sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Incêndios


    Estava em Brasília, com meus amados amigos Angel Luís e Gabriela Cunha. Nossas crianças (minha filha Miranda e seus filhos Inaê e Rudá) dormiam tranquilos. Então abrimos um vinho tinto e resolvemos ver um filme. Gabriela escolhe Incêndios. Eu nunca tinha visto, nem ouvido falar. Gab afirma que vou adorar, “é um filme impactante, daqueles que precisam ser vistos duas vezes”. Gab e Angel são aquele tipo de gente que vê filmes perturbadores para dormir, justamente para afastar o sono, coisa que não lhes falta. Adoro esse tipo de gente.
   Só sei que é uma produção canadense, dirigida por Dennis Villeneuve e que foi adaptado de peça homônima. O autor libanês, Wajdi Mouawad, não achava possível sua obra ser transformada em filme. Mas Villeneuve mostrou apenas a primeira cena, que não tem palavras, só olhares e gestos, com música de Radiohead. Isso bastou para Mouawad perceber que todo o resto seria possível. Parei de saber por aí. Ao contrário de mim, Gabriela não gosta de contar as histórias, nem os finais. Melhor assim!
   Começa com tanta intolerância seguida de violência, que paro com o vinho para não doer também o estômago. Namorado refugiado assassinado na frente da moça que o ama. Bebê arrancado de mãe e levado para orfanato. Mãe desesperada atrás do filho, fruto de muito amor, tomado de seus braços na hora do parto. Crianças aprendendo a atirar, tendo como alvo outras crianças. Menino com ódio no olhar e lábios trêmulos, controlando a vontade de chorar. Radiohead arrebentando meu coração. Aliás, a trilha sonora inteira do filme é brilhante. Não exagera, nem exclui, só aumenta a dramaticidade de todos os incêndios, reais ou metafóricos.
   Uma mulher está em estado de choque e há 5 anos parou de falar. Após sua morte, um grande amigo e advogado, chama o casal de filhos gêmeos e entrega uma carta para cada. Pede para um procurar o pai. E o outro procurar o irmão. Os gêmeos olham-se confusos. O pai estava morto e não tinham conhecimento de nenhum irmão. Assim começa a busca pelo desconhecido. Desvendam toda a verdade sobre o passado de sua mãe. Prisioneira, torturada, sobrevivente. Nada disso sabiam. E a cada nova pista, algo mais estarrecedor. Sinto que o final será surpreendente. E foi...

   Volto a tomar vinho e conversamos sobre o filme. Nossas impressões sobre como a falta de amor pode transformar uma criança indefesa em um assassino cruel são as mesmas. Tudo é terrivelmente triste. Só consegui chorar deitada, esperando o sono que nunca vem, com as cenas se repetindo em minha mente, um roteiro tão bem amarrado, montagem perfeita, interpretações tão realistas. E esse tema que sempre me intrigou, sobre a razão em tanta guerra (religiosa, política, social, pessoal). Queria tanto ter um cérebro capaz de entender e de explicar.
   No dia seguinte falamos muito sobre Incêndios. E na outra semana. Também no mês seguinte. É uma película apenas para quem tem estômago e ao mesmo tempo sensibilidade de ver beleza em escombros. Mas considero um filme fundamental. E como gosto de trilogias, segue mais uma dica de um que me tirou o sono. Se é para ficar acordada, que seja por algo que realmente me afete.

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