terça-feira, 21 de maio de 2013

A Secretária Nacional e a Deputada Federal

    Que a cena política anda confusa há algum tempo, para não dizer caótica, a maioria sabe. De uns tempos para cá há uma bancada religiosa no Congresso Nacional querendo derrubar direitos civis conquistados com muito sangue e lágrimas. Misturar política e religião nunca deu certo, basta passar os olhos no passado de guerras e genocídios "em nomes de Deus". Incoerente estar na presidência da Comissão de Direitos Humanos um deputado que pretende desumanizar negros, homossexuais e outras "minorias" que sofrem discriminação e ódio.
   Daí tenho que falar com várias lideranças políticas, religiosas, militantes e artistas sobre o combate à homofobia e sobre uma resolução datada de 1999, dizendo que homossexualidade não é doença, portanto não tem cura. Querer curar homossexual seria o mesmo do que tratar heteros para que sintam desejo pelo mesmo sexo, bem toscamente falando. Há um  projeto de Lei para derrubar essa resolução, vinda da tal bancada. Sendo que a Organização Mundial de Saúde não considera homossexualidade doença desde 1990. Uma figura importante para discorrer sobre o asssunto seria a Secretária Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário. Foram muitos emails e ligações para o seu assessor tentando marcar um depoimento, uma fala que fosse... 10 minutos bastariam.
    A agenda lotada de Maria do Rosário não nos permitiu marcar uma entrevista com hora e local determinados. Restou tentar a sorte após a reunião com o Conselho Nacional GLBT na Secretaria de Direitos Humanos. Maria do Rosário chegaria após as 18h. Os membros do Conselho discutiram questões políticas, de cidadania, organização do movimento, estatísticas da violência contra homofobia*. O assessor, sempre na correria, adiantou que ela não falaria nada sobre a Resolução/99. "Como assim a representante máxima do Brasil em Direitos Humanos não quer falar sobre um tema urgente que pode nos fazer retroceder até as trevas da Idade Média?" Esperei minha indignação conformar-se e pensei não era o objetivo, mas seria positivo ouvir Maria do Rosário falando sobre os direitos civis alcançados e o que está sendo feito para melhorar o panorama nacional. Duas perguntas com respostas de 2 minutos bastariam. 
   A Secretária entrou na sala de reunião, cumprimentou um por um, me deu até beijinho. Não sei se sabia que sou jornalista ou pensou que fosse alguma representante GLBT. Sentou-se, falou de ações positivas, parabenizou os participantes, marcou uma possível data para outra reunião. Assim que levantou-se, às 19h30, segui seus passos e quando vi o assessor aproximando-se dela após fazer um sinal positivo para mim, pratiquei minha leitura labial. "Estou exausta!".  Nossa representante máxima de Direitos Humanos estava cansada demais para dar qualquer declaração para o Conselho Federal de Psicologia. Será que ela tem ideia que, se a homossexualidade voltar a ser encarada como doença por determinação do Legislativo, o Congresso Nacional do Brasil irá contra todos os estudos científicos realizados por séculos?
   Deixei minha indignação conformar-se de novo. No dia seguinte tem mais.

   Depois de um dia cheio seguimos para o Gabinete da Deputada Federal Erika Kokay. Já havia uma jornalista esperando e um senhor de lá longe não sei de onde. A entrevista estava marcada para 18h, mas a deputada chegou 18h30, pediu desculpas e fez a logística das entrevistas. A nossa seria mais breve, 10 minutos talvez. O "set" foi uma salinha apertada, cheia de artesanatos de quase todas as regiões do País. Tinha também uma pintura pequena do Bob Marley. Erika sentou-se e não precisava de perguntas. Falava apaixonadamente sobre causas de igualdade, defendendo minorias, falando da essência do ser humano, de respeito, de cultura, de educação. Em uma de suas declarações mais contundentes disse estar com medo, pois a Comissão de Direitos Humanos está repleta de "homofóbicos, rascitas e fascistas, se continuar assim esse projeto sairá vencedor e o Brasil estará retrocedendo, indo contra uma ordem de tolerância mundial". Sim, é a treva!
   Sem precisar prolongar na pergunta, Erika Kokay falou por mais de 30 minutos. Deu material para esse e mais vários videos. Agradeceu, despediu-se com um abraço de quem está  na mesma causa e desculpou-se para os que estavam esperando. Quando a outra repórter mencionou a necessidade de ir embora, pois o motorista morava muito longe, rapidamente a deputada pediu para um rapaz da sua equipe levar a jornalista até seu trabalho, após a entrevista, podendo dispensar assim o motorista e fazer sua matéria. Ainda resolveu o assunto com o senhor que a esperava, também oferecendo uma logística para atender a todos.
   Parece pouco, mas atitudes assim no trato  pessoal, esse respeito e atenção, fazem toda a diferença, diferenciam as pessoas que tratam todos igualmente ou inferiormente. A coragem de falar o que pensa difencia os que lutam por igualdade de direitos ou os que estão lá só para cumprir tabela.
    Um misto de desolação e esperança tomou conta de mim. A luta do bem contra o mal continua.

* Por não haver denúncia ou porque lá a população é menos homofóbica mesmo, não existe caso de violência no Estado do Acre.

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