quarta-feira, 4 de março de 2015

O Sarro que Fortalece e o Bullying Destruidor

   Quando eu era adolescente também existia bullying. Eu usava óculos e me chamavam de "quatro olho", mas eu nem ligava porque desde a tenra infância gostava de óculos. Depois começaram a me chamar de Velma, do Scooby Do, porque eu era metida a saber tudo e parecia mesmo com ela. Adorei tanto o apelido que nem pegou. Na natação começaram a me chamar de Fanta por causa da cor do meu cabelo. Fiz até pulseirinha com o nome, não pegou. O que eu detestava mesmo era o apelido de "mosquitinho" dado pelo meu primeiro professor de natação. Detestei tanto que nadei muito para ficar forte e grande e não fazer mais sentido o tal apelido. Aliás, o professor Roberto dava apelido antes que qualquer engraçadinho pensasse em dar. Nos ensinou cedo que o sarro viria e teríamos de ser fortes para encará-lo de frente e sem medo nem de chorar.
    Mas quando eu via que o sarro chegava na cor, no peso ou na falta de dinheiro ou habilidade dos meus amigos, eu partia para cima, literalmente. Cresci e fiquei grande cedo, então até os meninos respeitavam meus braços e tamanho. Na escola, eu levantava o punho e ameaçava, caso não parassem de tirar sarro de quem já estava chorando. Depois me tornei um pouco mais diplomática...
     Então penso que o bullying sempre existiu e talvez tenha tornado muitas pessoas mais fortes. Os nerds de ontem são os vencedores de hoje. E as bonitonas e bonitões de ontem podem ter sofrido mudanças drásticas com a perversidade do tempo. Se não há nada de muito sólido no coração ou não se tem cérebro privilegiado, sinto dizer, caso não saibam, beleza acaba. E nem sempre as cirurgias plásticas dão certo.

   No final dos anos 80, quando estava no terceiro colegial e era popular entre atletas e nerds, bonitões e magrelinhos, via com tristeza um grupo ser chamado de "bicharada", porque eram visivelmente afeminados. Um outro garoto, dos mais ricos, que já tinha carro aos 16 anos e, para mim, muito bonito e inteligente, começou a passar o intervalo com eles, indo junto comer pastel. Perguntei se não se importava de ficar com os meninos na frente de todos. "Não, pelo contrário, combinei de irmos estudar lá em casa, porque vão me tirar umas dúvidas de química e física". Sim, os meninos da "bicharada" eram ótimos alunos. Passados quase 30 anos, conversei sobre isso com o tal amigo rico. Nunca imaginei, mas ele também sofria bullying, justamente por ser tão rico e sempre chamado de playboyzinho. Se achava fraco e franzino e que as garotas se aproximavam dele pelo dinheiro, não pelo que era realmente. Me disse também saber que eu não era uma dessas garotas e também por isso nunca me esqueceu. Acredito que nunca esqueceremos quem nos defendeu ou nos defenestrou.

   O que vejo hoje é tão pior. Porque existe internet! Não é só o sarro que nos fortalece. É o sarro que humilha, rejeita, coloca abaixo do cocô do cavalo do bandido! Deixa adolescentes deprimidos sem sair da cama. Fiquei muito mal quando vi uma garota linda, que era pura doçura e gratidão, me mostrar na internet fotos da "menina mais feia do colégio", rindo. Fizeram até página com fotos dela, só para todos comentarem e "zuar". Não consegui disfarçar meu repúdio. Quis parar de ver e cada vez mais fotos que a pobre menina mesma faz e coloca no facebook. "Mas ela pede para ser zuada". Não, ela não pede, ela não se acha feia e tem pais que a amam muito e a aprovam. Ainda tentei persuadir a parar com aquilo, dizendo que ela poderia se tornar a garota mais linda e popular em um futuro próximo, dando exemplos da minha adolescência. "Mas você viu como os pais dela também são feios?". Fui dormir triste pensando em como os jovens são cruéis.

    Nessa semana, uma moça passou mal, teve diarreia no meio de uma balada em um dos lugares mais badalados de Ribeirão Preto. Não procurei saber quem é essa coitada, mas já deve estar mudando de cidade, porque a história espalhou-se viralmente pela internet. Nem eu sei o que quero dizer com esse texto. Só sei que dói em mim ver isso o tempo todo de forma arrasadora. Não é mais uma brincadeira de mau gosto, entre amigos, como há 20 anos. Hoje é uma maldade generalizada com quem não se conhece. É uma inconsequência tão grande que pode acabar com a vida de um jovem para sempre, com traumas que nunca serão superados. Tenho medo e pena, ao mesmo tempo, de quem trata o outro dessa maneira. Pode me faltar tudo, mas nunca me faltará humanidade. Nessas pessoas, falta.

   Essa é uma canção (Sounds of Silence) que ouvia muito na adolescência, quando aprendia inglês sozinha, traduzindo músicas. Sempre me ajudou muito nos momentos de solidão. Aprendi também que estar sozinho é bom e que os outros são só os outros, nunca saberão o que somos realmente, o que temos por dentro. Nosso lado mais sombrio ou mais amoroso só nós mesmos conhecemos profundamente e mais ninguém. E se algum adolescente que sofre estiver lendo esse texto, saiba que isso também vai passar. Você será sempre você o os outros, apenas os outros.

* Coloquei a música traduzida porque não quero causar bulliyng em quem não sabe inglês.

http://youtu.be/-BO_6luBp34
    

3 comentários:

  1. Ah, sei bem o que é isso... rs... Tímido, feio, magrelo, pobre, péssimo em futebol, e ruim de notas... Enfim.., Todas as misérias em um só ser... Não cortei os pulsos por isso. Uma simples troca de colégio foi suficiente e, com o tempo e a maturidade, a percepção de que mais importante é saber onde quer chegar. Realmente as crianças podem ser crueis... Mas, em meu caso, os professores também praticavam bullying - mas aí era reflexo do período de ditadura que vivíamos, que fazia todos os que se julgavam ter alguma autoridade extrapolar. Como você, doce Adriana, adoraria reencontrar alguns dos que me atormentavam... Só uma vez... kkkk

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    1. Veja só, querido Carlos, você continua tímido e péssimo no futebol rsrs. Mas imagino o quanto é invejado pelos barrigudos com seu corpo esguio. Notas baixas? Sei que superou muito bem tudo isso sendo o jornalista que é. Pobre? Bom, sabemos que são poucos os jornalistas realmente ricos de grana, mas de espírito e conteúdo, você também superou muita gente que tirava esse sarro todo. Beijos.

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  2. Pô, achei que pelo menos a timidez eu tivesse superado..rs.. Mas está bem.. Rio muito de tudo isso que me chateava.. Bjs

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