terça-feira, 12 de junho de 2012

Romântico era Lamarca

   Já fui muito romântica. Acreditava no verdadeiro amor. Acreditava na democracia, direitos iguais, liberdade de expressão e que poderia melhorar o mundo. Liderar um grupo para mudar a sociedade é tão idealista quanto utópico. Não há nada mais romântico do que a imagem do capitão Carlos Lamarca, que ao perceber a hipocrisia do sistema em que entrou, ao discordar da Didatura Militar, desertou do Exército Brasileiro em 1969 e partiu para a luta armada, comandando a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo de extrema esquerda. A primeira vez que ouvi falar de Lamarca foi por meu pai, que sempre tinha histórias de pessoas incríveis e estava sempre em lugares de acontecimentos fantásticos. Então caminhoneiro, o jovem Abel estava na mesma cidade do sertão da Bahia quando Lamarca foi encontrado e assassinado! Só se falava no nome daquele "terrorista" e como iriam encontrá-lo, atirador certeiro, inteligente e líder nato, Lamarca era o inimigo número 1 do Estado. Infelizmente meu pai não o encontrou primeiro para escondê-lo em seu caminhão...
   Minha visão de romantismo era mais na linha do herói, da resistência e redenção do que do casal feliz e perfeito, como nas propagandas de margarina. Sempre dizia que não iria casar ou ter filhos, que este mundo está cheio demais da espécie humana. Segui solteira, mas ainda bem tive duas filhas. A maternidade é muito romântica, é mesmo o amor incondicional. Não sei como será o futuro de minhas filhas, nem mesmo o meu. Até onde pude acompanhar, eram duas meninas inteligentes, carinhosas e generosas. O tipo de pessoas que podem fazer um mundo mais amoroso e justo. Mas tudo pode mudar sempre, alguns traumas transformam as pessoas. Eu mesma não sou mais como era. Por mais resistente chega uma hora que a tortura psicológica nos definha. Mas se eu fosse uma guerrilheira certamente morreria torturada, mas não entregaria meus companheiros e amigos. Porque continuaria sendo romântica e fiel nos ideais.
   Posso dizer que tive três amores na minha vida. Não vou denominá-los porque não quero decepcionar ninguém. Um deles já foi amplamente exposto por aqui. O que é um grande amor para mim? Alguém para conversar até o amanhecer dos dias, quando os assuntos se sucedem infinitamente, quando as ideias se complementam, as músicas são as mesmas, quando as vidas seguem paralelas mesmo separadas. Se um dia eu chegar a ser velhinha e o desejo não for mais intenso, nem a beleza explendorosa ou as ideias tão claras, quero alguém para conversar por infinito de horas.
   A única vez que morei com alguém foi com o pai da minha primeira filha. Minha placenta prévia me impedia de tudo, inclusive sexo. Foram sete meses e meio de repouso absoluto. O cara que parecia tão intelectual e culto afastou-se de mim. Chegava quando eu já dormia e dormia até de tarde. Então eu soube que foi o meu pior engano, porque sempre achei que meu maior tesouro fosse meu cérebro e não meu corpo, embora um corpo são seja um tesouro também. Não queria alguém que só me desejasse, sem amizade ou companheirismo. A vida é mesmo cruel, pois com tantos namorados que são meus amigos até hoje, justamente com alguém desprendido de amizade fui ter minha primogênita.
   Com isso aprendi a não ser tão romântica e passei a acreditar  menos. A verdade é que nunca fui apaixonada pelo pai de Dora. Quando contei para o amigo e jornalista Luis Fernando Ramos que estava grávida, o comentário foi o seguinte: "Mas estão há tão pouco tempo juntos, você nem é apaixonada por ele". Eu sabia e considerava isso um trunfo. A paixão pode destruir. Pensava que seríamos sempre amigos, pois, ingênua que era, considerava que gostar dos mesmos filmes e músicas, bastasse. O abismo apareceu durante a gestação. Separar foi fácil, nem doeu. Mas nem nos meus pesadelos mais terríveis havia espaço para tanta dor que viria depois.
    A resistência um dia acaba. A maioria dos heróis morre cedo. Lamarca morreu antes de completar 34 anos e resistindo, da forma mais romântica que um guerrilheiro poderia morrer.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Prestem Muita Atenção No Que Seus Filhos Ouvem

   Dia desses elucubrei em como a música pode definir uma pessoa. Mesmo toda uma geração. Até a falta de gosto musical ou a falta de música na vida é uma definição. Se meus pais tivessem prestado mais atenção nas músicas que eu ouvia quando adolescente, nem precisariam de sermões sem fim sobre comportamento ou perguntar: "O que você tem hoje?". Para eles Ramones e Sex Pistols eram só barulho. Tudo bem que minha mãe não sabe inglês, mas deveria entender que aquelas roupas velhas e rasgadas eram um modo de contestação, de mostrar insatisfação com a sociedade e o status quo. Que havia um imenso grupo de jovens ouvindo U2, uma banda irlandesa muito politizada e pacifista. Que não queríamos viver de aparências.
  Quando tive minha primeira dor de amor, aos dezesseis anos, esse era é meu som preferido http://youtu.be/P2e7dpVDX54, alguém que ouve The Smiths mais que duas vezes por dia não pode mesmo ser muito feliz. Aliás, as bandas dos anos 80 que eu gostava eram de letras existencialistas ou de protesto, não só as bandas inglesas, mas as nacionais também: IRA!, Legião Urbana,  Plebe Rude e tantas outras. Essa chamada Geração X iniciou a era da informação e tecnologia. Mas não sabia muito no que ia dar.
  Já no mundo adulto, quanta desilusão! Trabalhava para pagar contas, comprar CDs e ir em todos os shows possíveis, como dos Smashing Pumpkins http://youtu.be/4aeETEoNfOg. Sentia saudade de um passado bem próximo, da faculdade, quando acreditava num jornalismo ético, na luta por uma sociedade justa, em desmascarar político corrupto e que esses fossem punidos. Que iria trabalhar por ideologia e não por dinheiro. A música é a visão mais sincera e profunda de uma geração. O que foram os anos 90? Ouça Nirvana e saberá. A maioria estava bem preocupada com o capitalismo selvagem e destruição da natureza. Mas ninguém fez nada. O trágico fim de Kut Cobain (líder do Nirvana) é o ápice da desilusão.
   A entrada do milênio me trouxe a descoberta da maternidade. Dora nasceu em 2002. Quando pensei que pouca coisa nova apareceria pós  Nirvana ou Pixies, surgiu Strokes. Que tem lá muitas influências dessas duas bandas, como também do Velvet Underground. Mas que ótimas influências, afinal. Os garotos continuavam cantando sobre existência, conflitos e amor. Vejo o estilo retrô como uma visão pessimista do futuro, de quem prefere se prender ao passado http://youtu.be/YfFrp4Mdqdc, sinto isso nas melodias e canções (as boas canções) feitas na última década. Geralmente o comportamento autodestrutivo é uma fuga. Julian Casablancas, vocalista dos Strokes, invariavelmente está alcoolizado em seus shows. É uma fuga e pode destruí-lo. Tem gente que o considera um filhinho de papai rebelde, afinal é filho de John Casablancas, dono da Elite Model. Que seja! Que todos os filhos de pais ricos e famosos formem uma ótima banda e saiam em turnê mundial. O pai dele pode ter ajudado no início da carreira? Claro! Mesmo pais menos poderosos ajudam quando acreditam no talento dos filhos. Ou não? Imagino, inclusive, que John devia prestar muita atenção no que Julian gostava de ouvir.
  

A música que me leva até você


  A última vez que vi Dora ela tinha acabado de completar 9 anos, há 16 meses. Já definia sua personalidade pela preferência musical. Ouvia Paramore, Pitty e Lady Gaga. Bem feministinha minha Dora, que aliás não entendia como algumas amigas gostavam de Restart e Justin Bieber. Será que agora gosta? Não, não é possível, assim como não acredito em deus, também não creio no diabo. Talvez até ouça óperas ou sertaneja, por influência ambiental. Mesmo assim, gostaria que um dia pudessemos de novo brincar de "essa música é pra você". Nossa forma de dizer como nos sentimos e o que desejamos que aconteça. "Dora, essa música é para você http://youtu.be/e-H0IvzyyXE . Porque no dia que eu te encontrar eu não vou conseguir falar, nem explicar, nem resumir. Mas se você ouvir essa música, sei que vai entender". 
  Isso torna a música tão universal para mim, liga definitivamente as pessoas. A música é a matemática do coração. Dá razão para tudo. Porque existem caras como Chris Martin, que fazem os cálculos e traduzem os sentimentos e anseios inerentes a qualquer ser humano. Reconheço que não me arrebatei assim de cara por Coldplay. Na verdade nunca havia sentido tanto amor e paixão na vida antes de ser mãe. Agora entendo muito mais suas músicas e letras. Sei o que é saudade, estar longe de quem se ama. Porque sinto esse amor e paixão por Dora. Como posso ouvir isso http://youtu.be/Zo6cE6W8JjI e não me emocionar? Como não me encontrar nessas palavras? A música é um estado de espírito? Então as músicas que as pessoas gostam são como seus espíritos. Por isso desejo que Dora seja guiada sempre pelo bom senso musical, não se renda a tchus nem tchas, nem dancinhas sinistras. Que tenha boas amigas em Ribeirão Preto e que seus pais prestem muita atenção no que nossas filhas ouvem.