O relatório divulgado ontem pela ONU
mostra um futuro sombrio e, praticamente, insuportável. Foram mais de 700
cientistas de 100 países para reafirmar o que já foi avisado na Eco 92, no Rio
de Janeiro: o homem e sua ganância, o “progresso” que acaba com florestas, água
potável, oceanos e oxigênio, vai tornar a vida no planeta maravilhoso, cada vez
mais difícil. O pior que esses danos são irreversíveis e não imagino a
humanidade, milagrosamente, tomando consciência disso. Nem vislumbro os
governos, principalmente dos EUA, usando alta tecnologia para criar soluções sustentáveis,
pois ainda preferem investir em armamento bélico, assim destrói tudo mais
rápido.
Em 2050, segundo os cientistas, a África estará sem água, a China sem
ar e plantações, a Europa sofrendo enchentes e o Brasil com clima seco e
temperaturas muito elevadas (nós temos o triste posto de campeões de
desmatamento no mundo). De que adianta eu me cuidar, fazer esporte, ter
expectativa de vida aumentada se quando chegar aos 80 anos (se não “morrer de
susto, bala ou vício” – como cantou
Caetano Veloso) mal poderei respirar e tomar água?
Não era por rebeldia ou
feminismo radical que eu dizia, na adolescência, que não queria ter filhos. É
que desde muito cedo tomei consciência da destruição humana. Até 1982 era
possível ver tartaruguinhas saindo das cascas e correndo para o mar no Costão
das Tartarugas, o Tortuga, na praia da Enseada, Guarujá. Mas então a Prefeitura
da época liberou a construção de três prédios de 30 andares bem ali na frente da
praia, onde até hoje não é permitido prédios de mais de quatro andares. E as
tartarugas sumiram. Vieram ambientalistas de toda a parte fazer manifesto, me
juntei a eles, conheci o Greenpeace e outros radicais. Não houve alemão que
fizesse mudar o quadro ou fazer cumprir a “Lei”.
O grande golpe, a apunhalada final
foi saber que meu pai vendeu material para a construção dos malditos prédios
horríveis que enfeiam a paisagem até hoje. Minha vontade era implodir tudo
aquilo. Foi nossa primeira briga feia. O chamei de capitalista selvagem,
exterminador de animais. Ele tentava me explicar que se não fosse ele, outra
distribuidora de cimento venderia, não tinha jeito. Graças àquela construção sinistra,
meu pai comprou a primeira casa própria. Ele dizia que queria me dar o melhor.
Eu respondia que o melhor para mim era continuar vendo as tartaruguinhas
correndo para o mar. Tinha 12 anos e uma utopia juvenil meio doentia. Depois
entendi que lutar contra o sistema só sendo muito radical mesmo, extremista,
tipo luta armada.
Continuei não querendo colocar mais gente nesse mundo com
excesso de população, mas aos 30 anos, quando engravidei sem planejar, pensei
que seria maravilhoso poder passar meus ensinamentos e consciência ambiental
para alguém. No tempo de convívio que tive com Dora, minha filha mais velha,
sei que passei os melhores valores de preservação, respeito e proteção animal e
ambiental. Tanto que, aos 8 anos, ela já falava que queria fazer Biologia Marinha.
Adorava os oceanos e a vida no mar. Miranda, minha filha mais nova, de 5 anos,
diz que quer ser veterinária.
De certa forma elas são bem mais práticas e
efetivas do que eu. Depois de me envolver na causa ambiental, fui me
interessando por várias outras: proteção animal, legalização do aborto,
eutanásia, inclusão social, acessibilidade universal, feminismo... é muita
causa para uma pessoa só. Daí me iludi pensando que fazendo jornalismo poderia
denunciar, divulgar, esclarecer e conscientizar sobre tudo isso. Talvez fosse inocente
ou uma arrogante. Ou os dois. Só sei que fracassei. Minhas filhas serão mais práticas,
tenho certeza. Assim como tenho certeza de que acertei tendo essas duas filhas,
que poderão fazer diferença nesse futuro macabro que nos espera.
O ser humano
se adapta fácil. Penso que esse período em que Dora é obrigada a morar na cidade
de clima mais quente e seco que já conheci é uma espécie de preparo para sua
vida adulta num mundo de tantas mudanças climáticas. Pensar no futuro é estarrecedor, por isso vou
aproveitar e tomar muita água, mergulhar nas ondas enquanto as temperaturas
permitem e tratar de procurar um terreninho na montanha, com cachoeira no
quintal. Igual ao lugar lindo que eu morava com Dora em Paraty (RJ).
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