terça-feira, 3 de novembro de 2015

Precisamos Falar Sobre Suicídio

    O que tem de gente se matando não pode mais ser ignorado. No último mês soube de cinco suicídios cometidos na Baixada Santista, mais precisamente em Santos e Guarujá, três deles na última semana, de pessoas entre 20 e 50 anos. Duas mulheres, um garoto lindo. Amigos de amigos meus. Penso que não exista uma pessoa que não conheça alguém que se matou. Se for falar em conhecer quem já tentou se matar, esse número quadriplica.
  Acontece que esse assunto é um dos maiores tabus que persiste na humanidade. Talvez o maior. As famílias não falam sobre isso, evitam dizer a verdade sobre a morte do ente querido. A mídia não divulga, pois há uma "estatística" de que quando alguém "famoso" se mata ou quando se publica, aumenta o número de suicídio. Quando trabalhei no Governo do Estado de São Paulo fiquei estarrecida com o número de suicídios cometidos nos metrôs paulistanos. Não era divulgado.
   Dói falar nisso? Sim, dói bastante, é triste saber que alguém com saúde física, com família, amigos, se mata. Li em algum lugar que o desespero é o amor desgovernado. Então penso que as pessoas que cometem suicídio estão desesperadas, sem esperança de nada. Elas tem amor dentro delas, tem o amor dos outros, mas não sabem governá-lo. 
   A depressão é algo que se instala aos poucos e as pessoas próximas precisam estar atentas, muito atentas. Pode começar com falta de apetite, falta ou excesso de sono, desleixo com tudo. A depressão é uma falta que não tem explicação. Há culpa, medo de pedir ajuda e não ser ajudado, paúra de se tornar um estorvo para os outros. Quem tem depressão pensa que ninguém o quer por perto, pois realmente é muito difícil ficar perto de quem está longe de si mesmo. Como disse Gustavo Liedtke, um amado amigo meu: "quando você fala em suicídio, eu morro um pouco também". Acredito nisso e penso que todos os deprimidos também, por isso não falam.
   Muitas vezes o deprimido não quer morrer, quer mudar de vida. Muitas vezes acredita que há algo melhor depois da morte. Muitas vezes é só um ato alucinado, onde não há real intenção de morrer, mas de chamar a atenção para sua dor. 
   Quando alguém que parece ter tudo (amor, família, dinheiro, profissão, carreira) se mata, fica uma indignação em volta, uma certa frustração dos que ficaram, não tem nada disso, mas seguem alegres. Mas é preciso pensar que pode haver um buraco tão grande dentro dessa pessoa que a mesma se perde dentro dele e não consegue sair. Não consegue olhar em volta e ver todas as coisas lindas que existem nesse mundo. Também há guerra, ganância, capitalismo selvagem, destruição. Para haver o bem é preciso haver o mal, senão, como saberíamos diferenciá-los? 
    Sempre fui do tipo que sofre pelos outros, que sente a dor do outro, sou de uma compaixão exagerada. Na maioria das vezes em que me machucaram, guardei para mim a dor, evitando sempre a briga, o conflito. Guardar tanto machuca ainda mais. Então fico parecendo aquela pessoa tão boa e abnegada que aceita tudo. Mas não sou assim e decidi mudar. Não quero partir para brigas inúteis, mas não quero mais deixar parecer que está tudo bem. Porque não está bem. Resolvi mudar e apagar tudo do passado que possa me deixar triste. Quando lembranças ruins chegam, eu parto. Quando lembranças boas chegam para lembrar que são só lembranças, mudo a estação. Quando fico sabendo que alguém jovem, com uma vida inteira pela frente, matou-se, sinto compaixão. Sei que tentou até onde conseguiu. Sei que será julgado. 
    Os que tentam se matar e não conseguem são, da mesma forma, muito julgados. Como se as pessoas próximas não o deixassem esquecer de tal desatino. Isso machuca demais. Deixem que a pessoa fale quando quiser falar. Digam que estarão sempre quando ela precisar, mesmo que não consigam estar. Talvez por ter essa compaixão com suicidas, me chegam sempre pensamentos autodestrutivos um dia antes de alguém próximo se matar. Parece que os pensamentos das pessoas chegam até mim. Sinto como se os pensamentos não fossem meus. É um dom de presságio que eu não gostaria de ter. Preferiria que viesse a imagem da pessoa, para que eu pudesse ligar para ela, correr até ela e abraçá-la. 
     Aconteceu isso no ano passado. Eu estava com uns pensamentos mórbidos, pensei que era pelo período de mudança, de tentativa de mudança que eu passava. Tive insônia. E no dia seguinte veio uma trágica notícia. Nesta semana também me senti muito mal, sem dormir, sem comer. Dias depois, trágica notícia. Seguida de julgamentos, apontamentos, injúrias. E a pobre moça, linda, cantante e cheia de vida pela frente, não poderá nem se explicar. Há explicação?
     As religiões abominam o suicídio. Pregam o inferno para quem os comete. Há culpa o tempo todo, arrependimento. É uma decisão tão pessoal, como julgar o que o outro sentia para fazer isso? Não pensou nos filhos? Não pensou nos pais? Nos amigos? Óbvio que não! A pessoa não pensa nem nela mesma, como pensar nos outros?
    A pessoa está em desespero, que é o tal do amor desgovernado. Só não entendo porque esse medo em falar sobre suicídio. Admiro quem conta suas experiências, as torna públicas. Admiro quem tem coragem de falar a verdade, a sua verdade, pois sabemos que a verdade tem dois lados.
     Se você, que lê essas linhas confusas agora, conhece alguém com os sintomas acima citados (falta de fome, de sono, desleixo, apatia), não pense que é preguiça, falta de vontade, desânimo. Quando é passageiro, pode ser apenas uma melancolia sobre coisas da vida, mas quando o estado de paralisação não passa, ajude quem você ama. Talvez só precise colocar o seu amor nos trilhos.
   

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