quinta-feira, 22 de março de 2012

A comoção causada por Renata Câmara Agondi


   Quando espalhou-se a notícia sobre a mudança de uma nadadora do Clube Fluminense (RJ)  para o Clube de Regatas Saldanha da Gama, foi criada certa expectativa nas equipes santistas. A garota tinha uns 17 anos e além de boa atleta, era linda, bronzeada, tinha olhos azuis na piscina e verdes no mar. E o sorriso ficava ainda mais perfeito por conta da simpatia. E também tinha um certo charme carioca ao falar. Renata era tão legal que dava atenção para todo mundo, até para mim, uma pirralha de 12 anos, que nadava em outro clube, o Vasco da Gama.

   Por essas irrefutáveis voltas que o planeta dá, passamos a treinar juntas a partir de 1986, no Internacional de Regatas. Então tive o privilégio de conhecer melhor a pessoa e a nadadora Renata, de dividir a raia nos treinos, nos revezamentos, o chuveiro no vestiário, as músicas dos Beatles. A presença dela era sempre querida e aguardada. Como nadadora era determinada, eficiente e muito resistente. Tanto que foi se especializando em águas abertas, começou a nadar no mar, logo teve destaque nacional e partiu para provas no exterior. Em seguida Renata foi treinar no Santa Cecília, onde já fazia faculdade. E eu parei de nadar aos 17 anos, quando entrei na faculdade. A última vez que nos vimos foi numa competição no Inter, afinal eu havia saído da natação, mas a natação não saiu de mim. Fui torcer pelos amigos que ainda treinavam e matar a saudade do cheiro de cloro e pés molhados.
    Linda como sempre contou-me as novidades, entre elas que iria fazer o Canal da Mancha e tentaria quebrar o recorde mundial. Ainda me recomendou que voltasse a nadar, que era muito nova para parar. Mas eu tinha me convencido de que não valia mais contar tanto azulejo sem melhorar a performance, estava cansada do mesmo sempre. Daí falou com muito entusiasmo dos treinos e competições em mar aberto, que precisa ter mais resistência e quanto mais velhos, mais resistentes ficamos e menos explosivos. Também contou do inesperado das provas, que dependia de condicões climáticas. Alguns meses depois, em agosto de 1988, ela embarcava para a Europa, para mais uma grande conquista.

   Há duas semanas fiz um treininho de mar aberto com uma turma de nadadores masters, fomos de barco até a Ilha das Palmas (Santos), nadamos de lá até uma prainha. Confesso que tive de deitar na areia quentinha porque a água gelada deixou meu corpo formigando e meus braços travaram de ficar inchados. Quase não consegui voltar, mas precisava manter minha dignidade e chegar logo, afinal Miranda, minha filhinha, estava na Ilha me esperando! A sensação de missão cumprida, mesmo arrasada, é indescritível. O cansaço muscular é o melhor relaxante.
   Como adoro turismo esportivo, aproveitei para passar o dia na Ilha, tão linda e cheia de opções. Boa parte dos nadadores fez o mesmo e, ao entardecer, esperávamos na lanchonete a próxima barca, olhando navios que passavam iluminados num mar alaranjado. Então alguém falou de Renata Agondi, alguém que não chegou a conhecê-la, mas conheceu sua história. Ela perdeu a vida há quase 24 anos, quando tentava atravessar o Canal da Mancha, e é lembrada e admirada por pessoas que não chegaram a conhecê-la.

     Na última terça-feira estava em São Paulo, voltando de uma reunião, com os jornalistas Norian Segatto e Flavio Prado. Apesar do esporte dominante nos nossos papos ser o futebol, o assunto no carro era natação, por conta do tal treino no mar que eu tinha feito. Passávamos em frente à TV Bandeirantes e neste momento Flavio lembrou da matéria que fez com a nadadora Renata Agondi, poucos dias antes dela viajar, foi até Santos e a acompanhou no treino. Como prefere futebol a qualquer esporte não tinha tanta vontade de fazer, mas como repórter competente fez e da melhor maneira. Contou que já gostou quando a viu, porque era linda e simpática. Depois, tão bacana, comunicativa e simples também.
    Nos impressionamos como faz tempo que isso aconteceu. Eu me lembrava perfeitamente de como fiquei sabendo pela TV da morte da ex-companheira de equipe, quando esperava ouvir sobre seu recorde! Ele também lembrava. Ficou muito chocado e fez uma matéria em homenagem logo depois. E eu fiquei impressionada como em tão curto espaço de tempo a lembrança da Renata se fez tão presente.

   A comoção que causa o final trágico desta nadadora não é só porque foi tão jovem, era tão linda, carismática e talentosa. Quantas vidas não terminam assim? Mas Renata perdeu a vida fazendo o que mais gostava e para o que estava mais preparada. A causa foi hipotermia, mas o que levou a essa causa, ninguém saberá. Não importa. O que importa é que a passagem meteórica de Renata na vida das pessoas foi marcante. Ela era realmente muito impactante. Fico tão emocionada por saber que continua inspirando jovens e antigos nadadores, é exemplo não só de determinação e coragem, mas de respeito. Temos que respeitar limites, quando impostos pela natureza. Nem o nadador mais experiente ou  mais rápido pode vencer a água. Só temos que vencer o tempo.

Um comentário: