Recebi
o e-mail de uma mãe que perdeu a guarda do filho. Outra Dri. Como
eu, como a Adriana Botelho. Li com dois dias de atraso e escrevi
imediatamente. Essa Dri
estava desesperada, disse estar trancada no quarto com uma faca,
querendo se matar, que não suportava mais tanta humilhação e essa
dor que a rasgava por dentro. Me escreveu porque leu esse blog e
sabia que eu conhecia essa dor. Também sei que quando alguém quer
se matar primeiro pede socorro. Sei que é uma forma de chamar a
atenção para o seu sofrimento. E que existem algumas tentativas,
antes de atingir esse objetivo, o
suicídio. Tentei
consolá-la e lhe dizer que não está sozinha, que não é a única
a passar por isso e que todas as mães que perdem seus filhos para a
Justiça, em algum momento, já pensaram em acabar com a própria
vida.
Não
é fácil enfrentar a burocracia do judiciário, que nos trata como
números. Não é fácil passar por esse processo de desumanização.
Muitas vezes me pego repetindo chavões em “juridiquês” e
tratando casos escabrosos com certa frieza. Mas quando aparece uma
mãe dilacerada por ser brutalmente afastada do seu filho, volto a
ser humana. Sinto a mesma dor e uma vontade enorme de abraçar e
chorar junto. Sei o quanto é castrador
ter a vida nas mãos de advogados, promotores e juízes. Muitos deles
que nunca nos viram e tão pouco viram o rosto de nosso filhos.
Pessoas tão entranhadas em papéis
e números que acham normal o afastamento. “É assim mesmo que
funciona a Justiça, tem muito processo para ler”. E quando o
reencontro acontece, geralmente após anos, escutamos que “é
normal esse estranhamento, com o tempo o vínculo volta”. Não,
nada disso é normal e alguma coisa precisa ser feita urgentemente
para mudar esse sistema
torpe. Não suporto
mais ver tantas vidas destruídas, tantas crianças órfãs de mães
vivas.
Essa
Dri me respondeu pouco tempo depois. Foi um alívio imenso saber que
não tinha se matado. Até
o seu jeito de escrever mudou. Talvez por saber que alguém entende o
que ela passa. Escrevi que não somos só nós. Falei de todas as
mães que conheço, algumas que vivem por conta de antidepressivos,
que também não viram seus filhos crescendo. Mais triste ainda foi
saber que ela só tem esse filho de 11 anos e que não pode mais ter
filhos. Me disse que tudo que queria era ter outro
filho, como eu tenho.
Isso me tocou tanto, que agora são 4h30
e não consigo dormir.
Mas vou toda hora no quarto ver Miranda dormindo. Estou aqui
prometendo a mim mesma ter mais paciência, ser mais tolerante e mais
amorosa. O processo tem me tirado essas virtudes. Tudo bem que
paciência nunca tive muita mesmo. Mas amor e tolerância nunca me
faltaram, até me excederam.
O
pai do seu filho também pegou a guarda e levou para longe, para
dificultar a visita, ganhar tempo no processo, afastar de todas as
formas mãe e filho. E a Justiça, como sempre, ajuda os mais
calculistas, com mais dinheiro e advogados de mau caráter. Sim, só
pode ser um mau caráter o advogado que, para defender os interesses
de seu cliente, não pensa no bem da criança. É cada coisa que
essas pessoas fazem por dinheiro... talvez eu nunca entenda o
interesse financeiro. Até no trabalho o meu maior interesse é o
prazer no que estou
fazendo, é a
novidade. Mas o sistema
judiciário já me fez pensar que a coisa mais importante do mundo é
o dinheiro, não o
amor. Ele, o
dinheiro, é capaz de
tudo, inclusive de tirar ou devolver a guarda de um filho. Alguém
duvida que esses pais que tiraram os filhos das mães são mais
abastados? Não. Porém
tenho todas as dúvidas se eles sabem o que é amor.
Talvez
eu não tenha falado para essa Dri sobre nossa outra xará Dri
Botelho. Em dezembro completará três anos que não vê a filha. O
pai português a levou para Portugal. Pior de tudo é pensar que
tenho sorte, já que minha filha está no mesmo Estado de
São Paulo. São só
seis horas de viagem. Em breve não será tempo nenhum, pois já
desisti de trazê-la de volta. Já que ela não volta, eu vou. Poucos
sabem como é duro deixar uma vida na praia e mudar para o interior,
para um
clima de deserto. Mas depois de quase quatro anos me dei por vencida.
Nunca fui tão persistente. Sempre
que algo me parecia muito difícil, tentava algo diferente. Mudava o
rumo, partia para outra, desistia. Mas
como desistir de um filho? Quantas vezes todas essas mães pensaram
em desistir enquanto as lágrimas corriam pelo rosto?
Dri,
espero que você leia o que estou escrevendo e saiba que não podemos
morrer em vão. Não tenho religião, não acredito na existência
de deus, não acredito na Justiça (muito menos na do Brasil) e
muitas vezes desacredito na humanidade. Me sinto uma excluída, que
não tem direito à própria filha. Mas por algum motivo que ainda
não entendi (e talvez nunca entenda) minha vida virou isso. Me
transformei numa pessoa mais dura e menos sentimental. Esse
sofrimento imposto não vai me tornar um ser humano melhor. Sinto o
tempo todo que estou perdendo a vida. Sei que poderia ser muito mais
produtiva. Poderia estar me cuidando mais, nadando, viajando para
lugares novos, fazendo planos de férias, poderia
namorar mais, me
divertir mais. Mas nem consigo dormir direito. Nem planejar nada.
Deixei o processo me guiar. Nunca mais serei como era. E tenho que
amar quem sou agora. Mesmo não gostando do que vejo. Por algum
motivo desconhecido nós temos que passar por isso. Pode ser para que
nossos filhos saibam que lutamos por eles. Que eles não são os
únicos que ficaram sem mãe por ordem judicial. Pode ser que juntas
nós processemos o Estado, afinal ele colabora para que um processo
de guarda, ou de simples regularização de visitas, que é o meu
caso, se arraste por anos, até a infância acabar.
Hoje
seria o aniversário de uma grande amiga minha, que se foi tão nova,
deixando quatro filhos lindos. Talvez por isso eu também não
consiga dormir. Pela
saudade e a falta que ela me faz. Só encontro minha amiga em sonhos.
Ela não volta mais
para os seus filhos. Mas nós estamos aqui. Nossos filhos ainda podem
ter a esperança de abraçar novamente suas
mães.
Por algum motivo lembrei da Zuzu Angel. Nossos filhos estão vivos e poderemos abraçá-los de novo. Para quem tem saudade da ditadura, por favor, pensem em todas as mães que não puderam nem enterrar seus filhos.
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