sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Engavetamento Monstro no Meu Coração Aflito

  Era para ter descido a Serra ontem, depois das 23h, mas com o mega engavetamento da Imigrantes, com número ainda impreciso de carros envolvidos, estimado em 300, achei mais prudente ficar em São Paulo. Liguei para meu querido amigo Gustavo Liedtke e dormi em sua casa. Ele sempre me recebe quando tenho que ficar em São Paulo, o que é certeza de ótima conversa e música.
  Peguei o ônibus hoje pela manhã, às 11h30, no terminal rodoviário Jabaquara e duas horas depois ainda não havia descido a Serra. O dia começou com más notícias. Mais algumas tentativas vãs de resolver qualquer coisa rápido. E parada dentro daquele ônibus, pensava o porquê de estar perdendo os mais produtivos anos da minha vida em ações burocráticas e sistemáticas, nas mãos de promotores e juízes que nunca viram a minha cara... não faz sentido, nada faz sentido.
  O trânsito flui uns 2km e então vejo caminhões destruídos, ônibus com frente acabada, carros reduzidos pela metade, marcas de pneus em todas as direções. Dava pra imaginar a cena de todos eles se espatifando. O trajeto lento aumentava a minha angústia. Pensei por instantes que poderia ser eu naquele acidente horrível e não pude deixar de chorar e chorar muito. Mesmo que eu não veja mais Dora até ela crescer e conseguir me encontrar, mesmo que essa dor seja forte de matar, tenho que estar aqui por Miranda. Por isso chorei mais e mais e muito mais.
  Peguei o "note" e escrevi um texto, que não é esse. Enquanto escrevia, meu coração acalmava, escrevi por mais de uma hora, enquanto começava a fazer graça com um garotinho muito esperto, com a mãe, nos bancos ao lado do meu. Ela, uma negra linda, bem africana, alta, magra, de tranças, cochilava. O menino, de uns 3 ou 4 anos, brincava de esconder  na mãe, ria, piscava os olhos vivos para mim, cheios de energia, sorriso largo e cabeça redondinha raspada. Me distraí por muito tempo com esse menino. Uma moça vendendo cocadas entrou no ônibus. Após 2 horas e meia queria comer alguma coisa. Perguntei para a mãe da criança, que despertava com os olhos cansados, se poderia dar uma para seu filho. "Não, obrigada, ele acabou de fazer quimioterapia e não pode comer doce". Entendi a cabeça raspada. O cansaço da mãe. E de onde vinha tanta alegria naquele menino? Então, de novo, meu coração apertou, o que me prende a garganta e dá vontade de chorar. E chorei olhando pela janela, com vergonha de mim mesma, para que ninguém visse as minhas lágrimas.
  Ele olhava pela janela a vista linda da Baixada Santista, quando finalmente começa a descida da Serra. Seus olhos brilhavam, mau conseguia controlar sua euforia ao ver os carros pequenininhos lá embaixo e depois... o mar! Como é lindo poder ver o mar... nem que seja para chorar.

Sobreviventes

  O trânsito prosseguiu até a entrada de Santos. Mas estar no nível do mar, passar pela estátua do Peixe na entrada da cidade, me deixava menos tensa. Tenho muitos horários a cumprir. Tenho Miranda para buscar na creche. Estava conversando com o motorista (sei que é proibido, mas estava tudo parado), já na frente da Portuguesa Santista, no Canal 1. Ele me contou que nunca pensou que veria um engavetamento maior do que o de 1977. "Prazer, Adriana! Que história é essa?". Então, direto da fonte, o senhor me conta que era motorista de caminhão e estava na Serra quando esse acidente horrível aconteceu, envolvendo 140 veículos. Era o maior da história até então e esse motorista estava lá. Ontem não. Mas era sua rota, ele sobe e e desce a Imigrantes todos os dias, facilmente poderia estar.
    Por tudo que vi hoje na estrada, imagino que o cenário de ontem tenha sido de guerra. Uma vítima fatal, apesar de trágico, é quase a menor porcentagem na proporção do acidente. Foram mais de 400 sobreviventes! E hoje, no meio da minha crise de desespero pela demora, pela injustiça, de pensar em querer morrer... conheço mais dois sobreviventes: um menino e um senhor. Quantos mais estariam naquele ônibus? Eu também quero sobreviver...

Um comentário:

  1. Ontem quase passei o apuro que conta acima, estive em Cravinhos, atrasamos a reunião, retornamos imediatamente, mas transito pesado na Bandeirantes, muitas obras, conseguimos chegar ao último Posto da bandeirantes as 16:00 hs, já sabíamos do acidente, o que fazer, foi como nos preparar para guerra, furacão, tornado, compramos água, comida, usamos banheiro e seguimos, não sabíamos o que encontraríamos, chegamos a Anchieta as 18:00hs, Rodoanel parado, transito, neblina, nunca vi nada igual e olha que são anos de sobe e desce serra.
    Chegamos ao pedágio, tuod parado, parado mesmo, nem pra frente nem para trás...Chegamos a Santos 22:00 hs, totalmente exaustos, nervosos. Hoje pela manhã vejo as imagens impossível acreditar...agradecemos a Deus nenhum funcionário nosso ferido, nenhum veículo batido e ao abrir minha agenda leio no roda-pé...TUA FÉ TE SALVOU (SÃO LUCAS)...realmente sobrevivemos.
    Amiga temos um propósito nesta vida, não faço idéia no meu, mas sei que o seu é grandioso, para isto vc nasceu com um dom...o dom da palavra...use da melhor forma possível e ajude o máximo de pessoas que puder, muitas vezes não podemos nos ajudar, mas muita gente precisa de nossa ajuda...te amo.

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