sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Morte do Meu Pai

  Foi como uma despedida o dia 25 de dezembro. Quando vi meu pai ainda com um resto de vida, na clínica de repouso onde estava internado há uns 6 meses. Sua pele e seus ossos pesavam pouco mais de 30 kg, seus olhos já não pareciam enxergar. A degeneração provocada pelo Mal de Alzheimer é tão fatal, que a morte parece ser a melhor e a única solução. Por enquanto não tem cura, nem salvação. Chorei ao ver meu pai assim na cama, no dia de Natal. Mas chorei muito mais, por mais de 5 dias e noites quando sua pena de morte foi decretada com o diagnóstico de Alzheimer, em 2006, já em estágio avançado.
  Ele ainda tinha alguma noção e algumas lembranças cristalizadas. Às vezes ficava pensativo e me dizia em tom e expressão de indignado:"Quer dizer que vou morrer de Alzheimer?". Sim pai, se você não tiver a sorte de uma intercorrência no caminho, respondia sabendo que depois ele não lembraria. Um dia ainda chegou a dizer que jamais esqueceria de mim. Mas eu não fiz questão de estimular sua memória, já que estava ocupada demais em um processo insano de guarda.
   Uma das coisas que a doença do meu pai me ensinou (pois com tudo se aprende) é que não devemos nunca idealizar o futuro ou planejar a velhice. Que a única coisa que importa e existe é o presente, por mais duro que ele possa parecer. É o que temos de fato. Ficar chorando e lamentando o trágico destino ou partir para outro presente (que sempre existe, nem que seja em um universo paralelo) daí é uma escolha. Aprendi também que existem dois tipos de sofrimento: o inevitável e o provocado. No primeiro incluem-se doenças desenvolvidas e de propensão genética, como o Alzheimer. O segundo sofrimento é o que é imposto, como o da ação na Vara de Família. Dora nem precisava, mas já sabe o que é sofrimento causado pelo outro. Quando ela duvidar tenho um email do pai dela, de agosto de 2005. Eu imploro perdão pelo não sei o que fiz. Escrevo linhas e linhas de mea culpa (sem ter culpa de nada). A resposta do pai amoroso? "O processo em vara de família será longo e doloroso para nós três". Seco, duro, ríspido... e daí que vai colocar a filha para sofrer durante toda a infância? Ele sofrendo? Duvido. Ainda não entendo o motivo, mas a razão é me fazer sofrer. Apenas e tão somente isso, mesquinho assim mesmo. Vingança pura.

Enfim, se foi o homem que mais me amou (talvez o único)

  E na manhã do dia 27 de dezembro, o sofrimento do meu pai cessou. Eu estava tão preparada para sua morte, que não sofri, já estava desapegada da presença dele, que há algum tempo era só física... e nem parecia mais o grande Abel Correia Mendes. Meu pai mesmo comecei a perder há mais de 10 anos.
  E então fui ao IML, até a funerária, no cemitério... todas essas funções fúnebres de forma tranquila, em companhia do meu primo Oswaldo Gonçalves Junior (impressionante como algumas pessoas estão presentes em momentos decisivos das nossas vidas). Ser filha única tem dessas coisas, sempre soube, caso a vida seguisse o rumo esperado, que caberia a mim somente enterrar meus pais. Pensei que seria mais tarde, ainda mais meu pai, que sempre projetou ser um velhinho aventureiro, cheio de energia, disposição e vontade de continuar desbravando o mundo. Na sua última década de vida manteve-se a mercê de outras vontades, sem ser dono de sua própria vida ou destino.
  E no enterro, com parentes e alguns amigos que nem sabiam o estado crítico em que ele se encontrava, vi seu semblante sereno, deitado no caixão com flores. Miranda pensou que o vovô estivesse dormindo. Nunca entendi o amor incondicional de Miranda pelo avô, já que ele nunca nem a pegou no colo, já muito debilitado quando ela nasceu. Miranda mal ouviu sua voz, viu o avô andando com dificuldade, depois numa cadeira de rodas, mas como amava esse avô! Quando viu seu caixão indo terra abaixo começou a chorar, pois queria ver o vovô. Daí a levei para ver a cova. "É aí que o vovô vai ficar?". Sim, o corpo do vovô Abel vai ficar aí agora. "Tá bom" e parou de chorar. Tão simples o entendimento infantil. Em nenhum momento mencionei a palavra morte.
  E uma das amigas dos meus pais, não lembro bem quem, me perguntou: "Não deixaram a Dora vir nem no enterro do avô?". Respondi que não deixaram nem falar com a mãe por telefone no dia de Natal, porque deixariam viajar para o enterro do avô? Duvido até que a deixassem vir para o enterro da mãe. Aliás, isso só seria possível com ordem judicial, o que, com carta precatória, mais o recesso do judiciário (que só volta dia 9 de janeiro), mais as vistas do promotor, do juiz, o argumento da outra parte (para não permitir)... enfim, com sorte, Dora poderia estar aqui na missa de um ano da morte do avô. E, provavelmente, ficará sabendo da morte dele agora, se a família que lê avidamente esse blog, resolver contar, ou no dia que eu, finalmente, encontrar minha filha. Ou por oficial de Justiça.
    Sabe o que mais dói? A omissão do sistema judiciário. No Fórum de Ribeirão Preto estão todos carecas de saber que a família de Jonas Melo Golfeto não permite sequer contato telefônico com minha filha. Essa sordidez passou dos limites, no próximo mês completa um ano que minha filha foi levada, com busca e apreensão de menor, devidamente filmada pela equipe de foquinhas do Profissão Repórter. Que nome pode-se dar a isso que não seja Alienação Parental? Isso não é crime? Então o sistema judiciário corrobora com um crime. Quem vai pagar por esse crime? Por que uma família que ama tanto a Dora  lhe impõe esse sofrimento? Fazê-la feliz com coleções de sapatos e roupas novas é fácil. Felicidade efêmera e superficial. Difícil é ter nobreza de espírito. Difícil é ensinar ética, moral, generosidade e confiança. E no fim, como já havia postado no Desencanto de Natal, os protagonistas desta história estarão todos mortos em 100 anos. Por que tudo isso mesmo?
   Como já dizia Borges (o escritor argentino): "Não existe perdão, não existe vingança. O esquecimento é único perdão e a única vingança". Então, se eu tiver os 20% a 40% de chances de desenvolver Alzheimer (dura estatística para os filhos e parentes diretos), será uma forma de esquecimento. Porque algumas marcas são tão fortes e profundas, que não há como perdoar, muito menos esquecer.

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