Ontem assisti ao telejornal local e fiquei
chocada com o linchamento de uma mulher aqui onde estou morando. No meu último
post fiz um parágrafo inteiro de críticas ao Guarujá – descaso com saúde,
educação, segurança pública - mas tirei porque poderiam me confundir com uma
bairrista. Estou farta de confusões causadas na internet. E essa mulher sofreu
um assassinato coletivo, causado por um boato. Não vou falar como o boato se
propagou, pois posso ser leviana ao propagar mais erro e
discórdia. Porém, mesmo que ela fosse uma sequestradora de crianças, para
usá-las em magia negra, teria direito de defesa.
Há algum tempo uma corja de
“jornalistas” dissemina discursos de ódio e intolerância. Só fico observando o
tanto de “amigos” e parentes reacionários concordando com tudo isso, postando textos
simpatizantes de Datenas e Sherazades da vida. Já me questionaram sobre
liberdade de expressão, se proibir a tal Sherazade de incitar linchamento não
seria coibir seu direito de expressão. Penso que nossa liberdade termina quando
atinge a dos outros. E o outro tem o direito de defesa, sempre. Penso que toda
história tem duas versões e é preciso sempre analisar profundamente as duas.
O
mais assustador é que várias pessoas, vendo a selvageria, preferiram gravar no
celular do que ligar para a polícia. Talvez a culpa, além do estado de barbárie
e escuridão que a maioria da humanidade se encontra, seja também desse
jornalismo de internet. Talvez porque essas pessoas sentem-se abandonadas a própria sorte, desacreditem do sistema judiciário e achem normal fazer justiça do olho por olho, dente por dente.
Acho ótima essa era digital. Quem me conhece sabe do
meu interesse por todo tipo de inovação tecnológica, desde sempre. Lá nos anos
90 eu procurava em sites de revistas científicas, notas para colocar no jornal Diário do Grande ABC.
As publicações eram em inglês, de mídias muito bem conceituadas, mesmo assim eu
temia fazer tradução errada ou que a informação estivesse errada. Pedia para
mais duas jornalistas conferirem o texto de, no máximo 10 linhas. Sempre tive
horror de passar informação errada. Sempre tive total consciência do poder das
palavras, ainda mais vindas de um jornalista. As pessoas tendem a acreditar nos
jornalistas e achá-los muito inteligentes e bem informados. Por isso, os
jornalistas de verdade fazem o impossível para manter a credibilidade. Quando
um jornalista perde isso, perde tudo. E me causa náuseas ver o tipo de
jornalismo que está sendo praticado.
Teve um tempo que trabalhei com uma
equipe bem mais nova do que eu. Via jornalista esperando releases, mudando apenas palavras, não checando nada, buscando
notícias na internet. Cadê o sangue nos olhos do repórter? Cadê a apuração dos
fatos? Ainda tem gente que defende não ser necessário o diploma de
jornalismo... se nem com diploma a galera está fazendo direito, imagina essa
turminha que acredita em tudo o que se posta em facebook fazendo matéria de
denúncia?
Há pouco tempo circulou uma falácia sobre um suposto jornalista
dinamarquês que cobriria a Copa, mas decidiu ir embora por conta dos horrores
que viu no Brasil. Alguns amigos meus compartilharam, li tudo e só consegui
pensar: “que cara burro, fosse eu faria um monte de matérias além-Copa e virava
correspondente do fim do mundo”. Não me dei ao trabalho (voluntário) de checar
o perfil do tal dinamarquês, mas li comentários absurdos, de gente concordando
com tudo, metendo o pau no Governo do Ceará. No fim era um perfil fake, um jornalista de verdade checou.
Assim
como a maioria dos relacionamentos amorosos e sociais, o jornalismo também
perdeu os olhos nos olhos. E quem tem
menos de 25 anos acredita que isso seja jornalismo. A notícia de que essa pobre
mulher havia sido linchada já circulava há uns dias, mas não vi muito TV porque
só se falava dos 20 anos de morte de Ayrton Senna e acho essa idolatria um porre.
O melhor que li sobre o tema foi um texto do *epichurus.com (Santo Senna) http://epichurus.com/2013/11/25/santo-senna/,
sobre a “tragédia” que foi isso para o Brasil vista por quem estava fora do
País. A partir deste texto tentei formar um pensamento filosófico sobre como e
porque Ayrton tornou-se esse herói nacional. Bem simplória e resumidamente acho
que a grande maioria identificava-se com ele porque era um cara tímido, de
poucas palavras, mas era só colocar as mãos no volante e transformava-se num
audacioso que ultrapassa em curvas perigosas, um imprudente que corre mais em dia de chuva. Brasileiros se espelham em Ayrton, talvez por isso o Brasil seja campeão
em acidentes de trânsito.
Piloto morrer em pista de corrida não é tragédia, é
acidente de trabalho, todos sabem do risco. Tragédia mesmo é o que aconteceu
com essa mulher, linchada **erroneamente por sanguinolentos. Ela não foi a
primeira e, infelizmente, creio que não será a última a morrer por “engano”. Se
Jesus voltasse hoje, como acreditam alguns fiéis, seria novamente apedrejado.
Sem dó ou piedade.
*é um blog escrito por nadadores, bem específico, mas também fala de outros esportes e eu fico orgulhosa em perceber como nadadores sao coerentes. Talvez ficar várias horas por dia, durante anos, ouvindo o som de bolhas de água, faça pensar melhor, só acho...
** o linchamento, por si só, já é um grande erro
Nenhum comentário:
Postar um comentário