sábado, 20 de dezembro de 2014

Olhando Azulejos na Piscina

   Não me falta assunto, nem ideias. Mas falta mesmo um tempo para sentar com calma e escrever. Nada de escrever só por exercício, porque isso já faço com matérias e livros reportagem. Escrever sobre o que me importa, que nem sempre pode importar aos outros, mas que se for o suficiente para inspirar uma pessoa, já é uma missão cumprida. Adoro ter missões e cumpri-las.
  Um dia tive a feliz ideia de perguntar para a querida Tico Gil, por esse tal facebook, como eu faria para dar um mergulhão na piscina do Napoleão Laureano. "Segunda, quarta e sexta, das 9h às 11h, será muito bem vinda". Fui com Miranda, que adora natação. 
   De repente olhar Tico e Paulino, irmãos inseparáveis, de corpo e alma,  na borda da piscina, dando treino para crianças de 4 a sei lá quantos anos, me encheu de emoção quase incontrolável. Há 20 anos não nos víamos e parecia que nossa última despedida aconteceu no vestiário, no dia anterior.
   Então eu nadei. E lembrei de mim aos 6 anos, na mesma piscina, com medo de colocar a cabeça dentro da água, com medo de mergulhar, engolindo água pelo nariz e chorando como uma filha única mimada. Querendo desesperadamente fazer amigos, além dos imaginários e das bonecas no meu quarto. Lembrei de como era difícil aprender a nadar, como foi glorioso o dia em que atravessei a piscina que não me dava pé. E olhei Miranda nadando tão destemida, saltando da  baliza sem medo algum, conversando com todos os meninos ao lado.
    Paulino, uma das figuras mais lendárias da escola, tornou-se professor de Miranda. A admiração dela por ele foi imediata. Ele brinca, mas tem autoridade. O equilíbrio entre o mestre e o amigo. Na hora do aquecimento fora da água sempre a lembrança de colocar um menino e uma menina intercalando o círculo. Nada de clube da Luluzinha ou Bolinha, são todos amigos, todos irmãos. Menino não é mais forte, menina não é mais chorona. Cada indivíduo é único em sua singularidade e todos são iguais no coletivo. Um resumo tosco do que representa ser nadador.
   E sempre que me dava tempo ou meu pescoço travado permitia, nadava. Mais Costas do que qualquer outro estilo, porque a  cabeça tem que ficar parada mesmo. E então olhava o céu azul. Pensei que talvez tenha me dedicado mais a esse nado, já aos 13 anos, porque percebi que poderia olhar mais do que azulejos. Uma máxima antes das provas é: "Agora sou só eu e os azulejos". Natação é um esporte muito solitário, sempre você mesmo com seus pensamentos e contando azulejos. Ao mesmo tempo é um esporte tão coletivo e cúmplice, porque só quem passa horas contando azulejo sabe o que o outro sente. Como bem definiu Paulino Neto, "é como se todos nós tivessemos compartilhado o mesmo útero de 470 mil litros de água".
   Posso dizer que voltei às raízes. Num churrasco na cada da Tico reencontrei Claudinha, Silvinha Araújo "Sorriso", Rosana e a querida mestra de matemática, Zenilde Carmo. Uma alegria ver Miranda fazendo amizade com Antônio, um garoto de 19 anos, que ela viu como um menino de 10. Também nadador, filho de Tico, E a doce Bruna, a filha mais velha. E não ficamos todos vivendo de nostalgia de como era bom "o nosso tempo". Falamos do presente, do futuro, de amor e amizade. Sim, lembramos daquele que nos ensinou a nadar, professor Roberto Silva, também nosso amigo, psicólogo e pai. Que sorte foi a nossa, que grande equipe ele formou, não só de atletas, mas de cidadãos e amigos. 
   Lembramos também que não havia essa de bullying. Eu era a Mosquitinho, Rosane Mendes a Palitinho, Paulino era Chupeta, Tico era Ticolé e nem sabe mais seu próprio nome, virou Tico e pronto. Todos tinham um apelido, como a Regina Pimentinha, que vivia brincando na rua até descobrir a piscina. 
  No último dia de aula, Miranda levou um desenho para o seu professor. Um nadador sorridente, na borda da piscina, com oclinhos, sozinho no meio do azul. Um professor verde porque ele disse que adora o Hulk. Disse também que não queria presentes de fim de ano, seu maior presente seria receber uma menção honrosa no TCC das crianças, que se olharam sem saber o que era TCC. "Pode ser desenho também, adoro desenhos". E foi esse desenho caprichado e cheio de amor que Miranda fez.
   Na hora decisiva somos só nos e os azulejos. Mas antes tem toda uma história de superação, aprendizado e incentivo. Depois tem muitos abraços, sorrisos e lágrimas. E a amizade eterna entre os que dividiram um útero gigante.

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