terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Dentro e Fora D`água

   Não lembro se a conheci dentro da piscina, na borda ou no vestiário. Mas foi no Vasco da Gama, em Santos, e tínhamos 11 anos. Apesar de ser apenas um mês mais nova do que eu, parecia uma criança e eu já era toda adolescente. Era uma garota linda que parecia a Branca de Neve. Trocamos papéis de carta e depois escrevemos algumas quando mudou-se com a família para Cuiabá.
    Dois anos depois Paola Miorim retornou maior do que eu e ainda mais bonita. Voltamos a dividir a mesma piscina, depois a mesma sala de aula de nerds no colegial e também ouvíamos os mesmos discos. Dormíamos uma na casa da outra e nunca nos faltava assunto ou vontade de fazer tudo: teatro, inglês, computação, canto. Estávamos juntas no show do Camisa de Vênus, no lendário Caiçara Clube, quando foi gravado o disco ao vivo. Cansadas do treino de sábado, ficamos sentadas na escadaria, sentindo o piso tremer.
    Chamava sua mãe de "mãe Lúcia" de tanto que dormia na casa dela e recebia as mesmas broncas e carinho. Seus irmãos, Marcelo e Rodrigo, também nadadores, tornaram-se meus irmãos. Meu pai ficou muito amigo do pai dela, Paulo, também nadador, como meu pai. Dancei valsa com Marcelo no seu aniversário de 15 anos. Precisei comprar um vestido novo, pois tinha engordado 5kg em 18 dias passados nos Estados Unidos. Me senti horrorosa, mas não perderia a festa por nada, nem ninguém! Quando Paola mudou-se para Ribeirão Preto, para fazer faculdade. acabei indo também, pois não queria amargar um ano de cursinho. Mas não aguentei o calor escaldante por mais de um ano e meio e voltei.
      Sempre me impressionou a estima elevada dela. Demorei a entender que precisamos nos amar acima de tudo, que somos nossos leais companheiros até o fim e se houver algo além do fim. Logo eu que nunca me amei muito e cheguei mesmo a me odiar certas vezes, tinha uma amiga que se amava acima de todas as coisas. E tão certa sempre esteve!
      Por trilhar caminhos diferentes e ter vidas tão corridas, passamos um tempo afastadas. Mas Paola foi uma das primeiras pessoas a me ligar quando passou uma matéria no Fantástico, com a sinistra voz de Cid Moreira dizendo: "Adriana Mendes tem graves problemas mentais". Me ofereceu toda a solidariedade, dizendo não acreditar em nada daquilo, mesmo sem me ver há alguns anos.
    Quando minha filha foi levada para Ribeirão Preto não pensei duas vezes em ligar para Paola e pedir para ficar em sua casa quando precisasse. A verdade é que eu não imaginava que precisaria por longos quatro anos. Nos dois primeiros eram só lágrimas, porque nada dava certo e eu não podia ver minha filha. Se eu consegui suportar tudo isso, Paola e suas adoráveis filhas, Lívia e Giovana, merecem todos os louros. Sempre que eu voltava arrasada de fóruns e delegacias era na casa delas que eu encontrava abraços, sorrisos e leveza para seguir.

    Existem pessoas que passam por algum momento de grande tristeza e levam o sofrimento para o resto da vida. Outras vivem grandes tragédias, perdas irreparáveis e fazem disso um aprendizado, uma superação. Paola faz parte do segundo grupo. E tomei isso como lição. 
   Mesmo tendo amigos muito queridos em Ribeirão Preto custei a querer encontrá-los. Não queria que me vissem tão magra, de olhos fundos, aparência abatida e doente. Preferia que lembrassem de mim como eu era, sempre sorridente e cheia de saúde. Paola podia me ver assim destruída, porque me viu nas piores fases da adolescência, quando ficava cheia de espinhas, peitos enormes e usava roupas e cabelos que não favoreciam em nada meus ombros e braços grandes. 
    Ela já me viu chorando tudo o que eu tinha para chorar de tristeza. Quando tentou falar delicadamente com a outra parte recebeu o telefone na cara. Respirou fundo e ligou de novo. Outro telefonema na cara. Não acreditou em tanta intolerância. Fomos criadas de uma forma a tolerar e aceitar diferenças. Fomos criadas de forma muito parecida.
     Quando finalmente pude ver minha filha fora do fórum, precisei indicar um "monitor". Como pedir o favor de buscar, acompanhar e levar, a cada 15 dias, com horário rígido e pré determinado, a alguém que não seja incrivelmente generoso e comprometido? Quem aceitaria tal responsabilidade? Quem assinaria um termo no  cartório do fórum? Talvez se eu tivesse um irmão, não fizesse isso por mim.
     Todas as idas e vindas na estrada eu pensava nisso. Em toda a trajetória de amizade que levou a esse ponto e reencontro tão forte na vida. Em todas as pessoas que agreguei por conta de Paola, como Patrícia Zorzenon, Marcos Papa, Sônia Gravine, Tetéu, Zeca Ferreira. A delícia de saber que Beto Wagner, Ana Luiza Feres e João Paulo também são amigos dela, mais recentes, de outras histórias que se cruzam nesse emaranhado de laços afetivos.
      Não é uma coincidência eu estar aqui no apartamento de Paola, escrevendo do note dela (sem ela estar em casa) o que provavelmente é o último texto do ano e o primeiro texto de liberdade. Amanhã, ou logo mais, considerando que já é madrugada, pego Dora, às 14h, para seguirmos juntas pela estrada, ver os amigos que há anos ela não vê, voltar nos mesmos lugares, mergulhar no mar, dormir finalmente e novamente embaixo do mesmo teto. Sem monitores, sem psicólogos, sem advogados. Apenas com amigos que escolhemos ter. É tão simbólico estar aqui nessa sala e ter essa pessoa na minha vida por 34 anos, de forma intensa e absoluta. Uma amizade que passa de geração para geração e que se perpetuará em projetos literários que agora também temos juntas. Esse foi um ano bom. Pela primeira vez em muito tempo sinto esperança. Sei que o próximo ano será libertário. Eu só posso agradecer e oferecer meu amor eterno.

4 comentários:

  1. Lindo texto....
    Tudo o que você escreveu significa: GRATIDÃO.
    Pelo que percebi, sua linda Dora vai passar o ano novo em sua casa né. Que maravilha....
    Feliz ano novo e bons e novos ares.
    BJO

    ederepentetrinta@blogspot.com.br

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  2. Adri, tantas vezes não vim aqui, tantas outras vim e não tive tempo de ler.
    Imagina a minha felicidade ao ler que vc tem Dora novamente.
    Tantos anos que esperei por esse dia.
    Tantas vezes me destruí como você por alguns minutos.
    Quero que saiba que por mais que nunca imagine como é sua dor, sinto essa vitória um pouco minha também e por isso nesse momento choro.
    Chore de felicidade, depois de muito chorar de tristeza pela saúde de um ente querido.
    Felicidades, que 2015 seja infinitamente melhor!!
    E não deixe de nos contar os detalhes desse reencontro.

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    1. Roberta, bom, não foi como eu imaginava, talvez você já tenha lido o texto seguinte. Foi estranho depois de 4 anos de afastamento, foi estranho rever todos tão grandes (para ela), muitas vezes a vi deslocada. O lugar assaela agora é outro, com outras pessoas que não conheço, com a família dela que não passa informações sobre nada. Mas é minha filha e eu continuo amando-a incondicionalmente <3

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