sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Filha Rock e Cheia de Esperança

   Ontem vi minha filha, a última vez deste ano, ainda não sei qual será a próxima, preciso esperar uma manifestação do juiz. Ela estava linda com uma camiseta do ACDC, sua nova banda favorita. Nossa conexão é tanta que eu tinha justamente levado uma camiseta de presente para ela, do ACDC. Ela também achou a que levei mais linda, mas para não ficar com duas da mesma banda, pediu para eu trocar, pode ser do Nirvana ou Red Hot Chilly Peppers. Agora assiste The Big Bang Theory e é fã de Sheldon Cooper. Quem puxa aos seus não degenera! 
   Também contei para ela que estive na casa da Raquel, sua melhor amiga, que não vê há quase três anos. Falamos dela, dos irmãos, do pai, Fernando. Minha filha disse estar morrendo de saudade de Santos, de Boiçucanga, da praia, dos amigos, da vovó. Enchi seu coração de esperança quando contei que pedi férias para o juiz, porém, dei um sopro de realidade, ao explicar que fiz o mesmo pedido para julho e o juiz nem leu. Minha filha nada tem de boba e tão precocemente já entende os desmazelos judiciais. 
   Ontem também completou dois anos que minha amiga Adriana Botelho teve sua filha, Maria Clara, levada pelo pai, para Portugal. Pensei nela o dia todo, porque sei que passou um filme em sua cabeça sobre o último beijo, palavras, convivência. Pensei em como ficaria feliz por estar duas horas e meia dentro de uma sala fechada com suas duas filhas juntas e brincando, contando novidades. O que é pouco para mim, já seria tanto para a forte e corajosa Dri Botelho. E para a inocente Maria Clara...
    Minhas filhas brincaram bastante. Na despedida, Miranda chorou muito, como sempre faz, nada de novo. É sempre nesta hora que externa sua frustração. Já me acostumei e não choro mais. Sei que vou para a casa da minha querida Paola Miorim e terei momentos felizes. Falamos sempre de amor, amizade, assuntos nerds, viagens, família, passado e futuro. 
    Para pagar as passagens desta viagem, amigos meus, que nem sei quais são, fizeram uma vaquinha. Não tenho vergonha de contar isso, ao contrário, tenho orgulho pelas amizades que construí no decorrer da minha vida. Estamos todos no mesmo barco, alguns mais rápidos, outros mais antigos, mas somos da mesma falange de solidariedade e luta por justiça e igualdade. 

Um pedido do avô psiquiatra

    Um dia antes da minha chegada, o avô psiquiatra infantil, José Hércules Golfeto, ligou para minha advogada, para que ela conversasse comigo e pedisse para que eu retire o nome dele deste blog, pois tem perdido pacientes e está sendo muito prejudicado em seu consultório. Minha advogada, Lucélia Nunes, disse que também estou sendo prejudicada, com as edições feitas por seu filho Jonas Golfeto, que também chamou Rede Globo para filmar a busca e apreensão da própria filha. O psiquiatra disse que não adianta falar com o filho, não tem qualquer poder sobre ele, quando pede, responde que "a filha é minha e eu ajo do jeito que quiser". Ok, senhor psiquiatra, a filha é dele, mas a casa é sua e o dinheiro que paga todas as contas também! 
    Disse ainda, o Dr José Hércules Golfeto, que, se eu tirar o nome dele deste blog, será o início de uma convivência pacífica. Lucélia tentou mais uma vez fazer uma troca, tiro daqui, o filho dele tira do youtube. "Não, ele é inflexível". Isso é uma lástima, pois flexibilidade eu tenho, e muita! Mas fui obrigada a entrar na Justiça para que essas imagens sejam retiradas e olha que já faz uns meses. Pena um senhor que passa dos 70 anos se ver obrigado a recorrer na Justiça contra um simples blog. Lamentável alguém que lecionou por 30 anos na USP de Ribeirão Preto ter sua carreira borrada agora por um filho "turrão". Não, talvez esteja borrada por uma mãe, que também é jornalista, e que teve sua filha brutalmente afastada e levada para a casa desse avô. E enganada durante meses por esse mesmo avô. Sim, eu ligava e escrevia perguntando sobre o paradeiro de minha filha, mas José Hércules Golfeto, dizia não saber onde ela estava, que seu filho não falava nada. O tempo todo, estava na casa dele!
    O ambiente nesta casa não me parece saudável: um filho que beira os 40 anos, sustentado pelo pai e não respeita sequer um pedido do mesmo. Cabe a mim, achincalhada há anos, ser a pessoa submissa e boazinha, cheia de amor no coração, que fica penalizada com a situação em que esse médico psiquiatra se encontra. Submissa porque me submeto o tempo todo para ter qualquer tempo com minha filha. Boazinha porque chego mesmo a ter pena. Mas depois passa....
    Minha satisfação é saber que os pais que precisam recorrer aos psiquiatras infantis façam uma busca antes, não sigam apenas recomendações e títulos. Cheguei a procurar o Conselho Regional de Medicina para falar desse caso, mas como todo bom corporativismo, me disseram que age como avô e pai, não como profissional. Como se a pessoa deixasse de ser o que é. Como se fosse possível separar pessoal de profissional.
    Outra satisfação é que minhas palavras geram questionamentos. Assim tem que ser em todos os aspectos da vida. Essa coisa de ir na corrente e seguir a maioria é limitado, é emburrecedor. Por mais que eu tenha sido exposta em rede nacional, por mais que tenha sido difamada e caluniada em várias Varas de vários Fóruns, deixo aqui a dúvida. Se sou uma mãe tão horrível como crio sozinha outra filha? Como minha filha, mesmo tantos anos afastada, continua me amando tanto e tendo tantas referências minhas? Fica a dúvida. Segue a vida. E no próximo ano, seguem mais processos. Estou aqui aguardando!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A Competição em que Deram o Sangue

    Era o Campeonato Sul-Americano de Master de Natação, em Vitória/ES, em setembro de 1998. Tudo corria bem, cidade linda e sempre ensolarada, piscina boa, nossa equipe muito divertida e sempre com nadadores entre os oito primeiros. Para quem não sabe o master começa a partir dos 25 anos, com a categoria master A (25 a 29) e assim sucessivamente, até os resistentes veteranos que passam dos 90. Na categoria master conseguir manter o mesmo tempo já significa melhorar e quanto mais master, melhor!
   Tudo corria bem até que pelo alto falante recebemos a notícia de que o velejador Lars Grael, participando de uma competição na mesma cidade, tinha sofrido um grave acidente, corria risco de morte e precisava de doação de sangue. No nosso sul-americano havia cerca de 800 atletas e as arquibancadas foram esvaziando. As ambulâncias de plantão para nossa competição seguia lotada de atletas para o hospital. Os nadadores que não competiriam naquele período foram fazer a doação.
   Pouco mais de meia hora depois ouvimos no alto falante o agradecimento, pois o hospital tinha estoque de sangue para meses. Não apenas brasileiros, mas atletas de vários países foram doar sangue. Não fui porque nadaria e não tinha peso. O masculino foi em peso. Só depois soubemos da amputação, do acidente cometido por um “piloto” bêbado que ultrapassou a faixa que delimitava a competição no mar. Passado o susto e após a recuperação de Grael essa competição passou a ser conhecida como aquela em que os nadadores deram o sangue, literalmente. Algo trágico tornou-se um exemplo de solidariedade, de amor sem fronteiras.
   Mas além desse fato tão conhecido, outros aconteceram nessa competição, que me marcaram muito. No nosso hotel, tinha uma equipe da Argentina, adoro nossos hermanos latino-americanos e tenho muito carinho pelos argentinos. No café da manhã era uma confraternização linda. No segundo dia de competição acordei mais tarde, pois só nadaria no final da manhã e quando desci, havia acabado parte da refeição. O pessoal do hotel pedia desculpas, pois não sabia o que era uma fome aquática. Atleta come muito, mas os aquáticos comem mais! Só nesse dia me dei conta disso.
   O mais legal do master é que não há cobrança de técnicos por tempos bons e vitórias, a cobrança é nossa para nós mesmos. Por isso dá para sair, se divertir e conhecer um pouco da cidade, coisa que não acontecia até o Juvenil. Na noite anterior ao último dia de competição saímos para dançar. Uma das cenas mais engraçadas de feminismo que presenciei foi protagonizada pela minha linda amiga/irmã Flavia Vieira. Um rapaz do tipo folgado a puxou pelo braço e deu uma daquelas cantadas baratas. Muitas mulheres ficariam sem graça, algumas podem até cair nessa ladainha besta. Mas Flavia simplesmente o empurrou e deu um tapa na cara. E olha que a garota além de linda, era forte! “Como assim você nem me conhece e vem me pegando?”. Nossos amigos nadadores (sempre grandes e de ombros largos) se aproximaram para saber o que havia acontecido. Ninguém precisou defendê-la, Flavinha já havia dado conta do recado.
   Acordei exausta de tanto dançar e ainda me restava nadar 200m costas e um revezamento. Flavia acordou tarde de propósito para perder os 200m de peito, uma prova muito difícil, para quem não sabe. Preferiu se guardar para o nosso revezamento. Tentei me atrasar também, mas cheguei na hora em que distribuíam os cartões de balizamento para os 200 costas. Repetia que não teria pernas para completar a prova e eu era master A, a categoria mais disputada, com os melhores tempos. Estava morrendo de medo de dar vexame. Foi quando vi uma nadadora mais velha, umas duas categorias acima da minha, sem uma das pernas, alongando-se para a mesma prova. Mesmo com deficiência, ela competia com os “normais”.
   Me senti um monstro por repetir que não teria pernas para nadar. Pensei em Lars Grael na UTI. Olhava para essa nadadora tão compenetrada. Então corri para pegar meu cartão, estava na última série (a mais forte). Alonguei o quanto pude, coloquei minha toca e nadei fácil, gostoso, alongada. Não me preocupei com quem estava do lado, só queria nadar bem e sentir minhas pernas. Fiquei em sétimo lugar e dei o melhor tempo da minha vida, nem aos 15 anos dei tempo igual. Mesmo tendo competido e viajado tanto pela natação, essa competição me vem sempre na cabeça, quando penso em parar, em desistir ou no significado de presentes. Sangue pode ser o melhor de todos os presentes. Sentir dores nas pernas e braços é a dor mais desejada para quem perdeu um membro. Desde então, penso muito antes de reclamar dores físicas. E sempre lembro dessa nadadora, que nem sabe, mas tanto me incentivou. Depois da prova fui abraçá-la. Ela ficou em quarto lugar na sua categoria.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

14 Bis: A Prova Mais Difícil

  Chequei mais uma vez a mochila antes de dormir: dois oclinhos, dois maiôs, duas tocas, roupão, vaselina, toalha, agasalho e roupa para trocar. Deitada não conseguia dormir, respirava fundo e pensava no que nosso técnico, Guaracy de Moraes, disse em várias reuniões com a equipe durante a semana. Precisava nadar até o Largo do Candinho até o meio-dia, pois a maré virava e quem não chegasse era obrigado a desistir da prova.  Respirei fundo mais de mil vezes, tinha muita dificuldade em dormir antes de competições importantes, me faltava o ar. A maratona aquática 14 Bis tem 36 Km e eu tinha apenas 11 anos.  
   Acordei às 6h, tomei o café da manhã mega reforçado e segui com meu pai, que tinha alugado uma espécie de catraia para me acompanhar.  Se hoje o esporte amador deixa tanto a desejar no Brasil, pensem em 1981! Meu pai, também nadador, era a melhor pessoa para estar ao meu lado nessa prova.  A largada, na Base Aérea do Guarujá, foi pontualmente às 8h. Como ainda vivíamos na ditadura militar, antes houve bandeiras, hino nacional e militares falando.  No início tinha até helicóptero sobrevoando o percurso, aos poucos até os barcos foram minguando.
   Eu e minha amiga/irmã/companheira Rosane Mendes combinamos de nadar juntas. Ela nadava bem mais rápido do que eu, mas nosso objetivo era manter o ritmo e chegar o mais longe possível. Dentro do maiô eu levava alguns doces de leite. E parava para tomar sopa batida, com legumes e carnes, no copo, que pegava sem encostar no barco, para não ser desclassificada. Durante a prova os nadadores vão se afastando e não havia fiscalização que desse conta de todos, mas nós éramos tão disciplinados que seguíamos as regras, mesmo quando ninguém estava olhando. Minha meta era nadar sem parar até o meio-dia. Rosane, que era mais magra, começou a sentir muito frio (a água era gelada). “Vamos nadar mais rápido para esquentar”, eu repetia, com egoísmo, porque queria minha amiga ao meu lado. Mas não teve jeito, ela subiu no barco do meu pai e seguiu me apoiando de cima. 
   Passei do tal Largo do Candinho, já na Bertioga, antes da maré virar. Então relaxei e comecei a acreditar que poderia terminar a prova.  Meu pai, percebendo que eu estava bem e preocupado com os outros atletas, disse que iria um pouco para trás, porque nessa altura as distâncias entre os nadadores eram de 2 a 4 km. Me vi sozinha nadando num rio escuro, o céu cinza, montanhas enormes, pássaros voando. Nadava de costas para apreciar a paisagem, mas era tudo tão grandioso que me sentia mais sozinha. Meu pai não demorou mais do que 10 minutos, mas era uma eternidade. Me sentia tão mais segura só de saber que ele estava por perto.  Voltou meio triste porque o pessoal de trás estava desistindo.  O mais lindo no meu pai é que ele não torcia só por mim, incentivava a todos.  
  O pior momento foi quando nadei na margem e raspei a perna em mariscos. Já estava tão cansada que nem percebi estar perto da margem. Doeu, arranhou, sangrou e ardeu, mas a dor muscular já era tanta que a da pele foi pouca.  Perto das 17h meu pai deu uma volta de barco um pouco para frente e para trás, na volta me perguntou: “Você acha que consegue chegar?”. Sim, meus braços ainda rodam, minhas pernas batem e eu respiro. A chegada tornara-se meu objetivo de vida. “Então, filhota, se você completar será podium. Só três nadadoras continuam na prova”.  Foi uma injeção de ânimo! Por mais que o jargão diga que o importante é competir, receber troféus e medalhas é o reconhecimento do esforço, é a glória. 
   Lá pelas 18h, já escuro, enxergo as luzes da cidade. Faltava pouco, muito pouco. Então cheguei. Fui levada direto para uma ambulância, medir pressão, pesar, alimentar. Havia emagrecido pouco mais de 4 kg. Premiação, abraços, aplausos, entrevista. Me senti tão importante, no sentido das pessoas se importarem mesmo comigo. Meu pai não se aguentava de satisfação. Era como se eu tivesse realizado um sonho que ele não teve oportunidade de concretizar. Quando chegamos em casa passava das 22h, minha mãe estava preocupada. Explicamos que tivemos de esperar a premiação, mostrei meu troféu. Ela custou a acreditar que eu havia nadado 36km e ficado em terceiro lugar. Quase chorou quando viu minhas costelas à mostra. Era difícil para ela entender o metabolismo de atleta, já que não acompanhava treinos, nem competições. Em dois dias eu já havia recuperado meu peso. 
   Após esse feito senti que conseguiria fazer qualquer coisa, que minha mente não tinha limites e chegaria onde quisesse. Há muitos amigos nadadores que dizem não haver registro de alguém tão jovem completando uma maratona aquática dessa distância, que eu deveria procurar o Guines Book. Não sei se precisaria de tanto, antes bastava eu saber do que sou capaz. Só quis registrar aqui esse momento histórico da minha vida para que algumas pessoas saibam que não desisto fácil, que minha resistência é maior do que a maioria das pessoas.  O grande vencedor é o que volta quando todos pensam que fracassou.
  

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Obrigados a Tirar a Camisa

   As imagens de selvageria, mostradas à exaustão, entre os torcedores do Atlético Paranaense e Vasco, na última rodada do Campeonato Brasileiro, não são as primeiras, nem as décimas e, infelizmente, não serão as últimas. Mas isso acontecer nas vésperas de uma Copa do Mundo no Brasil é de estarrecer o resto do mundo, por isso repercutiu tanto e muito mais do que “brigas” até piores. Culpar a falta de efetivo militar não convence. A culpa é de quem chuta a cabeça de um ser humano já desmaiado, pelo simples fato dele torcer por outro time! Já não bastasse a intolerância religiosa, racial, sexual, ainda temos que conviver com a intolerância futebolística. Em que momento o futebol arte virou futebol morte? 
   Pode parecer um paradoxo, mas eu torci muito para a Olimpíada ser no Rio, porém achei uma tragédia anunciada a Copa também ser no Brasil. Simplesmente porque, mesmo sendo um esporte só, com menos países e atletas, a Copa é a maior competição do mundo. Porque não acontece apenas em uma cidade, mas em todo o País. Movimenta aeroportos, estradas, restaurantes e hotéis do País inteiro. E porque o futebol é uma indústria que gera bilhões de dólares todos os anos, além de lançar os jogadores celebridades.
  Gosto de futebol e gosto de ver jogo em estádio. A primeira (e única) vez que me senti uma torcedora oprimida foi num jogo entre SPFC e Santos, no estádio do Morumbi. Fui com os amigos Marcos Raia, Renato Rovai e sua filha Carol, na época com 10 anos, e Mario Serapicos, com seus dois filhos, mais uma amiga de Renato. Todos santistas, com exceção da amiga, são paulina, mas que de boa ficou na área reservada aos santistas. Já para entrar era algo opressivo: polícia montada, fila com proteção, entrada separada por policiais. Indicativo que os torcedores iam para brigar. Estranhei porque estava acostumada aos jogos na Vila Belmiro, sempre tranquilos, onde me sentia em casa. Sentamos na arquibancada e nos 2 minutos iniciais, eu ainda me habituando aos barulhos da torcida, tomamos o primeiro gol.
    O jogo terminou em 1x0 para o São Paulo. Saímos tristes pelas crianças não terem dado seu grito de gol, tão desejado. Seguíamos pela rua quando um bando de são paulinos nos cercou e exigiu que tirássemos a camisa. Rovai ainda tentou contemporizar: “Olha, estamos com as crianças”. Mas nos empurraram, nem se intimidaram com o tamanho do Marcos, que tirou a camisa de boa. Eles queriam que eu tirasse a minha camisa também. Relutei. “Dri, tira, esses caras estão loucos”. Tirei muito contrariada e porque estava com um top por baixo e seguimos sem camisa, ouvindo xingamentos esdrúxulos. Eu nem tinha filhas, mas ver a carinha assustada daquelas crianças, já tristes por não terem visto nenhum gol do seu time, me marcou de um jeito que nunca levei minhas filhas aos estádios. Afinal não provocamos, estávamos com crianças e tínhamos perdido o jogo, ou seja, corremos risco só de ir ao estádio!
   Quando vou na Vila Belmiro fico com a Torcida Jovem. Adoro cantar os hinos e gritos de guerra, ouvir a batucada e abraçar quem nem conheço. Jamais presenciei brigas, o máximo de agressão foi xingamento aos jogadores adversários, mas com uma certa dose de ironia e para tentar desmoralizá-los. Não sei se é porque a torcida santista é realmente mais organizada e menor ou porque consideramos a Vila Belmiro um Patrimônio da Humanidade. O fato é que nos orgulhamos da nossa história, dos vários “raios” que caem naquele lugar tão pequeno e iluminado.
   Não entendo como um País que não consegue resolver problemas de saneamento básico, educação e segurança, pode construir tantos estádios e investir tanto dinheiro numa competição. Estádios que ficarão abandonados em certas partes do País. Tem um que está parado, em Olinda (PE). Foi construído para receber seleções em concentração. Foram gastos dúzias de milhões, passou por vistoria de presidente e ministros e então, tudo parou. Agora o local abandonado é usado para tráfico de drogas e dependentes de crack. Olinda, cidade turística e muito linda, já foi piorada pela Copa do Mundo. Não quero ser apenas o País do futebol, quero ser o País da educação e cultura, da justiça e saúde. Quero ser o País de todos os esportes e por isso torci por ver uma Olimpíada no Brasil.
   Teoricamente a cidade do Rio de Janeiro já passou por mudanças e testes com o Pan Americano de 2007, que deve ter 20% da magnitude de Jogos Olímpicos. Mas na prática, os alojamentos dos atletas estão abandonados. O que me deixa relativamente feliz é que em 2016 tenho a esperança de assistir a natação e alguns jogos de vôlei. Futebol em Olimpíada? Não, obrigada, nem na Copa.
   Tive a honra quase inenarrável de conhecer Djalma Santos e fazer sua biografia, saber tudo da sua vida. O livro ainda não foi lançado, Djalma se foi em julho deste ano e não verá a obra, mas lhe mostrei o primeiro capítulo e ele sabia o que seria escrito. Em nossos encontros e horas incríveis de conversas e gravações eu viajava no tempo em que os jogadores amavam seus clubes, recebiam salários dignos, mas não eram milionários e jogavam mais com a arte do que com a força. Conversava muito com Djalma sobre a selvageria dos torcedores e ele, sabiamente, dizia que era uma catarse no lugar errado, do jeito errado, que não bastava mais gritar gol e cantar hino, que o futebol virou uma indústria de cartolagem. Sobre a Copa? Djalma só desejava ter saúde para poder ver alguns jogos nos estádios. Com ele, eu iria...

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Chutando a Porta do Juiz

   Tento não cair na mesmice de fazer retrospectiva do meu ano. Mas é inevitável na hora que deito para dormir e penso que há quase três anos fui afastada da minha filha e no processo, que é quase o de Kafka. Lembro que 18 de dezembro do ano passado nos vimos. Foi quando parei de escrever sobre o processo. Tive que prometer isso para a advogada da outra parte, a mãe de Danilo Murari, o outro advogado. Não lembro o nome da mulher, achei-a tão ruim, tão má, tão inescrupulosa, que prefiro nem lembrar. Nunca vi seu filho, afinal foi uma única audiência e a representante legal da parte foi a advogada mãe, mais experiente em mentiras e maldades.
  Essa mulher veio de avião de São Paulo para “mostrar” ao juiz porque eu não poderia ver minha filha. Havia um acordo amigável, mas como fazer acordo amigável com o inimigo? Só num sistema falido há audiência de conciliação para quem vive no litígio. É perder tempo, é perder vida. No fim, acho que a tal advogada sem escrúpulos levou uma bronca do juiz, que deve ter começado a perceber que o objetivo deles é levar esse litígio até minha filha completar 18 anos e me esquecer. O convívio, a intimidade, já não existem mais. A tal advogada ligou para a minha para saber se eu estava disposta a ver minha filha, por uma hora e meia. Claro! Há quase dois anos tento isso!
    Foi marcado o encontro no consultório do avô José Hércules Golfeto, também psiquiatra infantil. Cheguei no horário combinado com Miranda, que já falava aos amigos que a irmã tinha morrido, que chorava tanto ao ver as fotos da irmã, que precisei tirar todas da casa. Fotos só no álbum. O pai de minha filha chegou 20 minutos atrasado. Nesse tempo o avô me contou como a neta é ótima, inteligente, educada (como se eu não soubesse), que é tão parecida com a tia Raquel que na rua pensam ser mãe e filha. “Que bom! Acho a Raquel linda fisicamente, sempre desejei que minha filha se parecesse com ela fisicamente”. Contou que ela está acostumada com tudo, é feliz, faz terapia e tratamento para alergias. “Que alergias?” Alergias que desenvolveu naquela cidade seca e abafada, alergia de ácaros!
  O avô também me contou que seu filho faria uma cirurgia delicada para colocar uma prótese na uretra e sua filha, a que parece mãe da minha filha, estava com um tumor no estômago. Fiquei penalizada por Raquel, até porque ela é a atual referência materna da minha filha. E também porque estava com duas pessoas que amava muito e continuarei amando sempre, doentes de câncer. O avô tentou conquistar Miranda e lhe fez várias perguntas, sempre muito manipulador.
  Enfim Dora chegou! Eu não vi sua entrada. Mas Miranda viu e tremeu tanto que caiu no chão, chorando. Parecia ter visto um fantasma e era isso que a irmã significava ou significa para ela: uma sombra, um fantasma. Dora também se jogou no chão e eu fui abraçá-las. Como havia crescido! Minha filhinha estava quase do meu tamanho, de olhos inchados e vermelhos (alergia), com peitos, começando a ter espinhas. Ela só chorava e me dizia: “Mãe, te amo tanto, tanto!” e me pediu “por favor, para de brigar”. Não sei o que falam para ela, mas eu só tento vê-la e me impediam de todas as formas. Minha briga era essa. Mas não quis falar sobre isso. Dora me pediu para falar só de coisas boas e para deixar tudo do jeito que está. Ela me perguntava de tudo, de todos, de seus amigos, dos meus amigos. Dava dó de ver... o encontro aguardado por um ano, 10 meses e 8 dias foi testemunhado pelo avô e pelas advogadas das partes.
  Quando Dora levou Miranda ao banheiro, fui atrás. O pai dela aguardava na sala de espera. E do lado de fora do consultório, havia segurança. A “visita” de uma hora e meia durou apenas uma. Porque, como disse o próprio avô: “Meu filho sempre se atrasa”, mas precisou sair 10 minutos antes, para levar sua brilhante advogada ao aeroporto. Foi muito pouco, mas eu a vi. Fui obrigada a prometer que não escreveria mais sobre o processo para poder ver minha filha. Exigência da advogada, não do juiz, porque afinal, quem sempre mandou nesse processo foi a outra parte e seus advogados.
   Terminei o ano de 2012 com esperança, porque em janeiro já nos veríamos de novo, era o acordo. No dia 8 de janeiro deste ano eu estava novamente em Ribeirão Preto, com Miranda. Mas a outra parte não me deixou encontrá-la. Estavam todos em Ribeirão Preto, mas ele tinha colocado a tal prótese na uretra e estava em repouso. E daí? Eu não iria vê-lo, a “visita” não era para ele! Os avós não poderiam levá-la até o consultório? Não, porque ele quer dominar todos os passos, porque seu único poder na vida é o poder pátrio e ele é o dono da filha. Minha advogada pediu para me colocar no lugar do avô, que estava com seus dois filhos doentes e que já era um idoso. Ora, esse “idoso” alguma vez se colocou no meu lugar? E no da neta? Não, nunca, jamais, mas eu acabo sendo rodeada por pessoas que se parecem comigo. Pessoas que sentem amor, empatia, compaixão e que não mentem.
  Sobre os filhos doentes, acho que era uma mentira. A tal prótese deve ter sido um sucesso, pois a outra parte vive indo e vindo para São Paulo. O tumor da filha deve ter sido uma invenção para ver se eu colocava a doença neste blog. Não, senhor psiquiatra, jamais usaria uma doença como o câncer para atingir alguém. Logo se vê que essas pessoas não me conhecem,  nem meu caráter, apenas reproduzem o que o filho diz e pensa. Eu tenho consciência. Já esse pai foi capaz de inventar um tumor para a própria filha!
   Então passei 4 dias em Ribeirão Preto, ligando, tentando mudar o dia da “visita”, mas o avô, que me atendia, repetia roboticamente: “Eu não mando nada, quem manda é o Jonas!” Deve ser muito cômodo passar toda a intolerância, desajuste e falhas para o filho. Nem sei quem é o mais doente naquela casa. Infelizmente, a única pessoa que vi padecer de verdade, foi minha filha, com essa alergia que a obriga tomar injeções semanais para o resto da vida. Ou até quando morar naquela cidade.
  Após vê-la, falar com ela por telefone no Natal (um avanço incrível) e no dia 31 de dezembro, fiquei cheia de expectativa positiva para o próximo ano. Mas não poder vê-la de novo me causou um transtorno físico, emocional e psíquico imenso. Que só profissionais da saúde mental, como os avós psiquiatra e psicóloga, seriam capazes de imaginar (ou de tramar). Fui ao fórum de Ribeirão Preto com minha advogada, para dar entrada numa liminar, exigindo a “visita”, provando que, mais uma vez, a outra parte descumpriu o acordo. Lucélia, minha advogada, repetia o tempo todo para mim: “Isso só vai ser pior para ele, vai deixar claro para o juiz que sua intenção é proibir o contato entre mãe e filha”.
  Esperávamos a resposta no cartório. Eu com Miranda nos braços, minha bebê enorme, que tem peso e tamanho de uma criança de 7 anos. Quando leio “vistas ao Ministério Público” peço para Lucélia traduzir. “Significa que ele não decidiu nada, mandou para o Ministério Público”. Mas e o tempo? Quanto tempo isso demora? “Uns dois meses”. Meu estômago revirou, dentro de mim senti uma bola de fogo que subiu para o rosto, para o cérebro, desci as escadas com rapidez e sangue nos olhos. Lucélia tentava me alcançar equilibrando-se em seu salto alto. Parei na porta do juiz e comecei a gritar a plenos pulmões: “Eu quero minha filha! Me deixem ver minha filha! Me devolvam minha filha!” Repetia continuamente essas frases. Miranda, que sempre sofreu tanto, chorava e gritava, uma policial feminina veio buscá-la e a levou para tomar água, enquanto eu continuava gritando.
  O Fórum parou. Um policial, que acompanha a saga desde o início, me pediu para parar, pois teria de me dar ordem de prisão. Eu gritava na porta do juiz que não sabia qual era o pior juiz da Vara de Família daquele fórum. “Ninguém decide nada, inúteis. Eu quero minha filha!”. Quanto mais eu gritava, mais gente descia para ver o que estava acontecendo. O policial me pedia com delicadeza para que parasse, repetia que seria obrigado a me dar ordem de prisão. Respondia, aos berros, que me prendesse, pois assim eu chamaria a imprensa e mostraria o que esses juízes “não” fazem. Que quem decide não é o juiz. Eu chutava a porta e esticava meus braços para ser algemada, “pode me prender, mas continuarei gritando na cela”.
   Enfim, me acalmei, após mostrar minha revolta, minha indignação e o estado de loucura que o sistema judiciário deixa as pessoas. Sou só mais uma. Fomos para o carro, mas Lucélia voltou ao gabinete do juiz, para pedir “desculpas”. Voltou sorridente, porque o Fórum só falava nisso e os comentários eram “coitada dessa mãe, faz dois anos que vem aqui e não consegue ver a filha”, “nossa, ela até demorou para surtar”. O juiz reconheceu a morosidade do caso, porém nada de efetivo aconteceu.
   No fim pergunto, foi pior para a outra parte, pegou mal para ele? Não, pois demorou um mês para o Ministério Público responder que eu poderia visitá-la numa sala fechada, monitorada por psicóloga e mais 3 meses para a outra parte acertar o dia. Ou seja, o pai amoroso ganhou mais 4 meses de afastamento, distanciamento e sepultamento. Não há o que comemorar. Se a guarda se revertesse hoje, não haveria o que comemorar. Não fazemos mais parte uma da vida da outra. Os danos causados são irreversíveis. Em mim, em minhas filhas.
   Na retrospectiva desse ano há muitas perdas: perdi em janeiro uma das minhas mais queridas amigas, continuei perdendo pessoas que amava, perdi saúde, perdi dinheiro, faço parte da legião de profissionais desempregados, driblando o mundo para chegar o fim do dia. Vi minha filha 14 vezes nas visitas semanais monitoradas, até chegar à exaustão, até não ter mais dinheiro para as passagens. Não nos vemos desde setembro. Ela não gosta de falar comigo por skype, nem pelo facebook. Não há telefonemas. É melhor para quem mesmo inventar mentiras? É melhor para quem proibir? Só é melhor para mentirosos e tiranos. Vence quem mente mais. A Justiça permite. Vence quem tem mais dinheiro. O sistema judiciário adora! A melhor coisa que aconteceu neste ano é que voltei a frequentar mais o cinema, minha fuga da realidade. Porque qualquer história é melhor do que a minha.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

As Crianças no Matrix


   Uma pesquisa recente mostrou que as crianças de hoje são mais lentas e menos saudáveis do que as de 10 anos atrás. Hoje se cansam com mais facilidade e tem menos resistência. Quando começou a era digital já houve quem falasse que a evolução do ser humano seria perder a coordenação motora fina. Sem a necessidade de pegar em lápis e pincéis, apenas digitando teclas, as crianças já aprendem a ler e escrever em monitores. Se o corpo de um adulto sente as dores e danos causados por ficar muito tempo sentado com o pescoço abaixado e má postura, imagino o de uma criança, que está em pleno desenvolvimento, suplicando por espaço, descoberta de movimentos e limites físicos.
   Para mim é tão fácil entender que minha filha de quatro anos não precisa de tablet ou smartphone. Nunca nem me pediu de presente. Percebo a diferença da infância nesta década por experiência. Minha filha mais velha, hoje com 11 anos, conheceu vídeo cassete, discos de vinil e rolos de filmes. Fez a transição do manual para o digital. Eu tinha vinis e CDs e muitos filmes. Miranda, como sua turminha, já nasceu digital e sabe procurar suas músicas e vídeos no youtube, mesmo sem saber. Mas faz isso no meu computador, quando eu deixo. Ela não é menos saudável e resistente do que as crianças da década passada, ao contrário. Mas também não tem brinquedinhos eletrônicos como os bebês desta década.
   O que tenho percebido neste mês de dezembro, quando o consumismo é incentivado, motivado e exigido, é que a maioria das crianças não pede bicicletas, patins, pranchas e skates. Preferem videogames e tablets. As crianças são induzidas a ficar em casa, sem movimentos físicos, por horas, em jogos virtuais, conversas virtuais e acabam achando mais divertido, mais familiar, preferem os jogos aos amigos. É mais cômodo e seguro para a maioria dos pais. Chegam do trabalho e não precisam jogar bola, correr, andar, jogar Banco Imobiliário, Monopoly, dominó, quebra-cabeças. Agora há uma babá eletrônica ainda melhor do que a televisão, porque pode ser levada em todos os lugares: restaurantes, supermercados, praias, viagens. Os filhos ficam por horas em silêncio e ocupados, no seu Matrix particular.
   Além de ver no meu cotidiano, também acompanho matérias sobre o uso dessas tecnologias por crianças tão pequenas. A verdade é que não sabemos o quanto essa rotina afeta suas mentes e emoções, só saberemos quando crescerem. Daqui 15 ou 20 anos, quando essas crianças forem os jovens da vez, entenderemos, por meio de sua socialização, interação, hábitos cotidianos, no que deu viver a infância no Matrix. Mas, fisicamente falando, temos um prognóstico. E já deu para perceber que não é legal. Se o objetivo da vida é ter saúde e felicidade, não é inteligente promover uma sociedade fechada em casas e condomínios. Condenada ao isolamento, medo da violência e vários tipos de fobia, que acabam detonando transtornos psíquicos. Uma sociedade cercada de tecnologia, mas que não aguenta uma caminhada, caso precise fazer compras diretamente no mercado, um dia que cair o sistema. Como ser feliz e ter saúde sendo sedentários já na infância?
   Enquanto eu escrevo, minha filha Miranda está com amigos entre quatro e 10 anos, brincando de bonecos. Entre eles não há essa de brincadeira de menino ou menina. Os meninos são ótimos exercitando-se ludicamente como pais. Cuidam das filhinhas, vão para o trabalho e sabem combinar as roupas. Miranda é uma ótima zagueira e seu amigo Gabriel, também com quatro anos, mais magro e rápido, chuta a gol que é uma beleza. Na piscina todos sabem mergulhar e bater pernas. Minha filha tem tanta energia que acabo reclamando da minha estafa em acompanhá-la. Tem gente que acha que devo levar ao psicólogo, porque “ela está sempre querendo fazer coisas e tendo ideias para se distrair”. Em minha defesa digo que, se levá-la irão receitar ritalina (a droga preferida entre os psiquiatras infantis). “Mas não seria bom ela tomar e ficar normal como as outras crianças?”.
   A definição de normalidade é realmente relativa. Na minha concepção de infância feliz, há curiosidade, experimentação e vontade de fazer coisas! A criança pode se distrair com tinta, massinha, giz de cera e lápis de cor. Mas um tablet é mais asséptico. Não suja as mãos, roupas, mesa e chão. E a criança se distrai por mais tempo e sozinha. Não desejo criar minha filha como uma “excluída digital”, até porque eu gosto muito de usar e conhecer novas tecnologias, o que desejo é criar um ser saudável. Tenho conseguido e percebo muitos pais com a mesma consciência. Sinto-me privilegiada em morar nesse espaço e conviver com crianças não contaminadas pelo consumo tecnológico. Preferem brincar e correr e todos os dias ficam muito suadas, com alguns arranhões. É uma vida de condomínio, com câmeras por todos os lados, elevadores e regras da boa convivência. Nas cidades não há mais como brincar nas ruas, pois a rua é dos carros, não das pessoas. Resta o condomínio e continuar me considerando uma pessoa de sorte.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

À Espera de Um Induto


   Fiz muita transferência de presos e inaugurações de presídios quando trabalhei na assessoria do governador Mario Covas. Prisões e hospitais parece ser uma espécie de sina na minha vida, que agora entendo melhor, sabendo que tenho a tal casa 10 em câncer, mas isso é papo de astrologia e esse texto pretende falar de prisões e presidiários.
   Nos tempos de Palácio dos Bandeirantes, a equipe de jornalismo cobria todos os eventos, mas nos dividíamos em algumas áreas, para ganhar tempo e informação. Coube a mim Segurança Pública, Administração Penitenciária e Meio Ambiente (que pode parecer leve, mas era só bucha também). Eu já tinha alguma experiência como repórter policial na Folha da Tarde, conhecia jargões e o funcionamento do sistema, por isso foi algo espontâneo. A grande diferença é que antes eu ia atrás da notícia, no governo, passei a ser a fornecedora de notícias, além de administrar conflitos e acalmar repórteres sedentos por revelações bombásticas.
    Conforme aconteciam as inaugurações das penitenciárias no interior do Estado de São Paulo, começaram as transferências de presos da Capital, que cumpriam penas em delegacias lotadas, por falta de presídios. Numa delas, na DP do Paraíso/Capital, uma repórter vomitou ao entrar na cela vazia. Havia fezes e urina por todos os lados, o cheiro era mesmo de causar náuseas, mas eu já estava acostumada a prender a respiração antes de entrar. Prendia por mais de um minuto, outra dádiva que a natação me deu: muito fôlego. A repórter passou mal não só pelo que viu e cheirou, mas também por imaginar como 80 presos viviam numa cela para cinco pessoas.
  Na época muitos reacionários reclamaram pelo dinheiro gasto com penitenciárias tão novas, colchões novos e tudo tão limpinho para aquele monte de “bandido”. O que muita gente não sabe é que nem todos que vão presos são bandidos. Há tantos erros em julgamentos, há tanta gente que vai presa sem ser julgada e só após o julgamento é revelada sua inocência. Mas daí a pessoa já ficou tanto tempo presa, que deixa de ser inocente, aprende a odiar, não tem mais jeito.
   Acompanhei a última “leva” de presos do Carandiru. Ao olhar aqueles homens eu sentia medo de alguns, pena de outros. Em alguns eu via a materialização do mal. Em outros eu via sofrimento e dor. Depois de esvaziado, entramos no Carandiru e havia uma energia tão pesada que tive dor de cabeça por dois dias. Numa das minhas idas para o interior, quando fazia três matérias por dia, em três cidades diferentes, pensei que era uma inauguração de penitenciária, quando tem prefeitos, políticos e alta sociedade, então fui de saia, salto e meia calça. Mas era uma vistoria do funcionamento, eu era a única mulher entre jornalistas, administradores, carcereiros e fotógrafos. Já estava acostumada a ser a única mulher em muitas ocasiões, mas não numa prisão. Meu “modelito” estava inadequado, deveria ter ido de jeans, tênis e blusa, mas não havia como voltar e trocar no hotel. Minha pauta era sobre como estavam os condenados trabalhando na panificadora do presídio. Alguns evitavam me olhar, nenhum me desrespeitou. Em alguns minutos já falavam sobre como suas vidas melhoraram, podendo trabalhar, sonhando em sair dali já com um ofício. Que era mais fácil dormir, porque estavam cansados após o dia de trabalho. Nas delegacias dormiam sentados, às vezes, em pé. Teve preso reclamando, mas me pediu para não colocar na matéria, porque ficou longe da família. Nunca dá para agradar a todos.
   Quando chegava o Natal, nosso plantão era dobrado, porque havia o induto, muitos presos não voltavam e, invariavelmente, tinha rebelião na FEBEM, agora Fundação Casa. Ninguém era reabilitado naquelas condições. Claro que eu não gostava de ver aqueles meninos queimando colchões, mas entendia a revolta deles em ficar preso num lugar insalubre daqueles, para se reabilitarem. No Natal, os meninos ficavam mais revoltados. Queriam estar com a família, queriam uma comida decente.
   Penso que as prisões não melhoram ninguém, é uma punição severa, para aprender que não se deve roubar ou matar e, ao sair de lá, não repetir o erro. Mas em liberdade não conseguem emprego, tanto faz se mataram ou se roubaram uma cesta básica, estão marcados para sempre. Não importa o delito, importa que passou pela prisão e aprendeu a ser bandido. Daí, essa gente que passa droga na esquina, que sobe o morro para pegar a quantidade que o playboy pediu, vai presa, é espancada, fica lá uns anos até o julgamento. Mas essa mesma gente vê um flagrante do helicóptero de deputado, lotado de cocaína, dentro da fazendo do deputado, mas nada acontece, o deputado não sabe de nada. Dessa vez pode responder o processo em liberdade. Isso é ou não é para revoltar?
   Daí, o preso que está lá cumprindo pena há anos, lutando por uma condicional, por um regime semiaberto, vê um político que consegue em dias mudar o regime e na mesma semana um emprego como gerente de hotel, recebendo 20 mil reais mensais. Isso deve revoltar muito o preso comum. Daí a gente vê alguns políticos sendo condenados, enquanto outros estão ilesos e operantes. Isso me deixa bastante indignada. A Justiça funciona para alguns, não para outros.
   Dizem que todos merecem uma segunda chance. Eu não tive a minha. Serei sempre a mãe que perdeu a guarda da filha, marcada como uma presidiária. Logo teremos mais um induto de Natal. Será que terei meu induto? Será que o juiz será tocado pelo espírito natalino e vai pensar “poxa, a menina passou 2 anos longe da mãe, nunca mais viu os antigos amigos, perdeu o vínculo com a irmã, bem que podia passar o Natal com a mãe e a irmã”. Basta assinar um papel! Fico esperando meu induto de Natal. Mas nessa época vem junto o recesso judiciário, que deixa tudo parado. O que poderemos esperar deste País? O que mais eu posso esperar?