sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Perto da Perfeição

   Quando criança era tão sapeca, que logo Paula virou Pauleca. Não lembro exatamente como nos conhecemos, mas certamente foi em alguma arquibancada de piscina, lá no início dos 80. Provavelmente a menina linda, de sorriso encantador, olhos verdes e cabelos loiros (também muito esverdeados), que nadava no Internacional de Regatas, deve ter se aproximado da nadadora menor (um ano em idade, uma dezena em centímetros), para fazer um novo amigo. Eu tinha 11 anos e começava a treinar no Vasco e achava a Pauleca o máximo da simpatia e beleza. 
    Na época do colegial, ela estudava no terceiro ano do Colégio Objetivo de Santos e eu no segundo. Um grande amigo meu, ator, da classe dela, “descobriu” que era nadadora e me conhecia, veio dizer, com suspiros, que estava apaixonado. “Você e a torcida do Santos, meu querido!”. Acho que não existia um garoto que recusasse um pedido seu. Embora ela não fosse de pedir, era de oferecer aos outros: ajuda física, mental, emocional, com palavras, presença, simpatia. E não havia amiga que não a admirasse e tivesse orgulho por tê-la ao lado. 
    Mas quem conquistou seu coração e mente irremediavelmente, foi o belo Cristiano, de sorriso largo e jeito tranquilo. Pauleca seguiu estudando Jornalismo e perdemos contato por alguns anos. Nos reencontramos na TV Tribuna, eu repórter, ela apresentadora. Paula Quagliato tornara-se uma profissional admirável! Casada com Cris, era mãe de Fred, 7 meses. Nunca se atrasava, chegava com pauta, ficava muito ligada em tudo e ainda participava da produção. Sempre bem-humorada e com cara de quem acabou de sair do banho, mesmo com olheiras típicas das mães de bebês. Se pouco dormia, ninguém percebia ou a maquiagem escondia. 
    No jornalismo é como sempre foi na vida: perspicaz, inteligente e cheia de credibilidade. Uma vez o Cris apareceu na emissora, para dar um oi, estava com saudade da esposa. Achei lindo! * Depois de mais uns anos sem contato, o mundo da internet me trouxe Pauleca de volta, mesmo que virtualmente. Numa tarde quente, eu na estrada, voltando de Ribeirão Preto, com muitas lágrimas nos olhos, vi uma mensagem dela. Então conversamos por duas horas. Eu estava arrasada, mas ela, com sua sensibilidade que só aumenta, com sua escrita de escritora, me falou de amor, de resistência e redenção. De como as poucas horas com Dora, mesmo fechada e monitorada, eram nossa redenção. Minhas lágrimas foram secando e em pouco tempo já sorria com seu senso de humor, meio parecido com o meu. 
   Ano passado também me ajudou, com sua peculiar popularidade, a arrebanhar doadores de sangue para minha prima. Fez mais do que “compartilhar” o pedido, fez um texto pessoal, me ajudou a escolher a foto. Afinal, agora pratica seu novo talento, o da fotografia. Capta sutilezas da cidade de Santos, mas poderiam ser fotos de qualquer lugar. Ela encontra vida nas rachaduras de prédios decadentes, suas flores tem as cores da primavera o ano inteiro, flagra momentos cotidianos cheios de poesia. Impressionante como essa mulher é tão multitarefas e ainda se concentra em achar beleza nos detalhes dos outros. 
  Há alguns meses esse ser brilhante passou pela maior dor e perda de sua vida. Cris se foi de forma inesperada. Quando eu soube estava em Ribeirão Preto. Não pude ir dar um abraço apertado na amiga querida, mãe de dois adolescentes lindos**. O mesmo aconteceu na missa de sétimo dia, estava eu lá em Ribeirão. E de um mês. E há uma semana fui na missa de um ano da minha amiga inesquecível, Claudia Albuquerque Figueiredo Schiari. Quem me avisou sobre a missa foi Raquel, a filha de 12 anos. Miranda fez questão de ir comigo. 
   Lá, enquanto tentava explicar para Miranda que não podia explicar nada sobre vida após a morte, pensava no último ano, sem Cláudia. A dor da saudade física diminui, a mente acostuma com a nova realidade. O cérebro é mesmo fantástico, guarda só as lembranças boas. Maravilhoso que foram tantas (mas sempre poderiam ser mais). E no final, o abraço em Fernando, o pai que segue com quatro filhos adolescentes e lindos, não foi cheio de lágrimas, como há um ano, mas com um sorriso. Ele não lamentou, agradeceu: “Que bom que você veio!” 
   E pela semelhança dos laços, mais uma vez pensei em Pauleca, nessas separações impostas pelo destino e em como é possível conseguir superar. Não é apenas superação, é mais do que isso, é aceitação. Mas penso no primeiro ano de tudo, em como é difícil: primeiro Natal, Ano Novo, férias de verão... como é doído não poder mais abraçar quem amamos. 
   Não consegui explicar para Miranda o que acontece com os que se vão. Mas os que ficam seguem com todas as impressões dos que foram, é permanente a marca, segue sempre dentro, num estado puro de amor. Expliquei que não é a missa ou o padre que faz lembrar quem amamos e nos separamos. Mas é muito bom abraçar os amigos, o marido, os filhos, como um conforto. A missa é para o abraço. 
   Esse abraço de conforto ainda não dei em  Pauleca. Mas sei o quanto ela se sente abraçada. A perfeição não existe, mas algumas pessoas chegam bem perto. 

* Paula trabalhava tanto e ainda tinha compromissos na faculdade e um bebê em casa, então o marido realmente a via pouco. Achei lindo o gesto de carinho e porque foi um toque sutil para trabalhar menos.

** O pequeno Fred hoje é um rapaz muito parecido com o ator James Franco (que adoro e acho lindo). A semelhança é tanta que Pauleca não conseguiu ver 127 Dias inteiro.

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