aconteça para crianças sem a presença da mãe viva. O que pensam? Nem sei mais qual o valor desse dia (e dos outros dias) para minha filha.  Esse será o quarto ano consecutivo que ela passará sem mãe.
    Espero (só o que tenho feito é esperar) que no próximo ano esse quadro mais surreal que uma obra do Salvador Dalí, mude. Será que o juiz conseguirá decidir alguma coisa nos próximos 12 meses? Nem que seja uma negativa, para que eu possa recorrer?  Será que algum dia das mães terei minhas duas filhas juntas, comigo?
   Tento imaginar o que a família da minha filha tem falado para ela nesses anos. Não a vejo desde dezembro, numa visita pedida pela minha advogada, pela proximidade do Natal. Deixei de ir nas visitas em outubro, por um mês, e perdi o direito. Agora se quiser ver de novo, tenho que fazer novo pedido. E isso pode atrasar ainda mais o processo. Como em novembro fizemos vários pedidos, minha advogada concordou que seria melhor esperar e ter 10 dias de férias. Passaram as férias. Esperei o aniversário dela. Esperei o Carnaval, depois a Páscoa. Logo chegarão novas férias e se continuar assim, não a verei o ano inteiro. Ou então vou ter que pedir de novo visitas monitoradas no Fórum. 
   Quando eu tento explicar para ela, por mensagem, os trâmites legais, numa linguagem menos burocrata, diz que não quer saber desse papo. Resta deixar que falem o que quiserem falar.Espero que não falem que a esqueci, como sempre, só espero. Como explicar que visitas de 2h, numa segunda-feira, a 500km de distância, é algo muito complicado? Talvez eu deva mudar para lá. Miranda já me sugeriu isso. Miranda diz muitas coisas que me impressionam. Dia desses falou do nada: “Tenho certeza que quando a Dorinha fizer 18 anos vem morar com a gente”. Me deu vontade de chorar, mas não choro mais na frente dela. Apenas a abracei. Se Dorinha seguir meus passos estará morando em república e fazendo faculdade com essa idade. Morar de novo com a gente é um sonho que eu deixo Miranda continuar sonhando. Derrotista eu? Não, é só usar a lógica: se em 3 anos 4 meses não consegui nem um fim-de-semana... 
    Sei que todas as mães proibidas pela Justiça de estarem com seus filhos estão sofrendo mais neste mês. Falo com todas. Mais duas me procuraram na última semana. Uma delas tem o perfil tão parecido com o meu, respondi o primeiro email, mas nessa semana não consegui responder nada sobre o assunto. Não quero que percam antes de lutar. A outra tem um bebê de meses. Como dizer para ela que já vi uma mãe amamentando um bebê de meses em um visitário público? 
    Minhas amigas Adriana Botelho e Luciana Mendonça já escreveram sobre o dia das mães. Sei que outras irão escrever. Sei o quanto sofrem e o quanto sentem. Sei que pensam em desistir e muitas vezes tentam esquecer. Sei que não conseguem. Sei que as mães que tem outro filho tentam preencher o vazio e a falta daquele que foi levado. Sei que também não conseguem. Mas tenho uma certeza intuitiva que, de alguma forma, esses irmãos serão capazes de juntar os cacos e montar um mosaico muito lindo. Sinto que serão capazes de retomar o vínculo e contar as histórias que foram proibidos de viver juntos. 
    Nas minhas noites de insônia imagino minhas filhas encontrando-se com os filhos dessas mães minhas amigas, formando um grupo de apoio, contando suas experiências pessoais, fazendo um trabalho de reforma judiciária, mudando Leis. Porque nós, as mães, vivemos um lado da história. Tem a outra parte que conta o que quiser. Só eles, nossos filhos, quando crescerem, serão capazes de avaliar o estrago que seus pais e o sistema judiciário fizeram em suas vidas. O buraco que deixaram. Espero que superem tudo isso e façam muita diferença nesse mundo caótico. E que continuem amando muito suas mães. Cazuza, meu querido poeta, errou ao afirmar que “só as mães são felizes”, mas nós merecemos sim “todo o amor que houver nessa vida”. 

terça-feira, 6 de maio de 2014

Jornalismo de Internet: Linchamento e Idolatria

    Ontem assisti ao telejornal local e fiquei chocada com o linchamento de uma mulher aqui onde estou morando. No meu último post fiz um parágrafo inteiro de críticas ao Guarujá – descaso com saúde, educação, segurança pública - mas tirei porque poderiam me confundir com uma bairrista. Estou farta de confusões causadas na internet. E essa mulher sofreu um assassinato coletivo, causado por um boato. Não vou falar como o boato se propagou, pois posso ser leviana ao propagar mais erro e discórdia. Porém, mesmo que ela fosse uma sequestradora de crianças, para usá-las em magia negra, teria direito de defesa. 
    Há algum tempo uma corja de “jornalistas” dissemina discursos de ódio e intolerância. Só fico observando o tanto de “amigos” e parentes reacionários concordando com tudo isso, postando textos simpatizantes de Datenas e Sherazades da vida. Já me questionaram sobre liberdade de expressão, se proibir a tal Sherazade de incitar linchamento não seria coibir seu direito de expressão. Penso que nossa liberdade termina quando atinge a dos outros. E o outro tem o direito de defesa, sempre. Penso que toda história tem duas versões e é preciso sempre analisar profundamente as duas. 
    O mais assustador é que várias pessoas, vendo a selvageria, preferiram gravar no celular do que ligar para a polícia. Talvez a culpa, além do estado de barbárie e escuridão que a maioria da humanidade se encontra, seja também desse jornalismo de internet. Talvez porque essas pessoas sentem-se abandonadas a própria sorte, desacreditem do sistema judiciário e achem normal fazer justiça do olho por olho, dente por dente. 
   Acho ótima essa era digital. Quem me conhece sabe do meu interesse por todo tipo de inovação tecnológica, desde sempre. Lá nos anos 90 eu procurava em sites de revistas científicas, notas para colocar no jornal Diário do Grande ABC. As publicações eram em inglês, de mídias muito bem conceituadas, mesmo assim eu temia fazer tradução errada ou que a informação estivesse errada. Pedia para mais duas jornalistas conferirem o texto de, no máximo 10 linhas. Sempre tive horror de passar informação errada. Sempre tive total consciência do poder das palavras, ainda mais vindas de um jornalista. As pessoas tendem a acreditar nos jornalistas e achá-los muito inteligentes e bem informados. Por isso, os jornalistas de verdade fazem o impossível para manter a credibilidade. Quando um jornalista perde isso, perde tudo. E me causa náuseas ver o tipo de jornalismo que está sendo praticado. 
   Teve um tempo que trabalhei com uma equipe bem mais nova do que eu. Via jornalista esperando releases, mudando apenas palavras, não checando nada, buscando notícias na internet. Cadê o sangue nos olhos do repórter? Cadê a apuração dos fatos? Ainda tem gente que defende não ser necessário o diploma de jornalismo... se nem com diploma a galera está fazendo direito, imagina essa turminha que acredita em tudo o que se posta em facebook fazendo matéria de denúncia? 
    Há pouco tempo circulou uma falácia sobre um suposto jornalista dinamarquês que cobriria a Copa, mas decidiu ir embora por conta dos horrores que viu no Brasil. Alguns amigos meus compartilharam, li tudo e só consegui pensar: “que cara burro, fosse eu faria um monte de matérias além-Copa e virava correspondente do fim do mundo”. Não me dei ao trabalho (voluntário) de checar o perfil do tal dinamarquês, mas li comentários absurdos, de gente concordando com tudo, metendo o pau no Governo do Ceará. No fim era um perfil fake, um jornalista de verdade checou. 
    Assim como a maioria dos relacionamentos amorosos e sociais, o jornalismo também perdeu os olhos nos olhos.  E quem tem menos de 25 anos acredita que isso seja jornalismo. A notícia de que essa pobre mulher havia sido linchada já circulava há uns dias, mas não vi muito TV porque só se falava dos 20 anos de morte de Ayrton Senna e acho essa idolatria um porre. O melhor que li sobre o tema foi um texto do *epichurus.com (Santo Senna) http://epichurus.com/2013/11/25/santo-senna/, sobre a “tragédia” que foi isso para o Brasil vista por quem estava fora do País. A partir deste texto tentei formar um pensamento filosófico sobre como e porque Ayrton tornou-se esse herói nacional. Bem simplória e resumidamente acho que a grande maioria identificava-se com ele porque era um cara tímido, de poucas palavras, mas era só colocar as mãos no volante e transformava-se num audacioso que ultrapassa em curvas perigosas, um imprudente que corre mais em dia de chuva. Brasileiros se espelham em Ayrton, talvez por isso o Brasil seja campeão em acidentes de trânsito. 
    Piloto morrer em pista de corrida não é tragédia, é acidente de trabalho, todos sabem do risco. Tragédia mesmo é o que aconteceu com essa mulher, linchada **erroneamente por sanguinolentos. Ela não foi a primeira e, infelizmente, creio que não será a última a morrer por “engano”. Se Jesus voltasse hoje, como acreditam alguns fiéis, seria novamente apedrejado. Sem dó ou piedade.

*é um blog escrito por nadadores, bem específico, mas também fala de outros esportes e eu fico orgulhosa em perceber como nadadores sao coerentes. Talvez ficar várias horas por dia, durante anos, ouvindo o som de bolhas de água, faça pensar melhor, só acho...

** o linchamento, por si só, já é um grande erro