quarta-feira, 3 de junho de 2015

A Dor e a Flexibilidade

   Fazia tempo que não sentia tanta dor, daquelas de acordar com falta de ar no meio da noite, com dor forte no peito, sensação de abandono. Mas não era infarto, era amor. Há 10 anos não me apaixonava de verdade, desta forma física e metafísica. Sempre mantenho no racional, ou tento. Queria parar de sentir essa dor que não me habituo. Me disseram que amor sem sofrimento é capricho, penso justamente o contrário: sofrer de amor é um capricho, um luxo que não tenho, nem me permito.
  Então me deu vontade de sentir uma dor muscular, uma dor real. Então fui nadar, depois de três anos parada. Afinal nadadores são todos uns masoquistas, que gostam de sentir dor, de ficar cansados e olhar para aquele monte de azulejo o tempo todo. Nadar é repetitivo. É muito técnico, é silencioso. É introspectivo demais.
  No primeiro dia foram 1.800 metros que pareceram 18 km. Mas voltei no dia seguinte para uma equipe que me recebeu com palmas e sorrisos. Os braços pareciam que não rodavam, não puxavam água. E quando o técnico falou 3 séries de 3 de 200 metros progressivo, achei que era três demais e que nadaria do jeito que desse, porque não poderia progredir naquele momento.
    Á noite estava tão esgotada que adormeci às 21h30, junto de Miranda. Acordamos a tempo de ver o sol nascer na praia de Santos. Foi lindo. E a dor nos braços, que pareciam inchados, era muito maior que a dor no peito. Passei parte da manhã que começou tão cedo, me alongando. Lembrei dos tempos de treino pesado mesmo, 4 horas por dia, 7 dias por semana. Nos alongávamos longamente antes de entrar na piscina. Constatei que a flexibilidade alcançada na força é  importante para toda a vida. No alongamento forçamos ao máximo os músculos e articulações e paramos o maior tempo possível na mesma posição. Pensamos que atingimos o limite. Mas na segunda vez o corpo estica mais. E mais ainda na terceira. O limite é uma questão de treino. Passar do limite é questão de paciência. 
    Dói alongar, mas depois que acostuma, a dor cessa e é quando podemos esticar ainda mais. E no terceiro dia de piscina os braços doíam menos. Ser flexível é saber parar no seu limite, respeitar o limite do seu corpo. Depois perceber que pode ir mais longe. É poder virar para todos os lados. Uma pessoa flexível aceita o limite do outro. Aceita suas dificuldades, divergências e limitações. Entende que é preciso saber a hora de parar e ceder.
      Muitas vezes fui questionada, por quem nunca foi nadador ou atleta, o que eu ganhava nadando tanto, já que eram só medalhas e não tinha salário. Eu ganhava  e continuo ganhando viagens, novos lugares, força, flexibilidade, disposição e, o melhor e mais importante de tudo, amigos.
    Hoje a série principal foi 1 de 500m, depois 400m, 200m e 100m, progressivo, pegando a frequência cardíaca. Consegui fazer, apesar da frequência ter chegado 190 por minuto. Meus braços acostumaram ou tiveram a tal memória celular, que um dia me explicou a querida nadadora Cyntia Higa, e já conseguiram puxar mais água. Como sempre digo, melhor que doam os braços do que o coração. 

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