quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O Masoquismo que Me Deu Resistência

    Na última segunda-feira, perto da meia-noite, enquanto esperava o ônibus na rodoviária de Ribeirão Preto para voltar para Santos, recebi uma mensagem do escritor/filósofo Paulo Ghiraldelli para ler uma matéria, antes de ver o filme. Curioso, pois não nos conhecemos, apenas somos adicionados numa tal rede social chamada facebook. Não sei o que ele sabe de mim, dos meus interesses filosóficos ou da minha humilhação constante. Mas li, claro! Era sobre o filme que está para ser lançado, a história da filósofa alemã, de origem judaica, Hannah Arendt. Essa mulher filosofou sobre a humilhação. Na matéria tinha um trecho assim:

"O que é realmente humilhante? Morrer como um inseto, mas se sabendo um inseto. Isso é humilhante. Mas morrer como um inseto, reconhecendo-se inseto e sob as botas de um idiota que o derrotou, isso sim é humilhante para valer. O que Hannah Arendt fez com os judeus logo após o julgamento de Eichmann foi humilhar os judeus ainda mais que isso. O que ela fez foi contar ao mundo que eles haviam sido mortos como insetos nas botas de um vencedor que não era um monstro ou um demônio, mas simplesmente um simplório, um medíocre qualquer, um idiota.
Isso quase a transformou em uma partidária do antissemitismo aos olhos da comunidade judaica de Nova York. Até seus amigos mais queridos, lá em Israel, lhe viraram o rosto. Como já havia acontecido em Atenas e, depois, em tantos outros lugares, o filósofo não foi entendido e teve de pagar um preço alto pela burrice alheia e pela sua necessária ingenuidade. Afinal, um filósofo não ingênuo não seria filósofo."

    Então me senti o inseto massacrado por um medíocre qualquer, um idiota, que assim como Hitler, conseguiu apoio de poderosos. São 7 horas de viagem de Santos para Ribeirão Preto, depois de Ribeirão Preto para Santos, para ficar durante 2h30 com minha filha, na sala cinza e fria de um Fórum, monitorada por uma psicóloga. É muito humilhante, mas é o que eu tenho para manter viva a minha lembrança para minha filha, para que eu possa levar fotos em que ela reconheça seus amigos e a vida que lhe foi arrancada. É humilhante para nós duas, mas ainda mais para mim, julgada o tempo todo, sinto os olhares curiosos e críticos de todas as mulheres que passam por nós naquela sala. Isso é ainda pior. São mulheres, todas mulheres. Sinto o machismo em muitas mulheres, em amigas traídas que culpam a outra mulher pela traição. Ora, a outra mulher não a conhece, seu marido que traiu, sim. Vejo o machismo feminino quando toleram o pai que não reconheceu a paternidade e zombam de mães solteiras. Sinto o machismo quando escuto :"se perdeu a guarda, não é flor que se cheire". Não, já fui flor que se cheire, hoje sou a que espeta! Já espalhei pétalas, hoje junto os cacos.
    Vencida pelas lágrimas, pelo incômodo nas costas de ficar duas noites seguidas sentada em um ônibus, procurei ler algo que me alegrasse, fui no blog Epichurus, do nadador Renato Cordani. Talvez ele não lembre, mas nos conhecemos em 1985, no aeroporto de Miami, onde ficamos por 8 horas esperando passar o Furacão Helena, sentamos juntos no avião e ele parecia um dos caras dos Beastie Boys, aliás, sempre acho os nadadores adolescentes parecidos com os caras do Beastie Boys. Esse blog é muito específico para nadadores, anárquico e democrático, abre espaço para que outros escrevam textos nele também. São textos divertidos, explicativos, deliciosos de se ler.
     Li o post de outro nadador, muito querido, Rodrigo Munhoz, sobre o masoquismo de nadar 400 medley, a prova mais dolorosa da natação. Acho mesmo que atletas são masoquistas, porque é muito bom sentir a dor pós-treino. Mas a natação, principalmente aquela dos tempos em que nem todas as piscinas eram aquecidas, é o mais masoquista dos esportes. Daí fui fazendo uma viagem no tempo, além da literal, que doía as costas. Por que nadei tanto? Tantas viagens, por horas dentro de ônibus lotado de atletas cantando, perturbando, não deixando dormir... talvez, só talvez, isso tenha sido um preparo para tantas horas semanais dentro de um ônibus, talvez aqueles treinos inesquecíveis, como os 15x50m para 45", pagando no final os "tiros" em que eu passava de "45, ouvindo meus melhores amigos tirando sarro, enquanto eu tirava as lágrimas dos oclinhos, tenham sido uma preparação para tudo o que estava por vir: dor, humilhação e muita resistência.
   Lembro dos treinos quase desumanos do Ênio Faria, como os 100x100m, para 1´40"! Isso mesmo, 10 km nadados de forma completamente tediosa, cansativa... quantas vezes eu pensava em sair da piscina e ir para o chuveiro quente? Mas nunca ia, eu continuava e não sabia porque continuava, mas para mim, missão dada é sempre missão cumprida. De alguma forma era um preparo. Por algum motivo fui cair nesse blog de nadadores para me lembrar de tudo isso e também lembrar que demorei para conhecer o machismo, porque mesmo sendo um lugar dominado por homens nunca fui criticada por estar peluda, porque não dá para estar sempre depilada e nós deixávamos isso para os finais de semana, assim como os garotos se raspavam inteiros e ninguém tinha nada a ver com isso. Jogávamos futebol, vôlei e basquete nas horas vagas e nunca ouvi "isso é coisa de homem", as meninas mais "namoradeiras" eram até admiradas, porque encontravam tempo para isso, não criticadas, meus namorados nadadores nunca reclamaram por eu ter a maioria de amigos homens, nem se importavam se eu dormia em casa de amigos ou viajava com amigos.
    Tem que haver um sentido para tudo isso e talvez eu não estivesse aguentando tudo se não tivesse sido tão masoquista quando nadava. Obrigada técnicos carrascos! Obrigada amigos nadadores feministas, obrigada pai por ter me obrigado a fazer natação!
    Outra curiosidade é que a natação sempre está ligada com o rock, a maioria coloca uma música na cabeça para dar ritmo e não enlouquecer com o barulho repetitivo da água nos ouvidos, então tenho muitas amigas de infância totalmente rockeiras e nunca sofremos preconceito por isso. Rock sempre foi coisa de gente, nunca coisa de homem. Hoje vejo como muitas músicas de amor cabem perfeitamente no meu amor maternal, o maior amor do mundo.

Obrigada Julian Casablancas por dar melodia e voz para o que sinto! 


  

6 comentários:

  1. Haverá o dia em que toda dor se transformará em alegria. Haverá o dia em todo o sacrificio será recompensado. E quando esse dia chegar agradeça por não ter sido abanadonada pela única força capaz de nos manter em pé nos dias escuros, agradeça pela ESPERANÇA, que na verdade é só um outro nome para AMOR.

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    1. Muito obrigada por suas palavras, André! Quando esse dia chegar, quero encher esse blog de alegria, esperança e otimismo. Amor eu até que coloco bastante, por mais que a vida tenha sido muito dura comigo, ainda sinto muito amor pela humanidade... abraços!

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    2. Mesmo que não pareça, seu blog é sim cheio de otimismo e esperança, pois quem não foge à luta, quem não desiste,carrega os dois dentro de si. Quanto a alegria, bem, a alegria também está presente, pois cada um colhe o que semeia, e pelo que tenho lido você está semeando a alegria futura, sua e de sua, filha que vai poder dizer no futuro que a mãe dela nunca desistiu e lutou com todas as forças e isso ninguem vai poder tirar de vocês. Um beijo no coração!

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  2. Choremos então Adriana! Para que as lágrimas limpem nossos corações das mágoas e dos ressentimentos e só restem a esperança, o amor, a vontade de lutar e de viver. Sua luta narrada aqui inspira a muitos, eu inclusive, e te confesso que já chorei por você equanto lia sobre o dia em que suas vidas mudaram sem aviso nenhum. Admiro sua coragem em lutar, em se expor, em não abrir mão.
    Seu choro só te torna mais digna, mais nobre, mais humana.

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    1. André, primeiro, te agradecer por essas palavras, que me deram força para mais uma viagem bate e volta para Ribeirão Preto...

      Segundo, quanto mais choro, mais feia fico por fora, porém, mais limpa por dentro e com ideias mais claras sobre tudo! Nunca dei mesmo muita importância para padroes de beleza exterior... essas suas palavras me fizeram derramar mais lárimas, porém, de esperança... beijos!

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