terça-feira, 25 de março de 2014

A Desigualdade Social que Começa em Casa

    Sempre evitei dar minha opinião sobre o programa Bolsa Família, do Governo Federal, mas tenho lido tantos comentários reacionários e fora da realidade de quem vive ou viveu em outras esferas da sociedade, que tenho vontade de por fim em algumas amizades. É muito fácil para quem sempre estudou em escola particular, ganhou carro aos 18 anos, teve faculdade paga ou então passou na pública (já que estudou na melhor escola privada) falar que “é preciso ensinar a pescar e não dar o peixe”.
      Eu vivi as duas realidades, estudei em escola pública até o primeiro colegial, mas meu pai percebeu que o ensino público estava lastimável e preferiu me colocar no Colégio Objetivo, uma máquina de passar no vestibular. Eu até poderia ter pleiteado uma bolsa como atleta, mas meu pai, sempre ele, tão sensato, tinha condições de pagar e achava melhor que outros nadadores, menos favorecidos naquele momento,  ficassem com a bolsa.
     Ganhei meu primeiro carro aos 18 anos, um Fusca, para eu "aprender a dirigir e poder dar pequenas batidas sem maiores prejuízos". Ganhei um carro 0km aos 22, quando estava no último ano da faculdade e já trabalhando na área. Não pedi nada e nem acreditei quando vi o carro na garagem: “Agora você pode subir e descer a Serra com segurança”, declarou meu pai e completou: “O IPVA e o seguro anual estão pagos, a partir de agora é só com você”. Eu ganhei o peixe, mas já tinha aprendido a pescar. Além do que sou filha única, talvez, se tivesse mais irmãos, as condições teriam sido outras.
    Então escuto mulheres falando que “essas mulheres” ficam se enchendo de filhos por causa do Bolsa Família, que é só fazer controle de natalidade. Sim, claro, eu mesma, tão bem informada e instruída, não planejei nenhuma gravidez, afinal, camisinha nunca estoura, pílula nunca falha e nós nunca ficamos enlouquecidos de paixão. Escuto isso de mulheres que fizeram vários abortos, uma hipocrisia abominável! Se fossem pobres teriam sido mães na adolescência, porque menina pobre não tem outra saída a não ser ter o filho ou arriscar morrer abortando de qualquer jeito. As meninas com dinheiro abortam em clínicas elegantes e caras, depois se acham no direito de criticar outras mulheres que aos 30 anos já estão no quinto, sexto filho. O pior machismo é o feminino, sempre achei isso, desde quando nem sabia o que era machismo. 
     Vejo a desigualdade social na minha própria casa. Quando Dora nasceu eu tinha um plano de saúde top 5, arcava com todas as despesas dela, da casa e até do folgado do pai dela, Jonas Golfeto. Dora só estudou em escola pública por 2 anos, mas era na Escola Modelo Dino Bueno, em Santos, que trouxe para nossas vidas a família Figueiredo Schiarri e isso já valeu por uma eternidade de coisas boas, mesmo que a escola fosse ruim (o que não era).
   Mas Dora queria mais e então conseguiu por mérito 50% de bolsa no colégio Ateneu Santista, comprei todo o material e uniforme, com certo esforço, já que tinha Miranda, com menos de 2 anos, totalmente por minha conta e risco. Porém, aos 15 dias de aula, minha Dora foi levada pelo pai, oficial de Justiça e Rede Globo, até Ribeirão Preto. Lá estuda numa ótima escola, Albert Sabin (nunca me permitiram conhecer, já que a outra parte levou o processo – mesmo em segredo de Justiça – para proibir que eu entrasse), continua com excelentes notas, as mesmas que sempre teve, em escola pública ou privada. Faz ballet pago também. Não conheço a casa dos avós, José Hércules Golfeto e Ed Melo Golfeto, onde mora, mas sei que é bem grande, pois já estive lá no portão, para tentar abraçar minha filha após um ano sem nem ouvir sua voz, mas a outra parte chamou a polícia para me levar embora.
    Por que há desigualdade social na minha casa? Porque Miranda nasceu em um hospital particular, mas eu não tinha mais plano de saúde e precisei pagar tudo (sozinha), sempre frequentou creche pública e agora está numa escola municipal, no Guarujá, muito linda e toda lúdica, mas Miranda, que também tem tanta sede de saber, já me disse: “Mamãe, quero aprender a ler, escrever, na escola só dão brincadeira, brincar eu brinco no prédio”.
    Fui conversar com a professora, me explicou que é uma norma e que é contra (uma professora rebelde), “nessa idade só brincadeiras”, apenas Miranda e mais dois da sua sala sabem escrever o nome e reconhecem letras. Cabe a mim brincar de escolinha em casa e lhe alfabetizar.
    Gastei até o que não tinha com um processo, para ter acesso à minha filha. Há mais de três anos vivo essa saga e nem eu me aguento mais. Se tivesse muito dinheiro, já teria a guarda da Dora. O advogado mais fodão de Ribeirão Preto me garantiu que em um ano ela estaria comigo... mas seus honorários eram 40 mil reais, fora as custas judiciais. Na Vara de Família sempre vence quem tem mais dinheiro ou conhecimento, em Ribeirão Preto só conheço amigos de adolescência e jornalistas, o que já me ajuda muito. A família Golfeto conhece muita gente e é muito conhecida lá (apenas lá).
   Miranda nunca será disputada judicialmente, ela não tem pai, nem em seu registro de nascimento. Até tentei fazer com que o cara a registrasse, com medidas legais cabíveis, mas o sistema judicial brasileiro é paradoxal: não posso passar mais que 2h30 junto de Dora, dentro de uma sala, no Fórum, monitorada por uma psicóloga por quem não sinto a menor empatia, mas sou capaz de criar Miranda absolutamente sozinha. Tenho muita curiosidade em saber como serão minhas filhas adultas, no que dará essa desigualdade social das duas.     Aqui no Brasil a Justiça falha e tarda, sempre. Estou até pensando em me cadastrar no Bolsa Família, já que minha filha frequenta escola pública, já que o Estado nunca me deu nada e ainda me tirou uma filha.

6 comentários:

  1. a LEI DE ALIENACAO E A CF NAO permitem a proibicao do direito de visita,o que eles fazem é ilegal e pode ate gerar indenizacao por ano que esta sem ela ,por aplicacao imoderada da leki

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    1. Eduardo, essa Lei não funciona... entrei com ação em 2011... o juiz nem leu, fica perdido no meio de 10 volumes de processo. Se alguém tem q me indenizar é o Estado! A outra parte e seus fantásticos advogados só usam todas as brechas da Justiça para manter o processo até ela fazer sei lá qtos anos... vc é advogado? se for, quer mover comigo uma ação contra o Estado? Obrigada.. ah, eu tenho direito de visita, no fórum, monitorada, por 2h30... mas parei de ir pq preferi esperar os 10 dias de férias que minha adv garantiu q o juiz daria... mas ele nem leu o pedido... juiz não tem prazo pra nada, já falei em ir na Corregedoria, mas daí disseram q se eu for ele vai ficar com raiva e demorar mais ainda e até piorar minha situação.

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    2. Por que não fazer uma campanha nas mídias, redes sociais?!! faça a sua dor ganhar força!! não se sinta coagida!!! não se cale por medo!!!

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  2. Adriana, sou mais uma das admiradoras da sua humanidade e generosidade em compartilhar suas histórias honestas. Achei que deveria "avisar" que acompanho seus posts há pouco tempo e, como você não sabia disso, sinto uma estranha sensação incômoda de ler um diário íntimo escondido de sua autora.
    Divirto-me com suas experiências alegres e também me aflijo com a sua luta medonha. Retorno ao blog na esperança de uma boa notícia e faço coro com seus amigos na torcida pelo seu sucesso. Ainda não foi dessa vez, mas esse post tão desejado terá o seu lugar de destaque.
    Você está na mais dura competição para a qual você treinou o fôlego e a resistência por toda a sua vida. O mar está bravo e você não consegue ver a praia, mas ela está lá. Você sabe a direção e aprendeu a se safar das correntezas que tentam desviá-la do seu destino. O frio e o cansaço são insuportáveis, mas a sua pequena é o barquinho que a acompanha e aquece seu coração. Não desista, Adriana, você irá vencer mais essa terrível competição. Falta um pouco, mas vai terminar. Desejo que o mar vire logo a seu favor e a gente possa aplaudir de pé.
    (Li o post de sua competição no mar com o seu pai acompanhando no barco. Achei tão bonito que não pude deixar de pensar na analogia)

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    1. Nossa Susana, me emocionei de lágrimas com sua analogia (como vc tem ligo o blog, deve ter reparado que adoro analogias). Obrigada pela força e não sinta-se como quem lê escondido, brinco que minha vida é um blog aberto. Depois de ser detonada em rede nacional 3 vezes, me expor virou rotina. Comecei aqui para meus amigos acompanharem o processo, já que cada vez que um me ligava ou escrevia era um chororô danado... e me deixa muito orgulhosa que o que escrevo afete (no sentido de afeto) tantas pessoas, como eu, muitas mães se achavam as únicas a perder a guarda, daí formamos uma corrente. De repente esse blog é lido em todos os continentes, em países pequenos do Leste Europeu... fico feliz por pessoas como vc e Eduardo acima, terem essa empatia por mim, por me conhecerem sem me conhecer. A literatura é uma grande arte, que transborda quando o coração e a mente não suportam mais de tanto tormento, amor ou dor. Escrevo pra não morrer sufocada... obrigada, vc escreveu lindamente <3

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    2. Fico feliz por ter trazido uns momentos de calor no seu coração, Adriana. É bom você saber que tem mais gente pensando em você e torcendo pelo seu sucesso. Você é Mãe de Verdade, Mesmo! ❤️

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