quarta-feira, 31 de maio de 2017

Um livro dessas histórias - com financiamento coletivo

   Quando comecei a escrever esse blog foi para enviar aos amigos mais próximos, pois levaram minha filha da escola, com busca e apreensão, e nem me disseram para onde foi levada. Só três meses depois fiquei sabendo que estava em Ribeirão Preto (eu morava em Santos), na casa dos avós paternos. No início eu escrevia sobre minha dor e sobre o processo judicial. Depois comecei a escrever sobre minha vida, para que um dia minha filha soubesse um pouco mais sobre quem foi a mãe dela. Meu medo era de morrer sem poder vê-la novamente. Não queria que lembrasse de mim apenas como a mãe sofredora. Fui muito mais do que isso.
     No começo eu achava que era a pessoa mais "cagada de pombo" que poderia existir. Tive descolamento de placenta e repousei a gravidez inteira. Parei de trabalhar alucinadamente, de nadar quase todos os dias, de sair quase todas as noites para teatro, shows, cinema e festas. Fiquei quietinha esperando Dora nascer. E me martirizava pensando o porquê disso tudo acontecer comigo. Remoía todos os meus erros. Me arrependia de ter me desfeito de todos os meus bens (inclusive o último carro que foi como honorário para advogada), sem ter minha filha de volta. Mas pouco tempo após começar a escrever o blog recebi uma mensagem da Elaine César, que também tinha perdido a guarda do filho e também escrevia um blog. O caso dela era muito pior do que o meu. Ela estava grávida do segundo filho e tinha câncer. E me ligava quando lia algo que escancarava o quanto eu estava deprimida e acabada com toda a situação. A Elaine é personagem fundamental dessa história e está nesse blog.

    Depois veio a Natália Nogueira, de Recife. Ela viu uma matéria na Rede Globo em que a busca e apreensão da minha filha foi gravada. Natália correu para o google e achou o blog. Nos tornamos amigas. Ela, tão mais nova do que eu, tinha perdido a guarda do filho quando ele tinha 2 anos. E ficou dois anos sem vê-lo, morando na mesma cidade. Não acreditava como ela conseguiu suportar tanta dor. Depois eu também fiquei sem ver minha filha dois anos. Foi quando decifrei a melancolia dos seus olhos azuis. E não sei mais como foi a sequência de mães, mas elas foram vindo semanalmente na minha página e me mandavam emails, que eu respondia prontamente, vinham em dezenas, depois centenas. Uma história mais estapafúrdia do que a outra. Cheias de erros judiciais, advogados que perdiam prazos, juízes que não tem prazos para nada, promotores que acusam sem provas (apenas com o que advogados escrevem). Aprendemos na pele que em Vara de Família todos são culpados até que se prove o contrário. 

    Não por coincidência o texto mais lido do blog é o "Nem Puta Perde a Guarda de Filho", porque é o que mais ouvimos, porque é cheio de machismo, de preconceito, porque carregamos esse estigma de "se perdeu a guarda, boa coisa não é". Engano. Quem nunca conheceu uma mãe que perdeu a guarda é porque nunca conheceu um pai que quis a guarda. E, quando os homens conseguem, nunca cuidam sozinhos do filho. A maioria vai morar com os pais, terceirizando os filhos para os avós. Ou então estão em outro relacionamento. E de um pula para outro e para outro. Homens que afastam os filhos das mães não querem o bem dos filhos. Eles querem a derrocada das mães. Geralmente são mulheres independentes, bonitas, felizes e bem resolvidas. E muitos homens não suportam "perder" mulheres assim. Eles ferem onde mais dói. No coração de mãe. E a Justiça patriarcal também é elitista, sempre quem tem mais dinheiro vence. Sempre.

Do luto à luta - Conheci a história da Adriana Botelho, de Salvador, que teve sua filha levada para Portugal há 6 anos... e nunca mais a viu. Fiquei muito amiga também da Flavia Werlang, uma jornalista carioca que mora no Sul. Primeiro ela teve que ir na Justiça para o reconhecimento da paternidade. Tem até um blog sobre ser mãe solo. Mas quando sua filha tinha 4 anos, foi arrancada da escola, no mesmo processo que dizia que a filha não era matriculada em escola nenhuma. Afinal sabemos que juízes não leem o processo inteiro, vão direto na última página.

    Uma vez recebi uma mensagem desesperada de uma mãe também do Sul, Adriane Wieslewski, deprimida, sem conseguir sair da cama, pensando na morte e não mais na vida, pois tinha perdido a guarda do seu único filho e também se achava única. Hoje a Dri é uma militante, que viaja para conhecer outras mães, que dá apoio, que forma grupos. Já veio passar um final de semana na minha casa. Não recuperou a guarda do filho, mas segue lutando. E seguimos amigas.

   E há pouco mais de um ano conheci Luz. Ela me trouxe um lado ainda mais sombrio dos processos de guarda, em que crianças são abusadas e entregues aos abusadores. Mas com as sombras também vieram luzes. Mais militância. Uma mãe vê o processo da outra, dá apoio moral, psicológico, dicas judiciais, conselhos maternos de como reencontrar o filho afastado, como agir com os adolescentes que não reconhecemos mais.

   E tem as mães do Rio de Janeiro, ah, essas cariocas descoladas. Como a Luciana Mendonça (que na verdade é paulistana), que perdeu a guarda do filho e ficou uns anos sem vê-lo, mas o garoto cresceu e ao atingir a maioridade procurou por ela. E agora sabe a mulher incrível que foi tirada (por um tempo) da sua vida. A Luh nos dá muita esperança, sempre. Assim como a Lívia, que ficou 4 anos longe dos seu casal de filhos, enquanto cuidava da caçula super especial. Sempre com sua voz doce e calma e suas lentes sensíveis (ela é fotógrafa). E com seu coração de mãe aberto para receber os filhos de volta. Tem a história triste da Débora Carneiro, que não viu a filha crescer e agora já tem um neto. E que verá crescer! E tem a Carol... ah, a Carol, tão feminista, tão militante. Sua filha mora em São Paulo e tive o prazer de passar o final de semana do dia das mães com as duas, na minha casa, com minha filha caçula... porque Dora continua morando em Ribeirão Preto e continua bailarina e tem ensaios. E a nova exigência do pai é que ela só venha me ver se for de avião, pago por mim, claro. Mas sabemos, eu e ela, que dia das mães é uma data comercial. Ela tem tanto de mim que até assusta. E sei que nem o tempo, nem a distância, nem ninguém conseguiu romper o elo de amor que nos une.

   E não caberão aqui todas as histórias, que estarão no livro que nasceu deste blog. Nele estarão os desdobramentos de várias narrativas do blog. O que aconteceu com os processos dessas mães e filhos? Por que a Justiça é tão lenta? Por que deixa as crianças crescerem em fóruns perícias, buscas e apreensões? Nós alimentamos esse sistema, pagando peritos, advogados, custas judiciais. É muito interessante para o judiciário alimentar litígio. Esse é só mais um lado obscuro e moroso do nosso judiciário.

   Para esse livro ser editado, publicado e lançado me convenceram a entrar no financiamento coletivo do Catarse. Por isso estou aqui, divulgando. Como já está tudo pronto e sou uma pessoa ousada, entrei no Tudo ou Nada. Tenho até 18 de junho para arrecadar todo o dinheiro, caso contrário, é devolvido aos financiadores. O outro "pacote" era de um ano. Não quero esperar mais um ano. Nós todas esperamos demais.

  Para participar, conhecer o Catarse, saber como funciona e divulgar acesse www.catarse.me/pt/e_tudo_verdade_mesmo_848c