quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Voltar para Morrer na Praia

   Poderia escrever como foi horrível passar dois dias infrutíferos, densos e pesados, estar no Fórum de Ribeirão Preto, ir ao cartório, perguntar porque demora tanto o processo no gabinete do juiz, que teria o prazo de 10 dias, e ouvir, em tom jocoso: "Mas 4 meses é pouco, tem processo que fica mais de um ano!". Poderia escrever sobre o dia mais quente do ano na cidade mais quente do Estado de São Paulo. Sobre perder o direito das visitas monitoradas por culpa minha, sobre como detesto estar naquela cidade, como choro e desidrato e me sinto idiota. Sobre como isso parece uma penitência eterna, tortura psicológica e física, mas tudo isso me soa repetitivo.
   Prefiro escrever como é bom estar com Paola Miorim, que me vê sempre chorando e em menos de meia hora de conversa me faz rir e falar de coisas boas da vida. Me faz ter múltiplos interesses. De como ela é linda em todos os sentidos e a paz que ela transmite. Não poderia existir alguém melhor para mim nesses momentos críticos. Assim como a leveza da filha mais velha, Lívia, e a inquietude da mais nova, Giovana, que me passam tranquilidade e determinação. Se há algo de positivo nisso tudo é ter retomado essa amizade sólida e eterna, que começou na infância/adolescência e que, por essas distâncias de tempo e espaço, separou-se por alguns anos. 
    
    Voltei de Ribeirão Preto para São Paulo no ônibus das 15h30. Chorei muito na volta, ouvi muita música e dei continuidade na leitura de Chá nas Montanhas, um livro de contos de Paul Bowles. Nunca tinha lido esse autor e estou fascinada por sua descrição minuciosa de lugares angustiantes ou inóspitos, como abismos, desertos e montanhas. Lugares que Bowles conheceu pessoalmente, morando, convivendo com os habitantes. As histórias surreais me causam um estranhamento pavoroso, como se algo muito ruim fosse acontecer. Cada parágrafo cheio de informações, que por meu atual estado de desatenção ou por prazer, era lido duas vezes. Então o sol começou a se por. Fechei o livro e vi a paisagem, com olhos atentos de um escritor descritivo. Observando cada cor modificando-se em cada nuvem.
   Cheguei em São Paulo às 20h30 e no terminal Jabaquara peguei o ônibus para Santos às 21h45. Continuei lendo o livro. Entrou um homem visivelmente drogado, sem bagagem, muito magro, com roupas velhas e um pouco sujas. Ele nem se importou por haver um policial fardado no ônibus e repetia gritando: "Não acredito! Vou chegar em Santos! Eu consegui!". Alguns passageiros comentaram sobre o que a droga faz com a pessoa. Mas ele aquietou-se e a viagem transcorreu calma. Senti aquela emoção que sempre sinto quando da Serra do Mar se avista a Baixada Santista. É tão lindo que não consigo cansar de tanta beleza.
    Quando o ônibus se aproxima da rodoviária, o homem drogado começa a gritar com emoção: "Santos, eu voltei! Santos, meu amor, estou de volta!". Me emocionei também e chorei. Ele desceu do ônibus e procurou por alguém que o esperasse, mas não havia ninguém. Na minha mente criativa e cheia de histórias, imaginei que estivesse preso e essa alegria era a cara da liberdade. Ou o amor pela cidade natal. Nem desci. Preferi seguir no ônibus até a praia. E desci no Canal 1, em frente ao mar. Segui andando pelo calçadão. Que bom sentir o vento suave, a brisa do mar e o cheiro da grama cortada, do jardim mais lindo que eu já vi. Santos tem tanta vida noturna. Fui olhando as pessoas lindas, com pouca roupa, andando de skate, bicicleta, patins. Como é bom estar numa cidade em que garotas sobem em skates, garotos andam de mãos dadas. Entendi a alegria do homem que voltava para Santos. Há quanto tempo ele não sentia essa brisa ou via essas pessoas?
    Todo aquele sofrimento que passei em Ribeirão Preto ficou no passado. Meu momento era feliz e pleno. Respirei fundo e aliviada. Nem liguei quando senti algumas dores uterinas. Se for para sangrar, que seja olhando o mar. Pensei em Neruda, o poeta do mar, e suas casas com vista para o oceano, que visitei no Chile. Cantei mentalmente a música de Dorival Caymmi; "É doce morrer no mar, nas águas verdes do mar". Não me importa nadar e morrer na praia. Gosto tanto de nadar e seria uma morte gloriosa morrer no mar. Se for para sofrer que seja onde escolhi viver. O sofrimento é tão mais leve olhando o mar, que o vento até leva a dor embora. As luzes dos navios no horizonte estão brilhando. Deve ser muito doce morrer no mar.

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