sábado, 28 de setembro de 2013

Lucidez Antes que Seja Tarde

    Nossas filhas nos aproximaram. Miranda ficou fascinada pela garotinha de vestido e coroa de princesas, que brincava de rodar no Sesc de Santos. Como era menor do que Miranda, que é chegada numas brincadeiras de luta e artes maciais, me preocupei. Mas a mãe, com seu sorriso largo e olhar sincero, disse para não me preocupar, crianças se entendem. Nos simpatizamos de imediato, me contou de sua filha mais velha, com múltiplas deficiências, as três vivem grudadas, mas justo naquele dia, a primogênita estava com o pai. Perguntou se eu tinha outra filha. Pensei em dizer que não, porque é tão difícil explicar, tem de ser por doses homeopáticas, mas certamente ficaria amiga daquela mulher, que além de jornalista era cantora e mãe dedicada e amorosa. Comecei a contar meio sem jeito, mas ela ficou realmente interessada e tocada na pela história da mãe que perdeu a guarda da filha. Sentiu meu drama, fazia perguntas como repórter, em algumas vezes quase chorou, como a melhor amiga.
   O dia terminou de noite, num show incrível em que as meninas fizeram até performance, a amizade foi selada e desde então, há mais de um ano, nos encontramos inúmeras vezes, algumas combinadas, quase todas inesperadas. Nossos destinos parecem se cruzar o tempo todo. As vejo sempre juntas, um carinho enorme entre as irmãs, apesar de já ter 11 anos, a mais velha precisa de cuidados de bebê e sempre precisará. O amor incondicional desta mãe é lindo, leva a menina em sua cadeira de rodas para todos os cantos. Nem liga mais para os olhares de piedade nas ruas. E sua presença é tão fascinante. Indiscutivelmente bela, tem um humor fino, voz rouca e também é muito inteligente, bem informada, conversamos horas e nunca acaba o assunto. É tão querida e tem tantos amigos, que seu apartamento foi incendiado, perdeu todas as roupas e das filhas, brinquedos e uma comoção entre amigos lhe trouxe quase tudo de volta. Essa mulher, mãe, jornalista, com tantos afazeres, tem sempre um tempo para socorrer amigos, acompanha de perto minha saga, se revolta, fica indignada, tem ideias, não se conforma, quer fazer denúncia. Quantas vezes se emocionou por meus encontros com Dora...
    
    Num dos dias que antecedeu minha ida para Ribeirão Preto, nos encontramos no Sesc de Santos e, como estava muito calor, seguimos com as meninas para a praia, com a amiga Marcia Abad, testemunha e companheira de toda essa história também, e também o pai da filha mais nova. A praia de Santos à noite tem vida própria, no calor fica muito mais gostosa do que de dia. Ficamos todos lá, comendo pastel, tomando água, fazendo desenhos na Fonte do Sapo, convidando crianças para desenhar também. As meninas brincavam na areia, quando um cara passa com violão e nos oferece uma música (que é cobrada depois), desafinou um pouco, mas nós fomos nos afinando e cantando Raul. Sempre Raul. Lembro que minha viagem no dia seguinte ficou mais leve.
     Ainda comentamos, Marcinha e eu, como era bonito ver um casal, mesmo separado, sair junto com a filha, isso era admirável. Numa outra vez fomos todos assistir um campeonato de Patinação Artística no Clube Internacional de Regatas. As três meninas, as três amigas e o pai. Comemos pizza, nos divertimos muito. O cara sempre calado, compensando a falastrice de sua ex (creio ser uma característica do pessoal da Comunicação). 
     
    Hoje, madrugada de 28 de setembro de 2013, estou com insônia. Apesar do dia ter sido cansativo, da garganta doer após uma semana de gripe e febre, nenhum desses é o motivo da falta de sono. Não consigo dormir porque soube que esse pai entrou com uma ação para pegar a guarda da filha! Não sei detalhes dos fatos, nos escrevemos rapidamente e amanhã minha amiga querida virá em casa, com a amiga querida da Miranda. Ambos já tem advogados, ambos já estão sofrendo de ansiedade e medo, sentimento de rancor e vingança. Não consigo dormir porque fico imaginando a menina que anda na rua com sua coroa, ser arrancada de seu mundo dos sonhos. Ela ama a mãe, a irmã, sua vida em Santos, seus amigos. Também ama o pai e fica tão feliz de ver o pai e a mãe passeando juntos. Não sei exatamente como e quando começou essa mais nova disputa insana. Mas se está no começo, pode terminar mais rápido, antes que uma das partes fique cega de amargura ou emburreça de amor e ódio. O mais racional sempre vence, isso eu já sei. Mas quem perde parte preciosa da vida em fóruns, tribunais, escritórios de advogados, mesmo que vença, também é um perdedor.
    Antes que seja tarde, que esse casal tenha lucidez para manter o amor de sua filha. Que essa menina tão inocente não seja mais uma com a infância ceifada pelo mundo dos adultos e o sistema judiciário.

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