quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A Espera de Miranda


   Quando sua irmã foi levada, faltava uma semana para Miranda completar 2 anos. Durante os primeiros 15 dias ela corria para o portão cada vez que ouvia uma buzina. Pensava que era a perua da escola trazendo a irmã para casa. Por alguns meses ficava olhando fotos das duas juntas, abraçava a foto e repetia, quase chorando: “Cadê minha Doinha?”. Nem eu sabia onde estava a irmã dela, mas dizia que estava viajando e logo voltaria. Passado mais de um ano, Miranda percebeu que a irmã não iria voltar. Uma das vezes que mais me doeu foi quando Lucas Chigres, um amiguinho de Paraty, que veio com a mãe Kátia, minha amiga, passar uns dias em Santos, perguntou sobre Dora. A resposta: “minha irmã morreu”.
    De certa forma, Miranda tinha razão. O que é a morte? É ter alguém e esse alguém desaparecer da sua vida, nunca mais ouvir a voz, sentir o cheiro ou ter qualquer notícia. Por mais de dois anos foi o que aconteceu na vida de Miranda. Ela tinha uma irmã e de repente, não tinha mais.
   O meu bebê fofo e meigo, que até hoje prefere bonecas bebês e não barbies, tornou-se combativa e agressiva. Talvez porque tenha passado a ser filha única ao mesmo tempo que o fantasma da irmã era sempre presente. Parei de contabilizar as vezes em que Miranda me acompanhou em Fóruns, delegacias para fazer Bos, viagens até Ribeirão Preto para ver a irmã que não davam certo.
    A primeira vez que encontram-se, no consultório do psquiatra infantil José Hércules Golfeto (avô de Dora), a cena foi estarrecedora. Miranda tremia e chorava, como se realmente tivesse visto um fantasma. As duas irmãs ficaram abraçadas no chão, chorando. Dora pensava que Miranda não lembrasse mais dela. Miranda pensava que Dora não existisse mais. Fiquei emocionada, chorei, mas também fiquei feliz, pois de alguma forma, o vínculo entre elas era forte e não fora rompido.
   Porém foi uma ilusão pensar que a partir daquele momento as coisas melhorariam. Foram mais 1 ano e nove meses para que um encontro decente acontecesse. Após a perícia da psicóloga forense, ficou claro que o vínculo havia sido quebrado. Não sou eu quem está dizendo, foi a própria psicóloga que escreveu isso, no laudo que está no processo.
    O primeiro encontro em liberdade ocorreu de forma inesperada. Eu estava em Ribeirão para resolver outras pendências. Com toda a morosidade do judiciário, após não conseguir ver Dora nem com ordem judicial (e mais uma vez Miranda aguardou em vão e seguiu comigo para uma delegacia), imaginei que os trâmites legais se arrastariam por mais alguns meses. E de repente estava andando na luz do Sol com Dora, sem psicóloga, sem paredes, sem policiais na porta. Mas Miranda não estava.
    Contei que vi sua irmã, que passeamos e que ela iria junto da próxima vez. Miranda contava os dias. Perguntava: “Vamos poder tomar sorvete? Vamos passear pelas ruas?”. Parece algo tão banal (e é), mas absolutamente novo no mundinho dela. Então eu disse que nossa amiga Adriana Abujanra e suas filhas, Sofia e Manu, iriam nos encontrar também. Elas viriam de São Carlos passar o Dia das Crianças com a gente. “Mas mãe, nós vamos encontrar a Dorinha!”. Expliquei que ficaríamos todas juntas, nós, a Dri e suas filhas, a Paola e suas filhas. Miranda dava pulos de alegria! A cada manhã acordava perguntando quantos dias faltavam para ver a irmã. Doía em mim o tanto de ansiedade desta criança.
     E quando novamente paramos em frente a casa da família Golfeto, seus lindos olhos negros brilhavam e seu sorriso de covinhas era ensolarado. Queria andar abraçada, de mãos dadas e quando entrou no shopping disse que não ia largar a Dorinha, “pra todo mundo ver que ela é minha irmã”.
   Mas agora, quando tudo parece que vai melhorar, me encontro em outro dilema. Miranda tem ciúme da irmã, afinal, ela nunca está e toma conta do meu tempo, mesmo nunca estando. Miranda era feliz em Santos e agora terá de mudar para Ribeirão Preto por conta da irmã. Ela tem uma mãe só pra ela, mas que não é só dela, porque tem essa irmã distante, que nunca está.
   E Dora não tem o amor que tinha porque o amor é construído na convivência, nos pequenos momentos, nos grandes, nas viagens, nas festinhas, no levar e trazer para ballet, natação, escola. E Miranda sofre e, apesar de ser brilhante e inteligente demais, não consegue entender o porquê destas coisas todas. E eu tento explicar da forma mais sincera. Falo da Justiça, falo de guarda, falo da outra parte, falo de advogados. Não há forma lúdica para falar sobre isso. E agora eu sofro porque nada é, nem será como antes. Sei que não podemos viver no passado, nem no futuro. Mas o presente não está bom, faz tempo que não está.
   O que escuto de advogada, psicopedagoga e profissionais dessa categoria de psicos (categoria essa que por motivos muito pessoais, tenho sempre os dois pés atrás) é que isso é natural. É natural que elas tenham perdido o vínculo. É natural que se estranhem depois de quase 4 anos. Natural? Não vejo nada de natural nisso. Não foi natural a separação brusca, tantos juízes no processo que não decidiam nada, os advogados da outra parte usando todas as brechas da Justiça para procrastinar ainda mais esse encontro. Não foi natural o promotor ler um monte de acusações sem provas e dar um veredito me proibindo de ver minha filha.
   Agora dizem que preciso procurar uma psicóloga para Miranda. Quem vai pagar isso? O promotor que foi assinando sentença sem me ouvir? O juiz que não leu minhas contra provas? Jonas Golfeto que, ardilosamente, fez essa separação durar 4 anos? Antes eu tinha duas filhas e sabia tudo sobre elas e nenhuma apresentava qualquer problema físico ou psíquico. Agora eu tenho uma filha que não sei nem os nomes dos médicos (alergologista, oftalmologista e psicanalista) que tratam de suas alergias a quase tudo e olhos constantemente inchados e vermelhos, e outra que é mais forte que um touro, mas precisa de terapia. Quem paga pelo trauma de Miranda? Quem é o responsável por toda essa espera e ansiedade?

4 comentários:

  1. Duas novas "gestações", né Dri? E tenho certeza que você continuará transbordando amor e ajudando estas duas pessoinhas serem as melhores. Porque ninguém é mãe por acaso, o poder criador embutido em você é maior que tudo isto. Eu tenho certeza que logo, logo vamos chorar de alegria por ver histórias tão lindas que você vai nos presentear neste espaço. Grande beijo. Eli

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    1. Eli, obrigada! Eu já choro tanto e chorei lendo isso q vc escreveu... e quero escrever muitas histórias lindas com essas duas meninas tão lindas. Bjs

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  2. Amiga, irmãos são assim mesmo, disto eu tenho experiencia. Brigam mas só entre eles, só irmãos tem direito de brigar com irmão...nem mãe pode se meter. Apesar de brigarem se amam. Apenas continue sendo essa mãe amorosa, dedicada, paciente. As coisa logo se acertam. Quero participar de um destes encontros, eu e Maria.

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    1. Vamos pra Ribeirão Preto? Ou, se tudo der certo, ano que vem posso passar a noite com ela, mas não vai dar pra viajar, pega no sábado 14h, devolve domingo 16h... obrigada por tudo, Simone!

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