quinta-feira, 4 de outubro de 2012

"Viver Não é Preciso"



   Há pouco mais de um mês voltei a nadar. O primeiro dia foi muito difícil, as pernas não batiam na velocidade que meu cérebro ordenava, os braços não puxavam a água e não lembrava como respirar em três tempos. Mas no terceiro dia o “professor” já veio perguntar se eu era nadadora, se competia... afinal, por pior que estejam as braçadas de um nadador aposentado, dá para saber quem nadou desde criancinha. Quando respondi sim a todas suas perguntas, me chamou para treinar com o pessoal de “águas abertas”, na Unimes, de Santos. Na mesma Unimes Dora fazia nado sincronizado. Eu levava Dora para o treino e Miranda ficava no carrinho dormindo, com meses de vida. Na época imaginava o dia em que Dora estaria na piscina de Saltos Ornamentais, onde treinava nado, Miranda na aula infantil de natação e eu dando umas braçadas com os adultos. 
   Meu desejo de praticar esporte junto às filhas atletas concretizou-se em parte. Levei Miranda para fazer uma aula experimental. Não só ela adorou, jogando-se na piscina destemidamente, como chorou quando a aula terminou, após 50 minutos de movimentos ininterruptos. Miranda tem DNA aquático, mas com tendência forte para a dança, o esporte/arte.
   Ainda não consegui nadar cinco vezes por semana, como é meu objetivo, mas passado um mês já consigo sentir meus braços como remos e minhas pernas já estão bem mais fortes e rápidas. Fico tão cansada que durmo junto com Miranda às 21h, mesmo se deixo luzes e computador ligados. É o melhor cansaço que existe: o do exercício físico. É tão bom fazer algo que te lembra quem você é. Natação é um esporte solitário e silencioso, em que o nadador só depende dele mesmo, ouve apenas os sons de suas braçadas e bolhas na piscina. Apesar de solidariedade ser fundamental na vida, é bom não esperar nada de ninguém e ser capaz de fazer todo o possível sozinho.
   Enquanto eu nado penso na solução de problemas, lembro dos tantos momentos que só aconteceram porque eu era nadadora, todos os amigos que tenho comigo até hoje. * “Nadar é preciso, viver não é preciso”. A primeira vez que fiz uma análise profunda desta frase foi aos 15 anos. Estava numa rede, balançando com o jovem ator Alexandre Corrêa, hoje Borges, do grupo Boi Voador. Com 19 anos, o lindo, talentoso, sensível e promissor artista lia um texto compenetradamente, enquanto me questionava sobre a profundidade da frase. Na minha visão simplista queria dizer que a vida não é precisa, não há precisão nenhuma na vida. Na navegação, sim. Como eu treinava muito naquela época, logo fiz uma analogia com a natação, esporte totalmente preciso e técnico. “Nadar é preciso, viver não é preciso”.
   Alê não queria apenas "declamar" a frase com voz potente, queria transmitir o significado daquilo. Vivia um tempo de muitas dúvidas, como quase todo adolescente, sua única certeza era que fazia exatamente o que deveria fazer: atuava. Também sentiu que “atuar é preciso, viver não é preciso”. 

   O primeiro contato com uma família muito singular e especial aconteceu em 1985. Estava no primeiro colegial e uma das minha melhores amigas de escola era Geórgia. No segundo ano tinha um garoto muito lindo e carismático, que tocava violão e cantava as músicas do Legião Urbana, falei que gostaria muito de conhecer o André, que para minha surpresa era irmão de Geórgia. Logo ela disse que ele era minha cara e nos tornaríamos amigos, mas que eu precisava conhecer o seu outro irmão, também ator, que morava em São Paulo. Realmente André se tornou um companheiro de vida, com algumas ausências por nossas agendas complexas, mas sempre presente. E, obviamente, adorei Alexandre. 
   Aos poucos fui conhecendo toda a família. O pai deles era diretor de teatro, o santista Tanah Corrêa. Alê era filho único de seu primeiro casamento. André, Geórgia e Kênia eram filhos dele com Elza Piacentini, uma mulher muito sábia, que me acolhia em sua casa como membro da família. No começo era confuso, porque o pai (Tanah) estava no quarto casamento, tinha outras filhas e eram todos irmãos, mesmo que nem tivessem mais o mesmo DNA. Como Janaína, que era irmã dos irmãos de Alexandre, mas coberta de mimos como sua caçulinha. Minha mãe achava tudo muito estranho, mas antes que soltasse alguma pérola preconceituosa sobre a família de artistas, lembrei-lhe que namorou Plínio Marcos, o mais maldito dos malditos, quando o mesmo ainda estava no circo. Mas ela nunca falou nada, ao contrário, quanto mais conhecia os irmãos, mais gostava de todos.
   Alê era fã de Elvis, e sempre que estava na casa da Elza, nas suas folgas de ensaio, dançava comigo Love Me Tender, com cara de galã e jeito de menino. Me sentia uma garota muito especial, por conhecer uma família tão grande, tão cheia de referências, tão amorosa, em que todos se respeitavam tanto. Alexandre me convenceu a fazer curso de teatro “porque eu tinha uma bela voz, rosto expressivo e cinematográfico”. Confesso que adorei o curso com Walderez de Barros, mas nadar, encenar, fazer computação e inglês fez com que minhas notas caíssem e meu pai falou para eu parar com alguma coisa. Larguei o teatro (mas o teatro nunca me largou). Continuei precisando da natação, a única coisa precisa em minha vida.
   Fui ver muitas das peças dos irmãos atores. André por um tempo tentou deixar a carreira, fez publicidade, mas o ofício nunca deixou dele, por incrível que pareça, era a atuação que lhe pagava as contas! André não poderia negar o próprio talento, seria blasflêmia! O sonho de Alexandre era fazer cinema, nunca o ouvi falando de atuar em TV, não naquela época, mas cinema era sua grande paixão... até que um dia ele estreou em Terra Estrangeira*. E com que satisfação assisti Alê engrandecendo um papel pequeno (o contraventor Miguel) com seu talento, carisma e um tanto de disciplina. Já como jornalista o entrevistei algumas vezes, percebendo que o estrelato em nada alterou sua sensibilidade e respeito aos outros. Ele sempre teve brilho próprio, portanto sempre foi uma estrela. Trabalhar no que ama, ser reconhecido por seu trabalho é uma das maiores satisfações que se pode ter na vida. Fico tão feliz em acompanhar a trajetória de dedicação, trabalho e sucesso de tantas pessoas. Uma famílias tão grande, com tantas separações e novas uniões, mas mantendo sempre o foco no mais importante: ser e fazer feliz.

* A frase Navegar é preciso, viver não é preciso tornou-se famosa como citação do escritor português Fernando Pessoa, mas a afirmação foi do general romano Pompeu, em 70 A.C. Há muitas análises para essa frase, subjetivamente também pode considerar a navegação como descoberta, portanto jogar-se na vida seria preciso. Viver por viver, não. Filosofia para horas e dias...

* Terra Estrangeira (1995). Primeiro filme dirigido pela dupla Walter Salles e Daniela Thomas, um dos meus longas favoritos, não só por ser esteticamente e de roteiro perfeitos, mas porque representou a retomada do cinema nacional após a Era Collor. É um "documentário" sobre a juventude da época.

2 comentários:

  1. Tu escreve muito hein. Parabéns por ter voltado a nadar! Bjoks

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  2. Que bom que está compreendendo que viver É PRECISO ainda que não seja como desejou.

    Tenho certeza de que concretizará seus sonhos.

    bjo

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