sábado, 14 de novembro de 2015

O Mar de Lama


    Desde o rompimento das barragens em Mariana (MG), no último dia 5, tento escrever sobre essa catástrofe ambiental, a maior da história do País. Mas eu esperava mais notícias e meu instinto curioso e investigativo não cansou de procurar fora das grandes mídias nacionais. Porque se fosse depender de Rede Globo ou Folha de São Paulo para manter-me bem informada, só saberia como o brasileiro é solidário, como foi o resgate da cadelinha após 3 dias soterrada. O sofrível apelo ao sentimentalismo, sempre. Não que os desabrigados de Mariana não mereçam receber doações de todos os cantos do Brasil. Mas se a barragem rompida pertence à Samarco/Vale do Rio Doce, essas deveriam enviar todos os donativos, providenciar hospedagem às vítimas, tratar dos funerais.
   O que eu previa, no meu não acadêmico conhecimento ambiental, é que a contaminação seria grande e inevitável e o curso do rio Doce seguiria levando a tabela periódica inteira até desaguar no mar. Alguns dias depois, lendo mídias locais, soube que Governador Valadares estava sem água e a previsão é que esse cenário caótico se estenderia por um mês. Um mês sem água! O que acontece em uma cidade sem água nos hospitais, escolas, casas e ruas? Vi imagens de pessoas recolhendo água de esgoto.
    No dia 12 de novembro, enfim, saiu o resultado de análises laboratoriais de amostras da água do rio Doce, encomendadas pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), de Baixo Guandu. Foi detectada a presença de metais pesados como chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e mercúrio. O Rio Doce está morto! É aterrador, não serve mais para nada (irrigação, animais e pessoas). Fora o tanto de animais e plantas mortos pelo caminho. O mar de lama foi devastando todo o ecossistema que encontrava pela frente. Só no dia 12 de novembro o Governo Estadual solicitou ao Federal o apoio do Ministério da Integração Nacional e do Exército Brasileiro para “amenizar” os problemas que serão enfrentados pela passagem da lama pelo território do Espírito Santo. A principal preocupação é com o abastecimento de água. Alguém sabe o que acontecerá quando essa lama chegar ao mar? Já estão sendo tomadas providencias quanto a isso?
   E tem mais: o rompimento dessas barragens não foi acidente! Não é possível tratar como tal. Há mais de dois anos foi feita uma perícia e o resultado é que as barragens estavam condenadas. Foi uma tragédia anunciada, como tantas no Brasil. Não foi abalo sísmico! E a imprensa não cobre como deve cobrir um acontecimento desses. Seria porque a Vale do Rio Doce é grande anunciante? Será porque esqueceram de fiscalizar tudo o que foi privatizado nesse País desde os anos 90 e as grandes corporações de comunicação se negam a denunciar mazelas do PSDB?
   E onde estava esse Governo desgovernado que nem para sobrevoar de helicóptero o local? Onde estavam presidente Dilma, ministros do Meio Ambiente e Minas e Energia? Estavam tentado limpar e encobrir a própria sujeira? Reunião de cúpula para decidir qual a melhor desculpa a ser dada?
   Esse mar de lama dá menção a várias metáforas. Eu mesma tenho vivido num mar de lama, tenho me sentido um lixo físico, mental e moral. E não é possível nadar na lama, nem enxergar nada. É uma cegueira absurda, que faz com que eu conheça o pior de mim, porque não vejo horizontes, porque fecho meus olhos e sinto o que há no meu coração. Há indignação e dores da alma. E a dor é bem maior do que as dores do corpo. Porque Justiça aqui tarda e falha. Porque a Direita quer nos ver de novo nas trevas. Perde tempo em retrocessos como criminalizar o aborto para estuprada! Isso na mesma semana em que considera família apenas um lar com homem, mulher e uma criança. Então o que dizer para o filho do estupro? Porque há pouco tempo queria a Cura Gay. Isso nada mais é que desviar a atenção do que realmente importa. Porque não temos mais esquerda.
   Sei que ainda há muito para investigar sobre a tragédia que começou em Mariana e segue até o mar. Quanto mais procuro, mais acho. E quando começava a escrever esse texto aconteceu o atentado em Paris. Prato cheio para a grande mídia brasileira, que jogou os holofotes para lá, desviando a atenção como se desviam nossos milhões para bancos suíços. Tenho amigos em Paris. Falei com um por longo tempo ontem mesmo, Jamiro Oliveira. Ele está bem e contou um pouco do caos de lá. Mas isso eu escreverei em outro post. Porque o mar de lama aqui é grande, é um reflexo do nosso desgoverno. Como bem escreveu meu colega jornalista e poeta, André Argolo:

Toda barragem tenta conter
o que não se quer contido
e quando vaza, é enlouquecidamente

4 comentários:

  1. Pra acompanhar esse brilhante texto:
    http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/11/11/lama-de-mariana-como-o-jornalismo-e-engolido-nas-grandes-tragedias/

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    1. Sakamoto excelente como sempre. Sem ter lido antes, percebo que a sensação é a mesma. Compartilho a mesma opinião e ideias. Leiam o texto dele que dá mais informação sobre como a nossa imprensa nos desinforma! Obrigada meu querido Angel <3

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    2. infelizmente é só mais uma das enxurradas de descasos assassinos que inundam este país. quer mais absurdos?
      http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Barcarena-uma-ilha-de-grandes-projetos-e-grandes-desastres-/3/34975#

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    3. Parece que o jeito é ir para as montanhas... plantar para colher e comer....

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